2025. Começou um novo ano e com ele vem a oportunidade de pedir novos desejos e estabelecer objetivos. Um deles é a perda de peso, que todos juram conseguir fazer assim que entrarem no ginásio e começarem a comer de forma mais saudável. No entanto, quando isso não acontece, a acumulação do peso começa.
E não, não é um exagero, uma vez que mais de 50% da população portuguesa sofre de obesidade, uma doença crónica. Quer seja por fatores genéticos quer seja por falta de uma boa alimentação, a obesidade afeta mais de metade da população, sendo que nas crianças a percentagem é de mais de 30%. Este problema, doença crónica que precisa de ser vigiada, não fica resolvido apenas com o ginásio e as frutas no cesto da cozinha e é necessário acompanhamento médico específico para cada pessoa para que a saúde esteja sempre em primeiro lugar.
À MAAG, Adriana Lages, endocrinologista no Hospital de Braga e membro da direção do Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, fala sobre a importância da desmistificação do emagrecimento e do acompanhamento feito por especialistas, uma vez que só desta maneira é que as pessoas que sofrem de obesidade podem conquistar melhores resultados. Não existindo um caminho mais curto para melhorar a saúde, é importante saber-se o que é, afinal, a obesidade, quais os fatores e complicações que estão associados a esta doença crónica e que tipo de ajuda e dieta são implementadas.
Leia a entrevista.
Começo por lhe pedir para definir "obesidade".
A obesidade é uma doença complexa, multidimensional e recidivante em que, de facto, nós temos um excesso de adiposidade disfuncional que condiciona a doença. Condiciona a presença de múltiplas morbidades e, obviamente, causa impacto no estado de saúde do indivíduo. Aqui o que é importante ressalvar é que a suscetibilidade genética, num ambiente obesogénico, assume uma preponderância significativa, e, portanto, este fator é um fator essencial na compreensão desta complexidade.
Muitos acreditam que a obesidade é apenas uma questão de fazer mais exercício físico, mas esta doença tem vários fatores associados, incluindo biológicos e sociais. O que causa a obesidade?
São diversos, desde fatores sociais e económicos, de acesso a comida e estrutura para a prática de exercício físico, aos fatores genéticos e aos fatores ambientais. É uma multiplicidade de dimensões onde se inclui uma série de fatores diferentes que condicionam a presença de sobrepeso e obesidade.
"A obesidade na infância é um fator preocupante quando falamos de saúde pública", Adriana Lages, endocrinologista
E que tipo de desafios enfrenta uma pessoa obesa?
Os fatores mais importantes na gestão e no controle do peso relacionam-se muitas vezes com algumas barreiras, quer no acesso ao acompanhamento pluridisciplinar, quer no acesso aos recursos que nós temos disponíveis para tratar e controlar o peso. Além disso, nós também temos um fator que é fundamental e que nós ainda não conseguimos, no fundo, eliminar, que tem a ver com o estigma. O estigma da pessoa procurar ajuda, o estigma de a pessoa perceber que precisa de uma equipa ao longo de toda a vida a acompanhá-la para controlar o peso corporal e o estigma também no que diz respeito à acessibilidade dos fármacos.
Em Portugal, mais de 50% da população (58,6%) sofre de excesso de peso ou de obesidade. Este é um número assustador.
Sim. O que nós sabemos é que há uma grande prevalência de sobrepeso e obesidade nos adultos em Portugal. Sabemos também que este é um dado assustador porque temos que pensar de forma quase que obrigatória em políticas de prevenção da doença. Mas para aqueles que já vivem com sobrepeso ou obesidade é importante que exista acesso ao tratamento. E este tratamento é um tratamento que tem algumas dimensões que são, de facto, transversais a todas as pessoas, como a terapia psicológica e terapia comportamental, mas temos outras estratégias que devem ser, de forma seletiva, oferecidas a estas pessoas.
Falemos agora de obesidade infantil. O que é que está por detrás desta doença que, segundo os dados de 2022 da COSI Portugal, afeta 31,9% das crianças?
