Sentados nas pequenas cadeiras, soa o toque da taça. É um som que se perpetua, que demora a desaparecer. De fardas iguais, um metro e ainda poucos centímetros de altura, é hora de fecharem os olhos. Uns deitam a cabeça na mesa e enroscam-se nos braços, outros cerram as pálpebras e alguns deixam-nas semi-abertas. Excepto um ou outro miúdo que acha graça ao cenário, todos se entregam à voz de Diogo Meneses, formado em psicologia educacional e um dos membros da equipa do Pequeno Buda, o projeto que introduz curtas sessões de meditação nas salas de aula das escolas que contratam este serviço.
A turma era o quarto ano B do colégio PaRK International School, no Restelo, em Lisboa. Foi a primeira a implementar o projeto, há quatro anos, e não pensa em deixar de tê-lo por lá. Os miúdos desta sala já estão habituados ao quiet time, nome que se dá a estas pequenas sessões, de cerca de dez minutos, porque os acompanham desde que entraram para o primeiro ciclo.
A equipa do Pequeno Buda — que vai estar presente no Wanderlust 108, para cuidar e guiar os miúdos que passarem pelo triatlo de mindfulness, marcado para 30 de setembro — é formada por sete pessoas. Tomás Mello Breyner, que também já lançou um livro com o mesmo nome, foi quem fundou o projeto, depois de uma viagem à Índia. Estava numa aldeia remota, prestes a entrar num retiro de silêncio, quando reparou que, numa escola, todos os alunos começavam o dia reunidos num ginásio a meditar. “Eram para aí umas 200 crianças. Havia uma pessoa a guiá-las”, conta à MAGG.
A sua relação com a meditação não começou pelos melhores motivos e está na origem da doença que lhe foi diagnosticada em 2010. "Tenho síndrome de Ménière, uma doença complexa a nível interno do ouvido", diz. "Afetou muito a minha vida. Deixamos de ouvir, ouvimos um zumbido constante no ouvido, perdemos o equilíbrio e surgem muitas tonturas", conta. Os últimos sintomas já desapareceram, mas os primeiros mantêm-se. "Só não oiço o zumbido quando estou a dormir." A meditação foi a melhor ferramenta que encontrou para aprender a lidar com isto. "Ajuda na parte mental, a abstrair-me do som, a não dar importância ao facto de não ouvir. Ajudou-me a aceitar e a estar tranquilo."
Para os mais pequenos os exercícios são mais de relaxamento, as sessões são mais guiadas, mais de imaginação e de storytelling. À medida que vão crescendo, vão tendo a capacidade para estarem mais tempo em silêncio e já conseguem fazer a meditação da contagem"
Por cá o esquema é diferente daquele que Tomás observou na Índia. As sessões fazem-se em cada sala de aula. A equipa do Pequeno Buda visita a escola quatro a cinco vezes por ano, incluindo no inicio do período letivo. Dá formação aos professores para que se tornem autónomos, introduzem novos exercícios no decorrer da época escolar, e guiam o quiet time de arranque. Conversam com os miúdos para, no caso dos estreantes, lhes explicarem a importância daquela ação e, no caso dos que já a praticam, ouvirem o feedback. O projeto, explica-nos o mentor, está dividido por três partes: formação aos educadores, iniciação e acompanhamento.
“Já alguém guiou o quiet time?”, pergunta Diogo na sessão de iniciação a que fomos assistir do quarto ano. “Sim”, respondem. A dada altura são as próprias crianças que guiam aqueles dez minutos.
Cheirar a flor e soprar a vela
“Isto é que é energia”, diz Diogo à professora Sílvia Valério. A turma agora é do primeiro ano e o ambiente é bastante diferente do da sala anterior. Há mais rapazes, são mais pequenos e estão mais agitados. O facto de terem voltado do recreio não ajuda e é agravado pela própria sala, colada ao campo onde há sempre miúdos a brincarem. É impossível não ouvir o barulho.
Apesar de se tratar da primeira visita do Pequeno Buda a esta escola no período letivo 2018/19 e àquela turma acabada de sair da pré-primária, as sessões de meditação começaram assim que as aulas tiveram início, porque Sílvia Valério já conhecia a prática, reconhecendo as suas vantagens. Tinha estado com uma turma do primeiro ao quarto ano e, no decorrer deste tempo, fez uso do quiet time. Com esta não ia ser diferente. “Passam a calma para todas as atividades, tanto no desporto como nas várias disciplinas”, diz a professora. “Idealmente devemos fazer todos os dias, mas às vezes não há tempo.”
