Dormir oito horas seguidas não é perder tempo, como defendem as gentes do bicho carpinteiro, viciadas em fazer coisas. Dormir oito horas interruptas é o contrário: é passar o tempo acordado com a mente clara e limpa, é estar mais concentrado, é ser mais produtivo, é estar mais bem-disposto, é ser mais saudável, é viver mais e melhor.
A ciência está cansada de nos dizer isto (por favor, oiçam-na). Mas, dúvidas haja, há um novo livro que, com uma linguagem muito simples e zero aborrecida, nos fala de todas as vantagens dos sonos corretos e reparadores.
Chama-se "A Arte de Dormir" foi escrito pelo nutricionista britânico Rob Hobson que, logo no início, nos explica: apesar de dormir significar estar em descanso, não quer dizer que nada esteja a acontecer. Nesta altura em que a consciência parte para um sítio estranho, entram em acção processos do organismo que, a serem completados com sucesso, nos fazem acordar prontíssimos para a nova aventura que é um dia por viver.
Vejamos: segundo o autor, o cérebro processa a informação, memórias e experiências, a hormona do crescimento é libertada para ajudar a reparar os tecidos do corpo. Mais: as proteínas são reabastecidas mais rapidamente para auxiliar o processo de crescimento e renovação, aumenta a produção de células da pele, de glóbulos vermelhos e de glóbulos brancos.
Já a privação de sono é uma pescadinha de rabo na boca: é que quanto menos dormimos, mais cansados ficamos e mais difícil se torna adormecer. Com isto, ficamos tristes, desconcentrados, pouco produtivos. Começamos a comer mais, porque o corpo está a gritar por energia (isto é, hidratos de carbono de tipo gordinho — alimentos refinados e processados). Ficamos mais stressados, ansiosos e mal-dispostos. Lembre-se: mente e corpo andam de mãos dadas e, quando um está mal, o outro também fica mal.
Agora, os motivos que levam à falta de horas de sono — ou à má qualidade do mesmo, o que é ainda mais lesivo — podem ter várias origens. Se dorme pouco porque tem dificuldade em adormecer ou porque está sempre a acordar, veja se está a cumprir com todas estas regras de boa higiene de sono, indicadas por Rob Hobson no livro editado pelo Clube do Autor, "A Arte de Dormir".
1. Escuridão total
Neste ponto, temos de referir o ciclo circadiano para que compreenda, para sempre, o impacto que a luz tem no sono: este ciclo refere-se ao ritmo interno e fisiológico dos seres vivos num espaço de cerca de 24 horas — e que faz com que, regra geral, o sono chegue aos corpos quase sempre na mesma altura.
Este ciclo, que está em todas as células, ajuda a regular os padrões do sono, que dependem muito de processos biológicos e fluxos de hormonas. Neste último ponto, há dois protagonistas principais: a melatonina, que é a hormona do sono que começa a ser libertada durante a noite, e o cortisol, a hormona da vigília, que é libertada na hora de acordar.
Só que há fatores externos que influenciam os timings destas libertações e um deles é a luz. A melatonina surge com a escuridão e o cortisol com a luz. Por isso, a forma como dorme e as rotinas que adota nas horas que precedem o momento, mexem com isto tudo.
É fundamental respeitar estas regras: o quarto deve estar completamente escuro, porque a entrada da luz vai impedir uma boa secreção da melatonina — sem esquecer que, se acordar durante a noite, será muito mais difícil para voltar a adormecer, porque o cortisol é ativado com mais força. Há também que ter em atenção a luz azul, aquela que é emitida por telemóveis, tablets ou computadores — e que, de acordo com Rob Hobson, é a que tem um efeito mais negativo no sono.
