Foi na década de 60 que os médicos começaram a notar que alguns doentes com obesidade melhoravam substancialmente da diabetes tipo 2, quando eram operados ao estômago. Faz sentido. Obesidade e diabetes são duas doenças inflamatórias habituadas a coexistir. Quando uma está lá, é provável que a outra também esteja (ou que venha a estar). São ambas resultado de maus hábitos — uma vida sedentária, o consumo excessivo de calorias, em dietas ricas, sobretudo, em hidratos de carbono e gordura — com consequências severas no metabolismo.

Só que a obesidade refere-se a níveis de gordura muito elevados no corpo e a diabetes tipo 2 a um bloqueio da entrada do açúcar nas células (a insulinorresistência) que, saturadas de energia, deixam o sangue saturado de glicose. Tentando compensar este fenómeno o pâncreas aumenta a produção de insulina, a hormona responsável por regular o açúcar no sangue, até ao ponto de se esgotar nessa tarefa e acabar deficiente como na diabetes tipo I.

No século XX, com o aumento do recurso às cirurgias bariátricas — as que são executada em pessoas obesas com vista a diminuir o peso, através de operações que alteram a anatomia do estômago e intestinos — confirmaram-se as suspeitas: aquelas tinham, de facto, potencial para curar a diabetes tipo 2.

De acordo com o relatório do Observatório Nacional de Diabetes, publicado em 2016 e referente a 2015, “o número de pessoas com diabetes tipo 2 está a aumentar em todos os países.” Em Portugal, a prevalência estimada da diabetes na população “com idades compreendidas entre os 20 e os 79 anos (7,7 milhões de indivíduos) foi de 13,3%, isto é, mais de 1 milhão de portugueses neste grupo etário tem diabetes”, sendo que “menos de 10% correspondem à diabetes tipo 1.”

“Walter Pories [cirurgião em Greenville, USA], um cientista e cartoonista fantástico, detetou que no conjunto dos seus doentes obesos com diabetes tipo 2 simultânea submetidos a bypass gástrico 16 anos antes, 85% dos doentes continuavam sem diabetes, ou seja, que esta operação tinha sido capaz de curar estes doentes”, explica à MAGG o cirurgião Rui Ribeiro.

É assim que começa a história dos procedimentos cirúrgicos para curar a diabetes, que, tal como os bariátricos, fazem parte do conjunto de cirurgias metabólicas. “Hoje em dia é feita regularmente em vários países do mundo”, explica o cirurgião da Clínica de Santo António, dos Lusíadas, uma das certificadas pela DGS para este tipo de procedimento complexo. “Há evidências científicas que confirmam de forma indiscutível a vantagem deste tipo de cirurgia, comparativamente à terapêutica com antidiabéticos orais ou insulina.”

É, aliás, três ou quatro vezes mais eficaz, segundo relata o especialista. Tanto que, em junho de 2016, os guidelines emitidos pela American Diabetes Association (ADA), que desenvolve e publica normas de comportamento para os médicos que lidam com a diabetes, passou a incluir a cirurgia no seu fluxograma de terapêutica da diabetes.” Portanto, é oficial: a cirurgia entra no universo do tratamento desta doença, com o potencial de cura (remissão) que os medicamentos não incluem, uma vez que apenas fazem um controlo.

Mas, segundo estas normas, não é absolutamente indicado para todo o tipo de pessoas que sofram desta doença. “As guidelines dizem que qualquer doente obeso com um IMC acima de 35 e com diabetes tipo 2 deve ser operado”, explica Rui Ribeiro. “E qualquer diabético com IMC entre 30 e 35 pode ser submetido a cirurgia, desde que a doença não esteja bem controlada” — isto é, desde que os medicamentos não sejam capazes de dominar esta condição, fazendo com que ela produza danos continuados no organismo.

Então e os diabéticos com um IMC num escalão abaixo de 30? “Para este tipo de escalões ainda não há estudos irrefutáveis, porque a investigação não avançou tão depressa.”

Cirurgias para curar a diabetes levam, regra geral, a uma perda de peso. Por outro lado, os procedimentos bariátricos — aqueles que visam diminuir substancialmente a gordura — também têm efeito positivos na cura da diabetes. Se assim é, e tendo em conta que os procedimentos são quase sempre realizados em quem é obeso, como é que se decide qual é a melhor operação?