Idades diferentes têm desafios diferentes e, por isso, exigem técnicas específicas. “No terceiro ano, que é o mais difícil, sentia que não podia usar sempre a mesma estratégia. No primeiro período fazia logo de manhã. No segundo tive de passar para depois do almoço, porque mantinha mais a concentração. No terceiro período, passámos para depois do recreio da manhã", conta Sílvia Valério.
Ao contrário do quarto ano, em que Diogo usou um exercício com contagens, no primeiro, tudo começou com uma vela e com uma grande e colorida flor de peluche. O objetivo seria o de ensiná-los a respirar. “Imaginem que têm uma flor e uma vela. Segurem a flor com uma mão e a vela com a outra. Agora, vão cheirar a flor muito devagarinho e soprar a vela calmamente, para não apagar a chama”, dizia. “Agora, de olhos fechados.”
Neste momento a sala é invadida pelo silêncio. As vozes deixam de se sobrepor e apenas se escuta a respiração. Estão todos a tentar. O passo seguinte é inspirar, trazendo o ar pelo sítio certo. “Puxem lá o ar para dentro. Reparei que todos puxam pelo peito. Na meditação respiramos pela barriga. É a respiração natural, como fazem os animais e os bebés.”
Todos colocam as mãos na barriga. “Quando respiramos para dentro, fazemos a barriga encher, como se fosse um balão. Experimentem, muito devagarinho. Outra vez. Enchemos o balão, esvaziamos o balão.” O último passo é juntar tudo: “Imaginem a flor, a vela e respirem pela barriga. A partir de agora vão usar sempre esta respiração no quiet time.”
Segundo Tomás, “para os mais pequenos os exercícios são mais de relaxamento, as sessões são mais guiadas, mais de imaginação e de storytelling. À medida que vão crescendo, vão tendo a capacidade para estarem mais tempo em silêncio e já conseguem fazer a meditação da contagem."
Há vantagens ao nível da mente e da concentração e ao nível do coração, porque aumenta os níveis de compaixão das crianças, que se tornam mais calmas, mais amigas e mais tolerantes.”
Quanto mais crescidos, maior é a aposta nos exercícios de foco e de concentração. Mas, quer numa turma, quer na outra, houve um assunto que cativou de igual forma os miúdos. “Já viram os atletas a fazerem a meditação? Digam-me lá alguns nomes”, pergunta Diogo. “Posso dizer ao calhas? O Cristiano Ronaldo”, responde, entusiasmada uma criança. Apesar de ter sido sem certezas, acertou. “Se ele ficar nervoso, ele chuta mal a bola”, lembra o membro do Pequeno Buda. “Nos testes, por exemplo, a meditação ajuda a concentrar, a estar menos nervoso e a perceber melhor as coisas”, acrescenta.
Com respostas mais e menos elaboradas, todas as crianças sabiam o propósito da meditação. “Respirar fundo e acalmar”, diz um dos miúdos do primeiro ano.
Tomás Mello Breyner vê as vantagens desta prática em dois campos diferentes. “Ao nível da mente e da concentração e ao nível do coração, porque aumenta a compaixão das crianças, que se tornam mais calmas, mais amigas e mais tolerantes.” De acordo com o fundador do projeto, esta é uma “ferramenta que [as crianças] nunca mais vão esquecer”. É “poderosa”, é “positiva e aplicável a muitas situações".
Sobre a construção dos exercícios que leva às salas de aulas, Tomás conta que são fruto de “muitos anos de pesquisa e de trabalho”. Começou com apenas cinco ou seis tipos. Com o tempo, somaram-se muitos outros.
“Temos grupos de trabalho no Facebook em que as pessoas podem aderir e onde existe muita partilha. São feitos de pessoas que frequentam as nossas formações e por onde partilhamos sempre estudos, artigos, exercícios novos.”
Apesar de ter nascido em 2015, o Pequeno Buda já está em mais de 20 escolas, de norte a sul do País. São sobretudo colégios privados ou externatos mas está-se a trabalhar no sentido de se levar o projeto para as escolas públicas.