Nós sabemos que as crianças, e a obesidade na idade da infância, é um fator preocupante quando falamos de saúde pública. Sabemos que provavelmente está relacionado com maior sedentarismo, temos as crianças a praticarem menos atividade física estruturada, quer nas escolas quer no seu tempo livre, e também sabemos que está relacionado com a exposição a alimentos mais processados e o consumo de alimentos mais calóricos. Isso condiciona um aumento de peso nestas idades, que depois se estende naturalmente para um maior risco de se tornarem adultos obesos também.
Quando são crianças as afetadas, muitas vezes não existe a consciência de que estão a enfrentar uma doença crónica. Qual é que é o papel dos pais nesta situação?
Os pais têm um papel fundamental, os pais são o exemplo e são parte da estratégia terapêutica. Nós quando temos uma criança que vive com sobrepeso, fazemos com que os pais sejam nossos aliados e parte do plano terapêutico.
"Muitas vezes há a vontade de procurar soluções temporárias"
Chegado agora o ano novo, há sempre aquela vontade de querer emagrecer. No entanto, neste tipo de doenças, chega só a vontade própria?
Não. É frequente como resolução de ano novo nós criarmos novos projetos, novos objetivos, mas a verdade é que muitas vezes a pessoa que vive com sobrepeso, apesar de desejar iniciar esse processo, não procura uma ajuda especializada como o acompanhamento porque existem alguns mitos sobre as estratégias que utilizamos. É relevante que nós tentemos explicar à pessoa que a orientação nutricional e a redução do sedentarismo são inegociáveis no processo, e o tratamento de forma controlada e selecionada, oferecida com critério e acompanhamento médico, é também um recurso valioso para ganhos em saúde e este é o nosso objetivo fundamental. O objetivo é que aquela pessoa ganhe qualidade de vida e que ganhe saúde no processo de controle de uma doença crónica.
Que tipo de acompanhamento médico pode existir? Há a possibilidade de recurso a medicamentos?
A equipa multidisciplinar deve incluir não só médicos, mas também psicólogos, que são responsáveis pela terapia cognitiva e comportamental, profissionais do exercício físico, profissionais que são diferenciados na área da obesidade, como endocrinologistas, e todos aqueles que nós reconhecemos que podem ser uma mais-valia para o acompanhamento da pessoa. No entanto, nós temos fármacos que estão aprovados para o controle de peso e que devem fazer parte desta estrutura que é oferecida, sempre de forma criteriosa e garantindo o acompanhamento médico. Nós temos quatro fármacos diferentes disponíveis em Portugal, mas o importante a ressalvar é que temos de oferecer esta possibilidade sempre com critério e acompanhamento médico.
Que tipo de barreiras pode uma pessoa enfrentar ao tentar perder peso? O que é que pode dificultar este objetivo?
Muitas vezes é esta falta de estrutura multidisciplinar, ou seja, não temos algo que vá modificar várias dimensões da vida daquela pessoa, portanto esta integração é importante. Por outro lado, muitas pessoas acham que este acompanhamento é cíclico, apenas por um período pequeno de tempo, e leva a que abandonem o acompanhamento, e isso condiciona muitas vezes. E há também aquele estigma de que falávamos, a pessoa acha que é menos válido pedir ajuda neste sentido ou que é menos válido haver perda de peso se for associada a um fármaco, e isso deve também ser desmistificado. Portanto, o fundamental é que se entenda a obesidade como uma doença crónica que precisa de acompanhamento para toda a vida. Muitas vezes há a vontade de procurar soluções temporárias e momentâneas para um objetivo único, como o casamento de um filho ou a ida de férias, e isso não é o que nós pretendemos. Nós pretendemos integrar esta pessoa num processo terapêutico que é realmente para manter.
Quais são os grandes mitos sobre o emagrecimento que circulam?
Talvez que o emagrecimento depende só da força de vontade da pessoa, que sabemos que de facto não é verdade. Outro mito que é importante desmistificar é que a perda de peso associada a tratamento farmacológico é menos válida, ou que a pessoa vai ganhar mais peso por estar sob terapêutica farmacológica para controle de peso. Talvez também que as pessoas que têm uma idade mais avançada, nomeadamente as mulheres na menopausa, não são elegíveis para entrar nestes processos de perda de peso. Pelo contrário, é uma idade em que nós devemos oferecer mais este tratamento. Por último, que a orientação nutricional e o exercício físico vão ser as únicas estratégias para todas as pessoas.
