O sonho da gravidez, para muitos, é quase uma missão impossível. Os casais ficam com as emoções à flor da pele e esperam ansiosamente que o teste de gravidez dê positivo. Ansiedade, medo, culpa e stresse. Estes sintomas são quase universais quando se fala no processo de engravidar, mesmo quando não há um diagnóstico de infertilidade. 

Neste Dia Mundial da Saúde Mental, 10 de outubro, a MAGG falou com uma psicóloga para perceber de que forma é que a infertilidade e os tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA) impactam a saúde mental das pessoas a que a eles recorrem. 

Por norma, acreditamos que a probabilidade de engravidar é grande e que é algo muito fácil. Criamos, desta forma, expectativas que acabam por sair ao lado. “Quando os casais estão a tentar engravidar e não conseguem, instala-se logo a ansiedade e o stresse. Isto porque as pessoas têm expectativas de que é muito fácil engravidar. A verdade é que não é fácil, nós é que fomos criados com muita informação acerca da prevenção da gravidez como se fosse algo mesmo muito simples e provável. Na verdade, somos uma espécie muito pouco fértil quando comparada com outras espécies de animais”, explica Ana Pereira, psicóloga clínica da AVA Clinic, à MAGG.

Psicóloga Ana Pereira
Psicóloga Ana Pereira Ana Pereira, psicóloga clínica da AVA Clinic

Na espera pelo teste positivo , "é importante saber gerir as expectativas"

Sabia que a probabilidade de engravidar em cada ciclo menstrual, na fase mais fértil da sua vida (até aos 25 anos), é de apenas 25%? Com a fertilização in vitro, a probabilidade de ocorrer uma gravidez quase que duplica, ainda assim, não chega perto dos 100% de probabilidade.

Este sonho de ser mãe, quer seja numa relação heterossexual, numa relação entre duas mulheres ou em mães a solo, nem sempre é fácil. "É importante saber gerir as expectativas", tal como explica a psicóloga, e manter os pés bem assentes na terra para que a saúde mental não seja tão afetada (porque, na realidade, acaba por ser sempre afetada de alguma forma). 

O sentimento de culpa é o mais predominante. Será que a culpa é minha? Devia ter tentado engravidar mais cedo? Foi da pílula? "As mulheres acabam por ser as mais afetadas ao longo de todo o processo", diz Ana Pereira. A não ser que o homem seja infértil, por norma, as mulheres tendem a comparar-se mais e a sentir o peso da culpa. 

Também a própria dinâmica do casal sofre alterações. "O casal começa a ter relações sexuais quase só para engravidar e não pelo prazer. Nunca conseguem ter relações sexuais sem pensar na gravidez", explica a especialista. As mulheres tendem a sentir-se mais sobrecarregadas e os homens, por outro lado, nem sempre sabem como prestar o apoio necessário à companheira.

Mas, atenção, há estratégias para evitar o colapso. 

Os tratamentos não são uma garantia de gravidez

O diagnóstico, por um lado, traz algum alívio ao casal que, finalmente, percebe a causa da dificuldade em engravidar e pode, efetivamente, começar a resolver o problema. Por outro lado, traz tristeza, medos e angústia. 

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“A infertilidade é considerada uma crise. As pessoas, façam o que fizerem, não podem controlar nem garantir o sucesso dos tratamentos. É esta falta de controlo que causa ainda mais stresse e ansiedade”, refere a psicóloga. 

Os pensamentos intrusivos tomam lugar e as inseguranças tornam-se quase certezas. O casal não sabe quando, e se vai conseguir engravidar. A saúde mental, que já era diretamente afetada antes de sequer existir um diagnóstico, torna-se ainda mais frágil depois de o ter. 

Muitas das vezes, o que afeta mais os casais é quando estes se deparam com a realidade: os tratamentos não são uma garantia de que vão conseguir engravidar. Isto pode não levar a que exista efetivamente uma depressão clínica, mas há um quadro mais depressivo. 

O corpo da mulher é o centro de tudo: os tratamentos, as ecografias, as alterações hormonais... Tudo é afetado. Se o parceiro não for capaz de dar o apoio que ela precisa, de estar lá em todos os momentos, fazendo-se presente, tudo se torna mais difícil”, explicou Ana Pereira. 

“O autocuidado é muito importante durante toda a vida, mas é ainda mais necessário neste processo, nesta fase. É uma situação em que se fica mais frágil”, explica a psicóloga, que enumera atividades como exercício físico, meditação e sair de casa para conviver com outras pessoas como "estratégias essenciais para enfrentar as dificuldades" que possam prejudicar a nossa saúde mental. 

O casal isola-se como forma de proteção. Existe um sentimento predominante de vergonha porque as mulheres pensam: ‘Porque é que todas as minhas amigas conseguem engravidar e eu não?’. Sentem-se incompreendidas e tendem a não partilhar os seus sentimentos, acrescenta a psicóloga. 

“Uma das estratégias a adotar para se conseguirem proteger é evitar, por exemplo, ir a babyshowers e festas de aniversário de crianças. Até podem ir, mas apenas levam a prenda e vão-se embora”, aconselha Ana Pereira. Esta é uma estratégia legitima para quem está a passar por este processo tão complicado, alerta.