
Se alguma vez pensou que as noites mal dormidas e o facto de estar a ganhar peso podem estar relacionados, saiba que pensou da forma correta. A conexão entre aquilo que pode estar a fazer com que se sinta cansado depois de acordar com o facto de não conseguir fazer uma dieta saudável é real, e a verdade é que pode até trazer problemas para a sua saúde. Um sono estável e profundo é essencial para a perda de peso, e contamos-lhe tudo sobre o assunto.
Vânia Caldeira, pneumologista e coordenadora da Comissão de Trabalho da Patologia Respiratória do Sono, explicou numa entrevista à MAGG como podem estar estes dois fatores relacionados, e o que é que é preciso para começar hábitos mais saudáveis no que toca à procura de um bom sono. “O que nós sabemos é que o sono tem de ser um dos pilares de alguém que está a tentar perder peso. E porquê? Porque o sono tem várias funções, uma das quais do ponto de vista hormonal, que no fundo condicionam o apetite e a saciedade”, começou por explicar.
“E, portanto, quando o sono, ou não tem qualidade, por várias doenças que afetam a qualidade do sono, ou é encurtado, porque a pessoa está privada, aquilo que sabemos é que essa função do sono, dessa regulação hormonal do ponto de vista do apetite, fica comprometida. E, portanto, é muito mais difícil perder peso se a pessoa não dormir bem”, acrescentou. Ou seja, quando alguém fica privado de uma boa noite de sono, tem a tendência de sentir mais apetite, e o normal é sempre comer mais e pior.
“Nestes casos, a tendência é então pior. Há mais tendência à escolha de alimentos menos interessantes, do ponto de vista nutricional. Geralmente consomem alimentos mais calóricos e também come mais, porque o apetite está desregulado pela falta de sono”, disse Vânia Caldeira. “Ou seja, se a pessoa dormir menos ou mal, a pessoa vai ter mais aumentos da hormona que gera fome e uma menor noção de saciedade. É isso que depois leva às escolhas piores, levando à cascata que vai aumentando o excesso de peso e a obesidade”, acrescentou.
Um dado interessante é que este é um grande parecer em pessoas que trabalham em turnos noturnos, uma vez que são as que mais privação de sono têm. “Quase sempre aquilo que nós vemos é que essa pessoa devia ir descansar e não consegue. E não consegue por um conjunto de coisas, entre as quais a sociedade e o que está a acontecer pelo mundo. Portanto, é muito menos fácil de adormecer, especialmente se a pessoa viver na cidade, com todos os ruídos, com a vida a acontecer”, explicou Vânia Caldeira.
“É muito frequente a pessoa sair do turno e ir comer. A noite passou e a pessoa, no fundo, vai tomar um pequeno almoço. Mas não deve, porque se vai dormir depois isso vai cair mal. Portanto, nós devemos sempre, no máximo, comer uma coisa com muito pouco açúcar. E o ideal é até mesmo tentar não comer”, confessou. “Até podem dormir as sete horas num horário diferente daquele que é suposto, mas deixa de ser um sono reparador, e aí voltamos às consequências do aumento do peso”.
E como uma coisa leva à outra, a prática do exercício físico acaba por ser deixada para trás, uma vez que a fadiga e o cansaço são dois entraves, o que vai também fazer com que essa perda de peso seja cada vez mais difícil. “Uma pessoa cansada está limitada em termos de motivação, de humor. O humor está muito envolvido, e assim não tem motivação, de facto, para a prática de exercício físico. Pessoas mais sonolentas, tipicamente, são mais sedentárias, mexem-se menos”, explicou. No entanto, a privação do sono pode mesmo levar a coisas piores do que a falta de exercício.
“Tanto o sono insuficiente como o sono de má qualidade estão associados a risco de doenças cardiovasculares, como o infarte e a arritmia. E cada vez mais também doenças metabólicas, como a diabetes”, disse Vânia Caldeira. “Temos de pensar sempre na apnea de sono também, que é cada vez mais prejudicial. 90% dos doentes com apneia têm peso a mais. Com a apneia a pessoa para de respirar durante a noite e isso faz com que o oxigênio baixe, aumentando o risco cardiovascular e o risco metabólico. Portanto, a pessoa em fase de sono, em que poderia estar a dormir bem, está na verdade comprometida”, acrescentou.
Assim, fica tudo interligado uma vez mais, sendo que a privação do sono pode levar ao excesso de peso e obesidade e estes fatores podem levar a doenças graves. As estratégias para travar isso são, na teoria, simples, mas a verdade é que na prática podem levar um pouco mais de tempo a implementar, uma vez que tudo tem que ver com a oportunidade de ter uma boa noite de sono. “Muitos de nós não dormimos bem porque não temos oportunidade. Quer dizer, a pessoa vai ficar acordada até mais tarde porque tem trabalho, porque tem que estudar, e para isso precisa de retirar horas de sono”, explicou.
“Portanto, a oportunidade é a estratégia número um. Não vale a pena a pessoa ir à procura de grandes fórmulas se a pessoa não põe o sono na agenda. A estratégia número dois é a mudança de comportamento. Se as pessoas dormem menos é porque é uma decisão sua, pode ser consciente ou inconsciente, mas é”, disse Vânia Caldeira. No entanto, a verdade é que as pessoas podem seguir estas estratégias e mesmo assim terem dificuldade, quer por questões de noites mal dormidas quer por questões de, por exemplo, ressonar a noite inteira, e aí a pneumologista já aconselha a ida ao médico.
"Outra coisa diferente é a pessoa que até consegue pôr o sono na agenda, prioriza o sono quando quer dormir, mas depois de manhã acorda cansada, com a sensação de que o sono não é reparador, ou então acordou várias vezes mas não tem insónias ou o seu companheiro diz que ressonou a noite toda. Aí, a melhor solução é mesmo procurar ajuda. Não é achar que vai à farmácia comprar suplementos e que vai passar, que não vai, tem que ser estudado”, rematou Vânia Caldeira.