Seria perfeito dizer que há uma fórmula para que apenas aconteçam coisas boas na vida. Não há. Isto porque, em vez de uma, temos várias fórmulas que, em diferentes momentos da vida, podem ser aplicadas. Só que os resultados não são imediatos, nem tão pouco levianos.
Para atingir tudo isto, há uma questão essencial que tem de estar presente na mente de quem quer que lhe aconteçam coisas boas: "Quem sou eu?". Fácil. Achamos sempre que nos vêm com questões de auto conhecimento. Mas se nos conhecêssemos assim tanto, Marian Rojas Estapé não falava desde 2007 sobre stresse, depressão e doenças somáticas, sempre que o tópico é felicidade.
O que é que a felicidade tem então que ver com as coisas boas? "A felicidade consiste em viver de forma sã e equilibrada no presente. Superando as feridas do passado, estas vão condicionar o futuro", explica a psiquiatra Marian Rojas Estapé à MAGG.
Contudo, há quem fique preso no passado, vivendo de forma angustiada e com ansiedade sobre o futuro. As redes sociais também são um problema. Na chamada era digital, os estímulos de um abraço ou de um elogio foram substituídos pela sensação de prazer sempre que vemos um like (ou vários) na última publicação partilhada. Já quando isto não acontece, dá lugar à frustração. E este não é apenas um fenómenos dos millenials. Está já instalada em todas as gerações, das crianças e jovens que usam os ecrãs como formas de descontrair, aos idosos que acompanham as novas tecnologias.
Só que isso está a afetar a forma como processamos o mundo que nos rodeia, influenciando também a educação, ou mesmo o emprego, gerando muitas vezes depressão e ansiedade: "As duas grandes enfermidades do século XXI".
Partimos para a entrevista com Marian Rojas Estapé ansiosos — o que por si só já é mau sinal —, uma vez que o tempo é sempre escasso e queríamos aproveitar ao máximo a conversa enriquecedora. Tudo isto ao mesmo tempo que, claro, sabíamos que ainda faltavam muito mais tarefas por riscar na lista de coisas para fazer nesse dia.
Descobrimos que a ansiedade que antecedeu o nosso "hola" à psiquiatra espanhola tem um nome: cronopatia. E parece que não somos os únicos a sofrer desta obsessão com a produtividade, mas só agora lhe foi dado um nome.
Ainda assim, sabíamos que daqui iríamos levar alguma tranquilidade para fazer com que acontecessem coisas boas ainda naquele dia. Nada melhor do que sentarmo-nos com a autora do livro "Como Fazer para Acontecerem Coisas Boas", publicado a 7 de janeiro, (17,75€) para sabermos como a própria autora, Marian Rojas Estapé, consegue alcançar essas coisas boas que todos nós ambicionamos.
Tem uma fórmula para que lhe aconteçam coisas boas?
Para que aconteçam coisas boas, temos de aprender a conectar com o presente da melhor maneira possível. E o presente não é o que se passa, mas como eu interpreto o que se passa. Depende de como cada um de nós interpretamos a realidade. O que num dia nos altera muito, daqui a uns meses pode não influenciar-nos em absoluto. Vamos adaptando o nosso organismo e a nossa mente segundo uma série de fatores.
Afinal, para que as coisas boas aconteçam, tenho primeiro de me conhecer. "Quem sou eu?", "como é a minha forma de ser?". Em segundo, tenho de compreender porque sou assim, como funciona o meu mecanismo e organismo, como explico no livro. Em terceiro tenho de aceitar. Aceitar as coisas que não podem mudar. Aceitar que há algumas limitações. Aceitar que há coisas à minha volta que tento controlar e que posso superar, mas preciso de saber para onde posso ir. A vida tem de ter um sentido, um propósito, para que me sinta bem. Se não tenho um propósito, sou escravo do imediato, sou escravo de uma tendência, e por isso é tão importante ter metas.
Essa escravidão que dá origem a depressões e medos é o principal caso que aparece em consultório?
Sim. E, por isso, o mais importante é aprender a questionar melhor sobre mim mesmo a nível emocional. Aprender a questionar sobre o que está à minha volta, o trabalho, a vida profissional. De repente, há quem sinta que a mente colapsa. Como se eu não sei. Mas há muita gente que sente isso agora.