“Depende de cada doente. O procedimento tem de se adaptar ao perfil do doente”, explica. Um doente diabético com uma obesidade grave é mais fácil de tratar e a técnica bariátrica escolhida normalmente é suficiente para controlar as duas doenças. Num diabético pouco obeso temos de recorrer às técnicas desenhadas para tratar a diabetes e que normalmente induzem menor perda de peso mas melhor controle da diabetes. No entanto, não é fácil escolher a técnica a usar, depende de cada doente em concreto e é provavelmente a parte mais importante. Escolher o trunfo certo é determinante.”

Rui Ribeiro explica que, apesar de se falar pouco das cirurgias para a diabetes em Portugal, elas podem realizar-se em hospitais públicos e privados.

Se os equipamentos forem adequados e os médicos especializados, a percentagem de sucesso é grande. “As pessoas têm medo da cirurgia metabólica, apesar de nos bons centros de cirurgia metabólica, a taxa de mortalidade ser de 0,1%. Poderá morrer um doente em mil. Nas complicações, esta percentagem vai até aos 5%”, esclarece. Mas ressalva: “Convém sempre que seja em centros de qualidade e devidamente certificados. Há quase 30 centros a praticar e alguns não têm certificação.”

Como é que se atua nesta cura para a diabetes tipo 2?

Há diferentes cirurgias, que são aconselhadas consoante o perfil do doente. Quanto mais grave for a diabetes, mais complexa será a cirurgia. Mas como é que acontece? Existem vários mecanismos envolvidos. Eliminam a produção de algumas hormonas, ressuscitam a produção de outras. Tudo através de uma espécie de “corte e costura” interno, no estômago e intestinos. Vejamos.

Alterar a ligação entre o estômago e o intestino, uma mudança importante na configuração anatómica, pode ajudar a impedir a produção de hormonas desfavoráveis à doença e, por outro lado, à produção de outras fundamentais para o funcionamento do pâncreas, o órgão responsável pela produção da insulina e cuja falência é a consequência final da diabetes.

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“O metabolismo do açúcar e triglicéridos é gerido principalmente pelo fígado e pelo pâncreas. Estes dois órgãos funcionam produzindo hormonas que comandam o nível de açúcar permitido no sangue”, explica. “O que se passa é que quando alteramos a configuração anatómica do estômago e o ligamos a uma parte do intestino mais à frente, os alimentos não passam em algumas partes do tubo digestivo o que leva à alteração do padrão normal de produção de hormonas pelo estômago, duodeno e intestino, as chamadas incretinas, com reflexo positivo na gestão dos açúcares e triglicéridos, melhorando a diabetes.”

É um dois em um: por exemplo, o estômago deixa de produzir a grelina, a hormona ligada à vontade de comer e ao armazenamento de energia e, ao mesmo tempo, na parte final do intestino delgado, onde existe uma população de células endócrinas, estas produzem outras hormonas que levam a um renascer do pâncreas” originando um aumento da produção de insulina, ou seja, cura-se um dos dois pilares desta doença.

“Outro fator está relacionado com o facto de que, se os alimentos deixarem de passar pelo duodeno [a primeira parte do intestino delgado], deixam de ser produzidas hormonas que bloqueiam a entrada do açúcar no sangue, ou seja, elimina a causa principal da doença que é a “insulino-resistência” permitindo às células do corpo receber normalmente o açúcar proveniente da alimentação e evitando o seu aumento no sangue e as consequências nefastas desse fato.

Ao mesmo tempo, estas alterações no tubo digestivo, levam a que haja um aumento dos ácido biliares no sangue, aqueles que fazem parte da bílis, um liquido biológico produzido no fígado. Nas cirurgias metabólicas, são mais reabsorvidos no intestino e, uma vez no sangue, ligam-se a recetores das células capazes de, mais uma vez, desbloquearem a entrada de açúcar no sangue e ajudar a controlar a insulino-resistência.

A flora do tubo digestivo, chamada de microbioma e que existe desde a boca ao ânus, também se altera após uma cirurgia metabólica. “Passam a predominar as bactérias boas para o metabolismo e reduz-se a população das 'desfavoráveis'”, diz o cirurgião. “É esta a base do transplante fecal. Já se comprovou em ratos, e está a ser testado em humanos, que se injetarmos fezes de ratos magros em ratos gordos, eles emagrecem, pela indução da uma alteração do microbioma.”

Rui Ribeiro refere ainda, como uma das melhores técnicas por ele usada a interposição ileal. Aqui “separamos a parte final do intestino delgado [o íleon] e cozemo-lo à parte inicial do mesmo.” Quando os alimentos, ao saírem do estômago, aterram diretamente no íleon, ativam-se mecanismos que melhoram a produção de hormonas que estimula e rejuvenescem o pâncreas”, o que será vantajoso para a produção de insulina e, por consequência, para a cura da diabetes tipo 2.

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