Fala-se cada vez mais do uso do ozempic para emagrecimento. Na prática, como é que funciona?
Na dose para tratar a obesidade ainda não temos disponível em Portugal, mas o ozempic, ou o semaglutino, pertence a uma classe farmacológica que são os agonistas do receptor de GLP-1. Inicialmente foram utilizados para a diabetes tipo 2, dependendo da obesidade, e depois transitaram para a sua utilidade terapêutica no contexto da obesidade sem diabetes. São uma família de fármacos que atuam a nível intestinal para libertar hormonas que vão ser responsáveis por um efeito que é muito vasto e significativo, desde o atraso do esvaziamento gástrico à emissão da fome a nível central, e vão realmente promover uma perda de peso. No entanto, é importante que se esclareça às pessoas que não há medicamentos que funcionem sem o resto das alterações que nós promovemos em consulta. Nenhum medicamento vai funcionar se não houver equilíbrio no que diz respeito à ingestão alimentar e se não houver modificações no estilo de vida.
Desempacotar menos e descascar mais é a solução
Falámos aqui do acompanhamento médico e dos medicamentos, mas a verdade é que o exercício físico é também um grande fator a favor da perda de peso. Qual é a importância do desporto na vida de alguém com obesidade?
O exercício físico, ou seja, a atividade física estruturada, é inegociável em todo o processo. Não é que seja o responsável principal pelo emagrecimento numa fase inicial, mas sabemos na atualidade que o exercício físico é o fato mais preponderante no controle e manutenção do peso perdido. Quando nós falamos de obesidade não falamos só em perder peso, falamos também de manter a perda de peso ao longo do tempo. E aí o exercício é a chave para que haja uma continuidade desse mesmo processo e desse mesmo sucesso na perda de peso inicial. Nós não queremos que as pessoas criem ciclos de perda e reganho, queremos que haja uma continuidade das estratégias.
E com o desporto vem também a dieta saudável, como falámos há pouco. Vai sempre depender de pessoa para pessoa, mas qual é que, geralmente, é a mais recomendada para quem sofre de excesso de peso?
Nós insistimos muito na ideia de tornar o discurso menos complexo. A melhor dieta é aquela que aquela pessoa consegue cumprir de forma consistente e que se baseia realmente na gestão equilibrada de micro e macronutrientes, que respeitem a sazonalidade e que respeitem também um baixo número de alimentos processados. A dieta mediterrânea é um excelente exemplo, e temos a sorte em Portugal de na maioria das nossas casas conseguirmos cumprir com relativa facilidade, mas a ideia é mesmo esta, desempacotar menos e descascar mais. O que sabemos que funciona é realmente as pessoas escolherem este tipo de soluções, e temos que descomplicar um bocadinho o conceito do que é o exercício físico e uma alimentação equilibrada.
As chamadas “dietas da moda”, como a dieta keto ou o jejum intermitente, ajudam realmente na perda de peso?
Nós temos diferentes visões do que pode ser um plano alimentar oferecido. O que nós sabemos em termos de perda de peso é que não existem dietas que sejam superiores umas às outras num objetivo específico de perda de peso. Sabemos que há realmente algumas dietas que podem ser mais vantajosas em alguns contextos, mas mesmo assim, em termos de evidência científica, ainda não existe muito conhecimento. Eu continuo a achar que nós devemos respeitar o que a pessoa gosta e não gosta, e deixar para o profissional da área da nutrição a elaboração de um plano que seja capaz de ser cumprido.
Como é que uma pessoa, aos poucos, pode incorporar uma dieta mais saudável na sua vida?
Conseguimos fazê-lo através de ajuda profissional, com profissionais da área da nutrição, com médicos também diferenciados na área da nutrição clínica e também através da educação. A educação é um veículo fundamental e é por isso que estas campanhas que nós também vamos lançando ao longo do tempo são tão importantes. O acesso à informação de qualidade deve começar na infância, deve começar nas escolas e deve ser transversal até aos adultos, e queremos que as pessoas entendam aquilo que é necessário para todos termos uma vida mais equilibrada e mais saudável.