E o stresse é o grande vilão das coisas boas?
Diria que são estas três: a vida profissional, a má gestão do que não conhecemos e o ecrã. O ecrã dá-nos gratificações instantâneas. Dá dopamina, logo, dá prazer. Mas quando o largamos, sentimos um grande vazio e percebemos que a nossa vida não tem um rumo. Ao passo que quando somos pessoas que controlamos e questionamos através do ecrã, sentimo-nos melhor.
Esse sentimento cresceu nos últimos anos?
Muitíssimo. Somos uma sociedade que está muito estimulada. Há muito stresse, há demasiada informação. Há uma má gestão da informação. Existem as fake news, todos os dias saem noticias de todos os temas e nós já não sabemos o que é verdade e o que não é. Não sabemos filtrar tudo o que nos chega. E isso leva-nos a colapsar, a bloquear e a ter muita ansiedade.
Influência então as coisas boas?
Influência. Porque as coisas boas estão na vida real. Quando consigo conectar com uma pessoa real. Quando consigo conectar com a natureza. Quando consigo expressar-me. Por isso, se eu vivo o dia a correr, com a mente em mil coisas, focada nas redes sociais, é muito difícil pensar em coisas boas.
No livro fala sobre a felicidade light. O que é que isto significa?
É como uma Coca-Cola light, um queijo light. É uma felicidade à espera do clique. Porque eu vejo um botão e automaticamente tenho a sensação de prazer. Porque comprei algo. Porque me sinto só e descarrego uma aplicação de encontros. Então basicamente sinto-me bem porque alguém fala comigo ou quer conhecer-me. Mas é tudo fictício, não é real. São coisas que dão um pequeno pico de prazer, mas no final de tudo é um vazio.
É um medicamento digital?
É realmente um medicamento digital. Gosto da expressão.
E que importância têm a oxitocina e o cortisol?
O cortisol é a hormona do stresse. É a hormona que se ativa quando nos sentimos ameaçados ou quando a nossa sobrevivência está em risco. É uma hormona boa. Porque podemos fazer frente a tudo isto. Mas se estou preocupado todo o dia, é uma hormona que intoxica e deixa-me doente. Causa inflamações, problemas gastrointestinais, enxaquecas, problemas musculares, problemas neurológicos, etc..
Já a oxitocina é a hormona do amor, das relações, da confiança. Por exemplo, quando estou abraçada a uma pessoa, com os meus filhos ou com pessoas num plano afetivo, a oxitocina eleva-se e nesse momento baixa o cortisol. A oxitocina é capaz de limitar os níveis de cortisol.
E como podemos controlá-las diariamente?
Primeiramente, sabendo quais os fatores que me stressam. Quais os fatores que me dão mais angústia, que me tiram do equilíbrio. Depois, é preciso conhecer os fatores sociais. Pode ser o dinheiro, a família, o meu parceiro, o meu trabalho. Algo que se relaciona comigo e que me destabiliza, mas pode ser enfrentado. Mas para isso preciso de me conhecer. De conhecer o que me altera e quem sou eu. Como é o meu corpo e a minha mente. E quando me conheço, posso atacar o problema e afastá-lo da melhor maneira.
Quanto aos pensamentos tóxicos, como podemos afastá-los?
Fazendo um bom diagnóstico. Pensar como sou, como são os meus pensamentos? Os pensamentos ajudam-me ou bloqueiam-me? Todos temos um "eu" interior que vai comentando: “Não estás bonita”, “pareces estranha”. Então o primeiro passo é estar consciente de como estou. E quando isso acontece, vou tentar saber como posso educar os pensamentos, para que me apoiem em vez de me boicotarem. Por isso, muito cuidado com o autoboicote, que me leva a fracassar antes de acontecer algo. Coisas como “não fales”, “não vais conseguir”, fazem muitos estragos na minha cabeça. Vão-me bloqueando. Quando diagnosticadas, já podemos dizer “não permito”.
Dessa forma, os pensamentos bons acabam por atrair coisas boas?
Sim. Acabar com os pensamentos tóxicos funciona como um golpe de Estado e custa muito. A voz interior é o nosso pior inimigo. Muito mais do que qualquer coisa que pensemos no mundo.