Se adormece com dificuldade e ocupa o tempo de espera a jogar "Candy Crush", a ver Netflix no computador, a reler emails, a ver tutoriais no YouTube ou a conversar no WhatsApp com outras pessoas que não conseguem dormir, saiba que isso é absolutamente contraproducente. Vai demorar mais a adormecer e vai dormir pior. Experimente: largue as tecnologias nas horas antes de ir para a cama e feche completamente as persianas — não se preocupe, o despertador vai tocar, portanto não irá dormir para sempre.
2. Não é bom estar numa cama e quarto a ferver
Para se adormecer, o corpo tem de estar relaxado. E isso significa não ter de estar em esforço para equilibrar a sua própria temperatura. É verdade que ambientes quentes durante o dia nos dão sono, mas transformar o seu quarto numa estufa antes de dormir só dificulta o processo de adormecer. É que o ciclo circadiano está em sintonia com a temperatura corporal e, por isso, faz com que ela comece a baixar ao final do dia, diminuindo ainda mais quando adormece — o que faz com que o organismo conserve energia. Ao mesmo tempo que o termómetro do corpo desce, a melatonina aumenta. Assim, dormir com mil camadas na cama e com o aquecedor ao lado é contraproducente porque vai dificultar os fluxos do organismo.
3. Mas tomar um banho quente pode ser bom
Parece o contrário do que acabámos de dizer, mas também a ciência já veio confirmar: tomar um banho, um duche ou molhar os pés em água quente antes de ir para a cama ajuda a relaxar, atenuar a ansiedade e consequente tensão muscular, que não raras vezes nos tiram o sono. Mas não pode ser imediatamente antes de saltar para os lençóis: convém que seja uma hora antes, para dar tempo ao organismo de atingir as temperaturas ideais para uma noite com descanso de qualidade.
Há alguns pormenores que podem ajudar: o sal de Epson, rico em magnésio e uma ajuda no relaxamento muscular, pode ser adicionado à banheira, assim como óleos (alfazema, bergamota, ilangue ilangue, por exemplo) que são bons para relaxar através seu cheiro — estimulam o nervo olfativo que envia mensagens a determinadas partes do cérebro, acalmando as que estão responsáveis pelas emoções. Se apagar as luzes e colocar umas velas em luz baixa, vai puxar ainda mais o estado zen, perfeito para ficar com sono.
4. A posição em que dorme importa
Ainda não há consenso científico sobre a forma ideal para se dormir, até porque cada corpo é um corpo. Mas há duas que parecem ser mais saudáveis: a fetal (virado para o lado contrário da mão dominante) ou de costas.
Hobson deixa algumas dicas sobre isto, consoante os problemas de cada pessoa:
- Se tiver dores de costas ou pescoço, durma na posição de decúbito dorsal (barriga para cima), porque permite à coluna, pescoço e cabeça descansarem de forma neutra. Uma almofada na parte debaixo dos joelhos pode ajudar, porque diminui a pressão na coluna e ajuda a respeitar a curvatura natural da lombar;
- Se tiver apneia do sono ou ressonar muito, duas condições que influenciam grandemente a qualidade do sono, evite dormir de barriga para cima e aposte na posição de lado, uma vez que ajuda na abertura das vias respiratórias. Uma almofada entre as pernas pode ajudar;
- Quem tem refluxo ou azia não deve dormir de barriga para cima, porque pode piorar os sintomas. Porém, se for a posição mais cómoda, use almofadas para ficar com a cabeça num nível mais acima — pode ajudar. Dormir de lado — principalmente para o esquerdo, tendo em conta a posição do esófago — é a melhor forma de conduzir o refluxo de volta ao estômago, melhorando os sintomas de desconforto.
5. O quarto tem de ser um santuário de sono
E, como qualquer santuário, tem de estar em ordem, arrumado e organizado, por fora e por dentro. Principalmente para quem tem dificuldade em adormecer, que mais facilmente se perturba com aquilo que constitui uma ameaça ao sono. "A desarrumação causa inquietação, por isso é importante arrumar e criar um refúgio de calma e sossego", diz o autor. Só deve estar no quarto aquilo que faz falta a este espaço, que deve servir exclusivamente para dormir: prateleiras atoladas de livros, caixas e caixinhas não fazem falta, tal como produtos de beleza, relógios a fazerem barulhos ou aparelhos a emitirem luzes e a poluirem o ambiente.
