Depois de as últimas semanas terem sido marcadas pelas opiniões diversas sobre a vacinação dos jovens entre os 12 e os 15 anos, esta terça-feira, 10 de agosto, a Direção-Geral da Saúde (DGS) recomendou a vacinação de todos os adolescentes desta faixa etária.

Para Alberto Caldas Afonso, coordenador da Unidade de Pediatria do Hospital Lusíadas Porto e professor catedrático de Pediatria na Universidade do Porto, esta é uma decisão que já devia ter sido anunciada há dez dias.

"No dia 30 de julho, quando foi o primeiro posicionamento da DGS sobre este assunto, tive a oportunidade de dizer que não percebia o que na altura tinha sido decidido", afirmou o pediatra em entrevista à MAGG. "As evidências científicas que existiam nessa altura são as que existem hoje e eram suficientemente válidas e robustas para que a decisão fosse a que foi anunciada esta terça-feira. Perderam-se dez dias, esta decisão foi a mais acertada tal como já tinha defendido", continua.

DGS já decidiu e recomenda "vacinação de todos os adolescentes de 12 a 15 anos de idade"
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A 30 de julho a DGS decidiu que apenas as crianças dos 12 aos 15 anos com comorbilidades deviam ser vacinadas contra a COVID-19. Mais tarde, a 3 de agosto, foi então atualizado o documento que definia que os jovens com estas idades que fossem transplantados, apresentassem doenças neurológicas e cardiovasculares, perturbações de desenvolvimento, cancros ativos, diabetes e obesidade, entre outras patologias, podiam e deviam ser vacinados prioritariamente, mas todos os outros ficavam de fora nesta fase.

Esta foi, na altura, uma decisão que dividiu opiniões e que levou uma vez mais o Presidente da República a mostrar o seu descontentamento. Marcelo Rebelo de Sousa demostrou sempre não perceber a decisão tomada pela DGS e num comunicado ao País disse: "Estou muito esperançado que seja rápida a vacinação dos que estão entre os 16 e os 17 anos, e que seja possível ulteriormente chegar-se àquilo que ainda não é para agora, mas que espero que venha a acontecer no futuro, nas idades entre os 12 e os 15 anos. Já acontece na Madeira, mas espero que venha a acontecer nos Açores e no continente".

Pediatra alerta que a não vacinação dos jovens põe em causa o bem coletivo

À MAGG, Caldas Afonso realça que não há dúvidas da importância de vacinar todas as faixas etárias. "As razões são várias. A primeira, de maneira mais geral, é a de que nós só conseguimos conter a pandemia se conseguirmos obter a imunidade de grupo." Segundo o pediatra, é isso que nos vai permitir sair de toda a situação na qual vivemos há um ano e meio e tentar retomar a vida normal.

"A faixa etária que vai dos 12 aos 15 anos, que representa cerca de meio milhão de adolescentes, é fundamental para atingir a imunidade grupal. Sem vacinar os jovens púnhamos em causa o bem coletivo de todos."

Caldas Afonso
Alberto Caldas Afonso é coordenador da Unidade de Pediatria do Hospital Lusíadas Porto e professor catedrático de pediatria da Universidade do Porto créditos: Facebook

Para o Caldas Afonso, é difícil perceber a decisão tomada inicialmente pela DGS uma vez que a comunidade científica já tinha dado parecer positivo (e tanto nos Estados Unidos como na maioria dos países da Europa os jovens desta faixa etária já estavam a ser vacinados). Além da imunidade de grupo que não se iria conseguir atingir sem a vacinação dos mais novos, o especialista alerta que se corria ainda o risco de "permitir que o vírus circulasse dentro deste grupo, o que podia levar a mutações para a quais nós não sabíamos o risco de não conseguir controlar".

Apesar de a sintomatologia em idade pediátrica ser maioritariamente baixa, o especialista alerta para "aquilo a que se chama a COVID-19 tardia". "Foi descrita precisamente por volta dos 12 anos e que é uma forma de doença de cerca de quatro semanas após a COVID-19 e, essa sim, com grande atingimento clínico para esta faixa etária. Estamos a falar de uma prevalência de 4 a 5% nas crianças infetadas."

Vacinação até ao início do ano letivo é essencial: "Não podemos continuar a permitir que as nossas crianças voltem para casa"

Além de todos os aspetos mencionados anteriormente, Caldas Afonso não deixa de frisar que uma das grandes razões para vacinar as crianças e jovens, "da qual poucas pessoas falam", é acabar com os efeitos indiretos que a pandemia teve nestas faixas etárias.

