Isobutil-parabeno, ftalato, BHA, triclosan. Estes são apenas alguns exemplos das mais de 800 substâncias químicas do nosso ambiente que são hoje sinalizadas como alteradores endócrinos e que podem afectar a nossa saúde.
“Alterador endócrino (ou disruptor endócrino) é qualquer substância estranha ao organismo, que interfere com o sistema endócrino, alterando uma ou mais vias hormonais”, explica à MAGG Conceição Calhau, professora associada da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa e coordenadora de investigação no CINTESIS.
Segundo definições da Organização Mundial da Saúde, os alteradores endócrinos, como o próprio nome indica, interferem no nosso sistema endócrino, que é composto por diferentes órgãos ou glândulas endócrinas: o cérebro, a glândula tiroide, a glândula paratiroide, o timo, as glândulas supra-renais, o pâncreas e os orgãos reprodutores.
Onde estão os alteradores endócrinos?
Estas substâncias estão presentes no ar, na água, nas pastagens, nos solos, nos plásticos, na água (principalmente na da torneira), nos cosméticos e em diversos objetos do nosso quotidiano, como os detergentes e inseticidas que usamos nas tarefas domésticas. Conceição Calhau acrescenta também que estamos expostos a estes compostos por várias vias, desde a ingestão alimentar, contacto com a derme ou inalação.
A dermocosmética, pela representação que pode ter, pelo contributo e contacto diário (mais do que uma vez ao dia) deste tipo de produtos, pode constituir um problema de grande escala no âmbito dos alteradores endócrinos."
“O sistema endócrino tem a relevância de controlar processos fisiológicos importantes para o crescimento e desenvolvimento, logo, interferências ou perturbações nesta rede vão ter um impacto na saúde”, salienta Conceição Calhau.
Os compostos que deve evitar nos produtos de cosmética
“A dermocosmética, pela representação que pode ter, pelo contributo e contacto diário (mais do que uma vez ao dia) deste tipo de produtos, pode constituir um problema de grande escala no âmbito dos alteradores endócrinos”, salienta Conceição Calhau.
É por isso que o laboratório dermocosmético francês SVR, com especial enfoque em produtos para toda a família, já afasta de muitos dos seus produtos estas substâncias.
“Acabámos, como marca, por nos aperceber do possível problema com alteradores endócrinos ligados à utilização crónica de cuidados de cosmética e tomámos uma atitude”, afirmou Joana Ferreira, farmacêutica e Product Manager da SVR, no âmbito da apresentação à imprensa das novidades solares da marca para a próxima estação.
“Numa primeira fase, houve uma preocupação em eliminar da produção dos nossos produtos algumas das substâncias hoje em dia sinalizadas com maior prevalência em termos de atividade endócrina”, explica a farmacêutica ligada à SVR, que é também a primeira marca em Portugal com produtos testados para a ausência de alteradores endócrinos e com provas de isenção para este tipo de moléculas.
Alguns conservantes (como o propalarabeno, o butiparabeno, o triclosan, o BHA e BHT), filtros solares (benzofenona, etylhexyl, metoxicinamato), silicones (ciclopensasiloxano), agentes plastificantes (ftalatos) e o acondicionamento cosmético (bisfenol A nos plásticos) foram eliminadas pelo laboratório, sendo as mais claramente identificadas como alteradores endócrinos. Assim sendo, e já que deve estar sempre atento aos rótulos dos produtos que adquire, talvez seja uma boa ideia ter em mente que estes são componentes potencialmente perigosos para a sua saúde.
Como nos podemos proteger?
“A utilização destas substâncias em diversas áreas da indústria alimentar, cosmética, plástico ou pesticidas, bem como materiais de conveniência impermeáveis, anti-aderentes ou outras, trouxe acumulação no ambiente, na cadeia alimentar e no organismo, provocando efeitos nefastos na saúde”, diz à MAGG Conceição Calhau.
Não existe nenhuma lista oficial com todos os alteradores endócrinos que podem, alegadamente, ser nocivos para a saúde. Existem apenas suspeitas de perturbações associadas à estrutura molecular próxima das hormonas e observações feitas por algumas equipas de investigação.
No entanto, Conceição Calhau tem algumas recomendações: “Devemos estar informados, estar atento às rotulagens e tentar mudar o que podemos. Podemos variar bastante a alimentação, para variar os tóxicos — de salientar que a carne de vaca e o leite são alimentos mais propensos a acumularem mais contaminantes dado que ainda existem muitos fertilizantes e pesticidas nas pastagens. Temos também de ter cuidado com a quantidade de detergentes que usamos em casa, dado que depois os resíduos desses produtos de limpeza vão pelo ralo e contaminam as águas.”
A água da torneira é outro problema. Não há tratamentos ou controlo da água a nível hormonal, nem uma legislação que obrigue a fazer esse tipo de testes, e estes não são feitos."
Utilizar mais vidro e menos plástico (como nos biberões dos bebés), não aquecer comida em recipientes de plástico, não reutilizar garrafas de plástico nem deixar as mesmas muito expostas à luz solar são alguns conselhos da especialista, que avança também que devemos ter muito cuidado com a água que bebemos.
“A água da torneira, na minha opinião, é outro problema. Não há tratamentos ou controlo da água a nível hormonal, nem uma legislação que obrigue a fazer esse tipo de testes, e estes não são feitos. Sou um bocadinho cética em relação a toda esta campanha da água da torneira porque, para mim, tem este problema e não é controlada. Acabamos por vulgarizar um alimento tão importante como a água, não interessa se é da torneira, se vem em garrafa de plástico ou vidro, etc.”, afirma Conceição Calhau.
Os compostos persistem no meio ambiente, mesmo décadas depois
Vários componentes considerados alteradores endócrinos foram abolidos na década de 70 da composição de muitos produtos, como o DDT (um pesticida que foi banido por grande parte do mundo entre os anos 60 e 80 mas que continua a ser usado em alguns países do continente africano) e o PCB mas “continuam na cadeia alimentar, dado que são compostos que persistem e têm impacto na saúde”, afirma a especialista.
Já é robusta a evidência que associa a exposição e acumulação destes compostos com obesidade, diabetes, doença mental como a depressão, doença cardiovascular e cancro."
Conceição Calhau adianta que os alteradores endócrinos, “quimicamente falando, podem ser compostos muito diferentes.” Podem ser metais pesados, mercúrio e cádmio, as isoflavonas da soja (de origem natural), as dioxinas (de origem antropogénica) ou pesticidas organoclorados. “Mas têm em comum a particularidade da acumulação no ambiente, pelo que são também designados de POPs — poluentes orgânicos persistentes no ambiente, que se acumulam e não se degradam”.
“Já é robusta a evidência que associa a exposição e acumulação destes compostos com obesidade, diabetes, doença mental como a depressão, doença cardiovascular e cancro”, conta à MAGG.