"A mulher, quando entra na menopausa, fica associada a um maior risco do ponto de vista cardiovascular"
Algumas das doenças mais conhecidas associadas à obesidade são a diabetes e a hipertensão. A que outras doenças está ligada?
A obesidade é uma doença em si só, e a ela associam-se mais de 200 outras doenças. Claro que as pessoas estão mais tradicionalmente habituadas a relacionar a obesidade com a diabetes tipo 2 ou com a hipertensão, mas vale a pena ressalvar que cada vez mais olhamos para as complicações não tradicionais como a infertilidade e a doença oncológica. Ou seja, falamos de diferentes tipos de cancro e não só aqueles que nós chamamos de hormonodependentes. Também há outras complicações, como as complicações associadas à saúde mental. Portanto, vale a pena olharmos para a complexidade da obesidade e para a necessidade de controle de peso como uma forma de ganharmos saúde e diminuirmos o risco destas complicações.
Isto só reforça, então, a necessidade do acompanhamento médico, para que essas doenças possam ser melhoradas ao longo do tempo.
Isso mesmo. É importante que nós façamos esse acompanhamento, numa primeira instância, como identificação das complicações já existentes. Quando a pessoa chega à consulta, nós fazemos a avaliação não só da obesidade, mas também das restantes comorbilidades que estão já presentes. Portanto, o rastreio de complicações é importante, mas, quando já há complicações presentes, o controle das mesmas também o é, e só com acompanhamento é que isso é possível.
A questão do pós-parto também é importante quando se fala de obesidade. Em que é que as hormonas relacionadas com o pós-parto influenciam nesta doença?
O período pós-parto é de uma grande avalanche hormonal. A mulher acaba por sofrer uma série de alterações durante a gravidez, e no período pós-parto há uma queda abrupta de várias hormonas e o aumento de outras, que são responsáveis pelo aleitamento materno, por exemplo. Além disso, a mulher assume um novo papel, e esse papel muitas vezes leva a que ela se dedique de uma forma exclusiva ao bebê, e é importante recuperarmos a visão da mulher neste período e dedicarmos também algum tempo a ela.
É também fundamental insistirmos no controle do ganho de peso durante a gravidez, porque sabemos que mulheres que ganham mais peso ao longo da gravidez, para além das complicações que podem surgir, como a diabetes gestacional e a hipertensão da gravidez, podem também ter mais dificuldade na perda do peso que foi ganhando ao longo desse tempo. É relevante nós insistirmos nesta questão do controle do ganho de peso ao longo da gravidez e na importância também do exercício físico ao longo da gravidez e no período pós-parto, para que a mulher retome os hábitos de alimentação saudável e de atividade física estruturada para que realmente recupere também a sua autoestima.
Mais tarde na vida das mulheres, na menopausa, a obesidade também pode ser assunto. Quais são os motivos que fazem com que este excesso de peso apareça numa fase mais tardia da vida?
Nós sabemos que a menopausa associa-se sobretudo a alterações da composição corporal da mulher. Portanto, muitas vezes não se prende até muito com o peso, mas prende-se com a adiposidade corporal, ou seja, com um acúmulo de gordura mais na região abdominal, uma perda também de massa magra e a diminuição do componente muscular. Muitas vezes o que acontece é que a privação de hormonas relacionadas com a menopausa vai condicionar estas alterações da composição corporal da mulher, e nós devemos acompanhar estas mulheres de forma individualizada, promovendo estratégias que modifiquem este fator.
Como é que a obesidade pode impactar uma mulher que está a entrar na menopausa?
Para além da imagem corporal, falamos também das alterações na saúde. A mulher, quando entra na menopausa, fica associada a um maior risco do ponto de vista cardiovascular, e esta alteração da adiposidade corporal vai aparecer aqui como um fator adicional para este risco. A mulher vai ficar em situações de maior risco para complicações cardiovasculares, maior risco de um colesterol elevado, maior risco também de eventos cardíacos e eventos vasculares cerebrais e, portanto, daí a importância de nós oferecermos estratégias a estas mulheres.