Joana Jesus, de 31 anos, vivia em Londres, no Reino Unido, quando descobriu que estava grávida. A viver a sua primeira gravidez, tudo era novo para a customer success manager que admite não ser uma pessoa de ideias fixas e ter uma mente aberta para tudo o que envolvesse o processo da gestação e do nascimento de Bernardo.

“Tenho grandes amigas que tiveram partos em casa mas confesso que, antes de engravidar, até achava que era um bocadinho coisa de hippies”, conta Joana à MAGG, acrescentando que, apesar do descrédito inicial, a ideia de dar à luz em casa começou a ganhar mais sentido à medida que a gravidez avançava.

A viver no Reino Unido, onde a prática dos partos em casa é muito mais comum do que em Portugal e onde existe uma influência positiva para este tipo de nascimentos (sendo os custos dos mesmos suportados pelo sistema nacional de saúde britânico), Joana conheceu uma parteira, fez muita pesquisa, leu vários livros e percebeu que esta era uma realidade muito diferente daquilo que pensava inicialmente.

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“Apercebi-me que a minha linha de pensamento estava muito a par com o que as pessoas escreviam sobre o parto em casa, o parto humanizado [qualquer tipo de parto em que a mulher e o bebé sejam priorizados]. Deixei a ideia de ser um processo perigoso de lado ao aperceber-me que estaria sempre acompanhada por uma equipa de parteiros a zelar pela minha segurança e a do meu filho, e comecei a pensar nesta alternativa como o melhor dos dois mundos, ter o apoio profissional no ambiente confortável da minha casa”, explica Joana.

Como é um parto domiciliar?

António Ferreira, enfermeiro obstetra, começou a realizar partos em casa há 16 anos, em 2002. Para o especialista, que também faz partos num contexto hospitalar, dar à luz no conforto do lar tem todos os benefícios para a grávida.

“Genericamente, a mulher enquadra-se no seu ambiente. Está rodeada de pessoas que reconhece como suas, confortável e ainda num contexto microbiológico a que está habituada, passando essas defesas para a criança”, explica à MAGG.

Sem recurso a epidural ou outros medicamentos, o parteiro ou parteira deve oferecer uma assistência de uma maneira não medicamentosa,  “respeitando a mulher no seu todo, sendo que o corpo feminino é uma máquina perfeita para parir uma criança”.

Não conheço o parto hospitalar mas tenho ideia que é esperado que cuidem de ti e te ajudem. No parto em casa eu estava entregue a mim mesma."

Foi também devido a querer tirar o máximo proveito da experiência do parto que Joana Jesus, já de regresso a Portugal, acabou por escolher ter Bernardo em casa.

Ao contrário do que sucede no Reino Unido, os custos dos partos domiciliares em Portugal não são suportados pelo Sistema Nacional de Saúde.

Joana Jesus, que suportou todos os custos de forma particular, gastou cerca de 2.000€. “Falando de uma forma aproximada, foi esse o valor. Incluiu a equipa de parteiros e a minha doula, que nos acompanharam ainda durante a gravidez, e o aluguer da piscina”, conta à MAGG.

“Acho que esta é uma experiência que traz à mulher um sentido maior de responsabilidade. Não conheço o parto hospitalar mas tenho ideia que é esperado que cuidem de ti e te ajudem. No parto em casa eu estava entregue a mim mesma. Claro que tinha uma equipa profissional de parteiros comigo, mas senti-me com controle do meu corpo, a dar o máximo. Senti que foi um processo muito meu.”

Depois de um trabalho de parto ativo de cinco horas, em que Joana esteve numa piscina durante cerca de duas horas, onde a água a ajudou a relaxar plenamente entre as contrações, Bernardo acabou por nascer já fora de água, na cama do casal.

Mas Joana explica que “o plano inicial era que nascesse na piscina. Acabei por sair porque o processo foi demorado, a água já estava fria e tanto eu como o meu marido, que estava dentro da piscina comigo, já estávamos desconfortáveis. E não havia tempo para a encher novamente com água quente”.

Depois de ter passado pela experiência de dar à luz em casa, Joana afirma que este acontecimento a fez repensar sobre o papel da mulher durante o parto.

“Acho que se tivesse decidido ter o meu filho no hospital, este não teria sido um processo tão gratificante como foi. Tomei conta de mim, confiei em mim mesma, descobri os meus fortes e as minhas fraquezas. Tive um parto ativo e estive consciente o tempo todo.”

Quando o hospital é apenas o Plano B

Bernardo nasceu saudável, Joana recuperou bem e, numa próxima gravidez, considera repetir o processo, embora também esteja atenta à possibilidade de ter um parto na água em ambiente hospitalar. “O plano B era o hospital. Fizemos a visita às instalações, estudámos o caminho, considerando a hora de ponta. Foi importante porque para ter um parto em casa o mais importante é a segurança e, caso nalgum momento não estivessem reunidas todas as condições de segurança, estava preparada para me dirigir para o hospital”.

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António Ferreira, que assume que a partir de 2008 sentiu um aumento dos partos domiciliares urbanos, explica que existem dois princípios de que não abdica: a segurança e o respeito.

“Qualquer mulher com uma gravidez de baixo risco, dita normal, pode ter um parto em casa. Toda a vigilância durante o parto é feita de uma forma profissional, não intervencionando nem medicamentando. É claro que se existir necessidade, transferimos rapidamente a mãe para um hospital mas posso-lhe dizer que, de todas as vezes que levei uma grávida para o hospital, nunca nem ela nem o bebé estiveram em perigo. Tratavam-se de casos em que o bebé estava numa posição difícil ou cujas dimensões não permitiam que o recém-nascido passasse pela bacia da mulher”, esclarece o enfermeiro.