E quando no trabalho temos uma pessoa tóxica, como lidar com ela?
Se deteto que uma pessoa é tóxica, o feito que produz em mim é tóxico. Essas pessoas ateram-nos, bloqueiam-nos. É preciso perceber que essa pessoa me afeta, e quando entendemos isso, somos capazes de tentar afastar o efeito que produz em nós. Mas é também importante relativizá-lo, porque por vezes fazemos um drama de coisas pequenas. Podemos tentar compreender o que essa pessoa está a passar, a sua forma de ser, porque é que se sente ameaçada por mim. Porque quando eu compreendo porque é que está a atuar dessa forma, sinto alívio e permite-me questioná-la melhor, logo perdoar. Porque perdoando as pessoas, somos muito mais felizes.
No seu livro fala sobre a saúde intestinal. Que relação tem com a felicidade?
Então, 90% da serotonina no cérebro é absorvida pelo intestino. E a serotonina é a hormona da felicidade. Portanto, tem um enorme impacto. Quer dizer que a minha mente precisa de um bom equilíbrio de substâncias para estar bem. E grande parte dessas substâncias são absorvidas pelo intestino. Se o meu intestino não está bem, dá origem a gases, diarreia, colites, mudanças na permeabilidade intestinal. Ou seja, com permeabilidade intestinal entram coisas que não deveriam entrar. E isso intoxica o meu organismo e faz com que o meu corpo e mente funcionem pior.
O que podemos fazer nesses casos?
Acho que hoje em dia estamos a par de muitos estudos interessantes sobre as fezes para saber como estão as bactérias da microbiota e como equilibrá-las com probióticos. E estamos a ver que ao melhorar a alimentação e os probióticos, estamos a melhorar a saúde intestinal.
E o que é a cronopatia?
É a efemeridade do tempo. Pathos, em latim, é doença, e cronos é tempo. Esta "doença do tempo", a cronopatia, está relacionada com pessoas que precisam de estar constantemente a fazer coisas.
É então um novo conceito?
É um novo conceito, mas existiu sempre, só que agora colocámos-lhe um nome. Mas no fundo a cronopatia está relacionada com são pessoas obcecadas por fazer coisas a toda a hora. Fazer, fazer, fazer. E não sabem parar. Quando recomendadas que parem, ficam angustiadas. Ficam com ansiedade.
Não podem acontecer coisas boas mesmo quando estamos ocupados?
O problema é que só acontecem coisas boas quando paras, refletes, quando te conectas com o teu interior e a natureza. Se estás o dia todo a fazer, fazer, fazer, importa mais o que estás a fazer do que o ser e o conectar. E aí é muito mais difícil. Vais acumulando tantas atividades, que no final não consegues desfrutá-las. Por exemplo, se estás todo o dia a comer, podes comer coisas ricas, mas não as saboreias. Porque grande parte das coisas boas estão em saborear os instantes bons que acontecem ao longo do dia.
No livro refere que “a pessoa atrai o que lhe acontece na vida”. Podemos controlar isso?
Quando as nossas emoções são positivas, a nossa mente, como está cientificamente demonstrado, faz todos os possíveis para atrair as coisas boas relacionadas com isso. É preciso ter emoções boas para que o cérebro as mostre. Se não as temos, o nosso cérebro não nos vai ensinar. Por isso é que 90% das pessoas a quem não acontecem coisas boas, é porque não sabem o que querem para si e o que o seu cérebro também não o demonstra.
Quais são então as principais dicas para que possamos fazer acontecerem coisas boas?
Resumindo, a primeira é conhecer-me e perguntar “quem sou eu”. A segunda é procurar os fatores que me stressam. A terceira passa por questionar quais os meus objetivos. A quarta é ser realista. Porque não há nada pior do que ser irrealista. A quinta é sair para ir ao encontro do que queremos. Há muita gente que diz “eu quero aqui e agora”. Não. As coisas boas são acontecem se não formos à procura delas. Logo, a sexta é que quando conseguimos as coisas boas, precisamos valorizá-las e trabalhá-las com esforço para fazer com que durem. Seja nas relações, com pessoas, amigos, roupa. É preciso aprender a cuidar das coisas boas. Porque as notícias e tudo o que está à nossa volta é fugaz e é preciso aprender a reter o que vale a pena.