Quem é fã de "Friends" certamente se recorda da época em que Phoebe (interpretada por Lisa Kudrow) engravidou de trigémeos e começou a ter desejos muito estranhos. Na popular série, a personagem era vegetariana mas, durante a gestação, teve imensos desejos de comer carne, o que potenciou muitos momentos divertidos. Havia momentos em que Phoebe inventava (quase) tudo para justificar os seus desejos carnívoros e roubava muita comida a Joey.
Ficção à parte, a verdade é que os desejos das grávidas são um dos tópicos mais falados quando o assunto é gestação: há mulheres que têm desejos de comer sardinhas mesmo que antes nunca tivessem ligado muito a este peixe, outras não conseguem adormecer sem atacar pacotes de batatas fritas. Também há quem só queira comer bananas — e nem vamos falar dos doces.
Mas será que estes desejos repentinos têm valor científico, e as mulheres grávidas não conseguem mesmo passar sem comer ou beber aquilo que lhes apetece nesse momento? Ou tudo não passa de um mito? "Atualmente, são um mito", afirma Olga Santos, ginecologista e obstetra da Clínica de Santo António, à MAGG.
Tal como recorda a especialista, a ideia dos desejos das grávidas remonta ao passado, mais concretamente ao início do século XX: "Nessa altura, existiam realmente desejos de uma coisa que não se comia, e uma justificação para tal. Estamos a falar de uma época em que não existia controle médico sobre a gravidez, e em que os desejos eram, na verdade, a manifestação de deficiências alimentares das grávidas".
Isto explica a necessidade de as gestantes, há muitas décadas, comerem terra e o cal das paredes, continua Olga Santos. "Era a forma de colmatarem as suas necessidade de vitaminas e minerais, que fazem muita falta na grávida: comiam terra para obter os minerais, e cal para obterem cálcio, embora o fizessem sem perceber porquê".
Hoje em dia, a médica obstetra é perentória e afirma que esse tipo de desejos específicos de querer comer algo por necessidade "não existem, dado que as grávidas são acompanhadas pelos seus médicos, que lhes prescrevem suplementos vitamínicos e minerais para colmatar as necessidades do organismo".
Quanto aos desejos, ou à vontade de comer algo de forma súbita, Olga Santos refere que estes não são um exclusivo das gestantes. "Todos nós temos desejos. Quando vamos a um restaurante, lemos a carta e algo nos parece bem, temos desejos de comer isso e não estamos grávidas".
Numa gravidez dos dias de hoje, acompanhada por um médico, caso surjam "desejos específicos e fortes, isto pode querer dizer que a pessoa não tem o organismo equilibrado e alguma falta de suplementação de vitaminas e/ou minerais".
Desejos de doces? Pode ser um alerta para a diabetes gestacional
A partir das 24 semanas de gravidez, o que corresponde ao quinto mês de gestação, algumas grávidas podem efetivamente ter desejos de comer muitos doces. Mas isto pode não ser uma vontade inofensiva, mas sim um alerta para uma situação um pouco mais séria.
"Nesta altura da gravidez, os impulsos de consumir doces podem ser sinais de uma diabetes gestacional. Isto acontece porque devido à sobrecarga da gravidez, os pâncreas de algumas mulheres podem não ter muita capacidade de produzir insulina e de a reservar, o que provoca a diabetes gestacional", esclarece Olga Santos.
Nestes casos, e com a insulina em menor quantidade, "a entrada de açúcar nas células é mais difícil, o que pode levar a grávida a ter a noção errada de que tem falta de açúcar e tendência a ingerir mais doces".
Como alerta Olga Santos, o diagnóstico tem de ser rápido e as grávidas com diabetes gestacional estão "totalmente proibidas de consumir doces". A alimentação deve ser composta por "pequenas refeições ao longo do dia, com alimentos de baixo teor glicémico" e, caso a alimentação não seja suficiente para controlar a diabetes gestacional, pode existir a necessidade de se "recorrer a insulina".
No entanto, a obstetra avisa que as grávidas com diabetes gestacional não são as únicas a ter regras na alimentação em relação aos doces: mesmo as mulheres que não passam por esta situação estão restritas a "um doce por semana".