Os riscos dos partos domiciliares

Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2015 existiram 705 partos em casa em Portugal, em que cinco dos recém-nascidos morreram, em oposição a 83.604 num contexto hospitalar.

Embora também existam mortes de recém-nascidos em partos hospitalares (111 em 2015, para mais de 83 mil partos), há casos em que as mortes dos bebés podiam ter sido evitadas caso o parto tivesse decorrido num ambiente mais controlado.

Foi o que aconteceu a Alice, uma recém-nascida vítima de uma malformação cardíaca que, devido às complicações de um parto em casa e sem ter sido levada para o hospital a tempo, não foi sujeita a uma operação que lhe podia ter salvo a vida.

No decorrer deste caso, passado em 2012, a enfermeira Ana Ramos, contratada pelo casal Alexandra e André para fazer o parto da filha em casa, acabou por ser condenada a dois anos e quatro meses de prisão efetiva pelo Tribunal de Sintra por homicídio por negligência e expulsa da Ordem dos Enfermeiros.

A profissional de saúde chegou a casa do casal, em Queluz, cerca de duas horas depois de a bebé já ter nascido (foi provado em tribunal que estava a acompanhar outro parto no Algarve), sendo que esta apresentava uma cor acinzentada — no julgamento, a juíza chegou a afirmar que a cor de Alice era de tal forma flagrante que qualquer cidadão comum se aperceberia de que esta não estaria bem.

No entanto, foi apenas depois de oito horas após a bebé nascer que a enfermeira realizou um teste de estímulo no pé de Alice e, ao não ver resposta, ordenou aos pais que chamassem o INEM. Mas quando a recém-nascida chegou ao hospital, já não havia nada a fazer.

Não foi a primeira vez que esta enfermeira tinha ultrapassado dificuldades nos partos domiciliares. Em 2009, num caso mediático, a apresentadora e atriz Adelaide de Sousa partilhou detalhes do parto em casa que estava a ser acompanhado pela mesma profissional. Após complicações, o filho de Adelaide viria a nascer no hospital, por cesariana, depois de 30 horas de trabalho de parto.

Em declarações ao "Jornal de Notícias", a apresentadora e atriz afirmou: "Felizmente, no meu caso, teve um final feliz, mas o da Alice, quase três anos depois, não. E é esse caso que nos está atravessado. Quem me dera a mim que, depois do meu caso, a Ana tivesse mudado as suas atitudes e técnicas e talvez evitado a morte da Alice”.

Hospital, o único meio que garante a segurança

Apesar do aumento da procura de partos domiciliares no contexto urbano, Luís Graça, presidente da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal (SPOMMF), considera que este ainda é um fenómeno “meramente marginal”, assumindo uma posição contrária aos partos fora do hospital.

Mesmo as gestações de baixo risco não garantem que não surja nenhuma ocorrência inesperada. O hospital é único meio que pode tratar devidamente uma emergência"

“A minha opinião, bem como a posição da SPOMMF, é obviamente contra qualquer parto fora do meio hospitalar, o único meio que garante a segurança quer da mãe quer do bebé, no parto e no pós-parto”, afirma Luís Graça. "Mesmo as gestações de baixo risco não garantem que não surja nenhuma ocorrência inesperada. O hospital é único meio que pode tratar devidamente uma emergência”.

Luís Graça vai mais longe e acrescenta que, para além dos partos em casa, o recurso à água, neste caso a um parto dentro de uma piscina, também acarreta vários perigos.

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“Se um parto no domicílio é uma asneira, um parto a decorrer numa banheira com água é uma asneira ainda maior”, afirma o presidente da SPOMMF, que explica que a água é um meio contaminado e que não está demonstrado que tenha qualquer benefício para uma melhor evolução do trabalho de parto.

“Com a quantidade de sangue e outras excreções resultantes deste processo que ficam na água, se a expulsão decorrer dentro da piscina, o bebé vai nascer num meio infetado”, salienta Luís Graça.

E depois do parto?

António Ferreira conta que, após o nascimento, faz uma observação ao comportamento do recém-nascido, bem como um acompanhamento da mãe.

“Para além de ter apetrechos comigo para realizar uma reanimação neo-natal, também possuo competências cirúrgicas para estancar uma hemorragia ou para tratar da ferida da mãe como consequência do nascimento (caso haja necessidade de uma intervenção perineal ou vaginal). Em relação à criança, faço uma avaliação contínua do bebé: ausculto, observo as respostas do ponto de vista cardíaco e respiratório e a sua resposta ao novo ambiente”, esclarece o enfermeiro.

Formador internacional pela Unicef para o aleitamento materno, António também verifica se está tudo bem com o início do processo de amamentação, acompanha este momento e só aí dá por terminada a sua intervenção.

Num meio hospitalar, os recém-nascidos são submetidos a vários testes por parte de pediatras pouco depois de nascerem (para verificar audição e outros índices, por exemplo), bem como é habitual levarem a primeira vacina, nesta caso a primeira dose da vacina contra a Hepatite B.

Num parto domiciliar, António Ferreira faz uma avaliação contínua mas não se sente à vontade para falar sobre vacinas pois estão fora das suas competências. No entanto, alerta os “pais para se dirigirem posteriormente a um centro de saúde para a vacinação”.

Joana Jesus ainda não decidiu a sua posição quanto à vacinação de Bernardo, que tem uma semana de vida: “Ainda não levou nenhuma vacina, vou ler e investigar as que fazem sentido, para tomar uma decisão informada, também tendo em conta o contexto social em que o Bernardo vai estar incluido”.