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"Esta geração vai já passar para o segundo ano com o processo educativo e pedagógico perfeitamente alterado. Nós não podemos continuar a permitir que as nossas crianças voltem para casa", enfatiza. "O que estava a acontecer é que havia uma criança infetada na escola e, mesmo sem sintomas, iam todos para casa fazer a quarentena. Nós não podemos prejudicar mais um ano letivo sob pena de ser mais um ano perdido — além de todos os outros efeitos que nunca tivemos de natureza emocional, depressivos que estava a afetar as crianças".

Segundo o pediatra, é essencial que a vacinação dos mais jovens esteja completa até ao início do ano letivo. "Estes dez dias foram um tempo precioso que se podia ter aproveitado, a não ser que não houvesse vacinas, essa é outra questão. Havendo vacinas, cada dia que se perde faz mossa."

Apesar de esta terça-feira, 10, ter sido tomada a decisão de aprovar a vacinação para todos, durante a conferência de imprensa, Graça Freitas alertou que a decisão estava apenas tomada, mas que a vacinação para esta faixa etária não iria começar já. Sabe-se agora, de acordo com a task-force, que a inoculação dos jovens dos 12 aos 15 anos está prevista para os últimos fins de semana de agosto. Também António Costa já se pronunciou sobre o assunto referindo que "tudo está a postos para garantir a administração de duas doses de vacinas até ao início do ano letivo".

Após o anúncio feito ao País pela DGS, o primeiro-ministro recorreu à rede social Twitter para mostrar contentamento. "Congratulo-me que a ciência tenha confirmado ser possível cumprir o nosso dever de garantir proteção universal a todas as crianças maiores de 12 anos", escreveu António Costa esta terça-feira.

"Como anunciei a 21 de julho, no debate sobre o estado da Nação, tudo está a postos para garantir a administração de duas doses de vacinas até ao início do ano letivo. As vacinas foram compradas, a logística aprontada e o calendário definido: jovens entre 12 e 17 anos podem ter vacinação completa até 19 de setembro", lê-se ainda na mesma rede social.

À MAGG, Caldas Afonso diz não duvidar de que este seja o cenário previsto e que seja possível vacinar todos os jovens até ao começo da escola. "Acredito perfeitamente até porque o vice-almirante Gouveia e Melo tem feito um trabalho extraordinário e já tinha dito que estava preparado para fazê-lo."

Caldas Afonso considera que decisão inicial da DGS "veio contribuir para a confusão"

Nos últimos dias, o pediatra tem sido contactado por vários pais que lhe colocam questões sobre a vacinação, mas o conselho que dá a todos é o de que "não tenham medo porque é o melhor que podem ter para os seus filhos".

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"Para não interromperem o processo escolar, para poderem ir visitar os avós. Para manter uma vida saudável e o contacto social que sempre tiveram é fundamente que todo o agregado familiar esteja vacinado. Não há dúvidas nenhumas sobre isso. Só tenho pena de que os meus filhos que têm essa idade não tenham sido vacinados há dez dias", diz em entrevista à MAGG.

De acordo com o pediatra, é "um desígnio nacional" mobilizar todos os portugueses que tenham indicação para a vacina (neste momento a partir dos 12 anos) "para que seja uma vacinação universal, para não haver dúvidas e não criar constrangimentos para os grupos negacionistas que existem". "Isto veio contribuir um bocado para a confusão, sem dúvida", afirma, referindo-se à decisão inicial da DGS de não vacinar todos os jovens destas idade.

Questionado sobre a decisão da DGS de interromper a vacinação dos jovens de 18 anos para dar prioridade aos de 16 e 17 anos, o pediatria refere também que não percebeu. "Não há diferença em termos de benefícios e riscos. Aquilo que é desejável é que as faixas etárias para as quais as agências reguladoras do medicamento aprovaram a vacina sejam todas vacinadas", diz, revelando que no final do ano já deverá começar a ser discutida a vacinação para menores de 12 anos. " [A vacinação] é uma obrigação social coletiva. Nenhum português deve fugir a isso porque se eu ao não me vacinar não me estou a prejudicar só a mim, estou a prejudicar as pessoas que convivem comigo", realça.

"A vacinação é aquilo que na ciência mais contribuiu para o progresso da humanidade. O mundo, como o conhecemos hoje, a longevidade, como a conhecemos hoje, é fruto da descoberta das vacinas e é inquestionável o valor disso. Nós só vamos conseguir passar de um estado de pandemia para um estado endémico com as vacinas, sem elas isso era impossível", remata o profissional de saúde.