Outra coisa: como diz o nutricionista, os "esqueletos" devem estar fora do armário — ou seja, camuflar a desarrumação em gavetas e em armários não fica ao alcance do olhar, mas fica ao alcance da mente. Um quarto organizado contribui para uma mente organizada. E isso contribui para um sono de qualidade.
6. A importância da cama
Ter uma cama bonita e bem feita no momento de dormir é mais convidativo ao sono, por isso não deixe esta tarefa por fazer de manhã. Outra coisa: lençóis brancos são mais relaxantes do que os outros, por isso fica a dica.
O colchão também é fundamental: deve ser trocado de sete em sete anos, uma vez que se deteriora em 70% no espaço de dez. Resultado: dores de costas, dores de pescoço, alergias. E, na altura de adquirir um, faça uma pesquisa pelas tipologias existentes, veja as vantagens de cada uma e pense nas suas necessidades.
Por último, o tipo de roupa de cama: deve ser respirável e o edredão deve ter o peso certo (e isto varia consoante a estação do ano), devido à tal questão da temperatura do corpo; o edredão ser ainda hipoalergénico, quer se sofra de alergias ou não — os ácaros alimentam-se de células mortas e os seus dejetos (sim, dejetos na sua cama) dão origem a alergias, afetam a respiração e interrompem o sono.
7. Uma vida ativa
Portanto, não seja uma pessoa sedentária, que da cadeira do escritório salta para o sofá e daí para a cama. Não precisa de ser o rei do CrossFit, dos pesos livres ou o campeão das maratonas. Basta que, cinco vezes por semana, faça exercício durante meia hora. Esta rotina vai ajudá-lo a passar mais tempo nas etapas de sono profundo, que é a "mais reconstrutiva" de todo o ciclo, avisa o nutricionista. Além de melhorar a qualidade, o exercício melhora a quantidade de tempo que passa a dormir, pelo gasto energético a que foi submetido durante o dia e que precisará de repor durante a noite. Além disso, alivia o stresse e a ansiedade, o que faz com que adormecer seja mais fácil.
Mas, atenção: treinar perto da hora de dormir liberta adrenalina e stresse, aumenta a temperatura do corpo, o que pode ser contraproducente — principalmente quando o exercício foi de alta intensidade.
8. A alimentação influência a forma como dorme
Isto é fácil de perceber: hidratos de carbono — sobretudo simples — dão energia imediata. Precisamos de mais energia antes de ir dormir? Não. É que não a vamos gastar, portanto além de se aumentar o potencial de engordar, dificulta-se o sono. Álcool, comida picante, açúcar e cafeína devem também ser riscados dos hábitos noturnos.
Já as proteínas são importantes, porque ajudam nos tais processos ligados à renovação dos tecidos que decorrem no organismo enquanto estamos a dormir. Alimentos ricos em triptofano (sementes, carne, peixe, ovos, frutos secos, banana, aveia ou leguminosas) são benéficas, já que este um precursor da melatonina. A vitamina B6 também está presente nestes alimentos e também ajuda na produção da mesma hormona do sono. Magnésio e cálcio também são amigos de noites de sono boas.
A alimentação tem influência no sono, mas não faz milagres. Apostar nos alimentos bons, mas dormir com luz, num local desarrumado e a ferver, não salva ninguém. Portanto, se tem dificuldades em dormir, lembre-se: aparelhos estão longe na hora de ir para a cama, um quarto deve ser um santuário escuro, arrumado, ameno e pouco atulhado. Ah, e cuidado com o edredão, com os lençóis e o colchão.