"Vão dizer que para isto não valia a pena e que quem fazia isto bem era a Filomena." Foi com uma canção, sempre humorística, que Inês Lopes Gonçalves encerrou esta quinta-feira, 15 de outubro, a emissão da estreia de "5 Para a Meia-Noite" enquanto apresentadora a solo do formato. Na cabeça da grande maioria dos espectadores estava a dúvida sobre se a humorista e ex-jornalista seria capaz de saltar da cadeira de coapresentadora, na qual complementou o registo de Filomena Cautela, para o de anfitriã sem que, durante o processo, o programa perdesse identidade, pujança e relevância.
Os primeiros minutos da estreia foram suficientes para perceber que, apesar de este ter sido um programa relativamente calmo e menos cáustico do que aquilo a que Filomena já nos tinha habituado, o "5 Para a Meia-Noite" está bem entregue nesta nova fase que, apesar de cheirar a mudança, não o aparenta — a começar pelo estúdio que pouco mudou.
E isso, embora possa não parecer, é um ponto positivo. Explicamos exatamente porquê mais à frente.
A MAGG viu a primeira emissão e conta-lhe tudo aquilo que aconteceu, passando pelos momentos interessantes, bons e curiosos até aos outros menos bons que, em boa verdade, foram poucos.
O bom
Mudou tudo, mas na verdade está tudo igual
É quase impossível falar do "5 Para a Meia-Noite" sem pensar em Filomena Cautela, que tinha um registo muito próprio na forma como abordava os convidados, as notícias que marcavam a atualidade, mas também como conduzia a dinâmica do programa em estúdio. A mudança (mais uma) de apresentadora dava início assim a uma nova fase de mudança e, por isso, esperava-se tudo novo — rubricas novas, convidados novos e um estúdio novo.
Bom, as duas primeiras novidades aconteceram mesmo (já lá vamos), mas o estúdio ficou exatamente igual. E não há nada de errado nisso. Será sempre uma questão subjetiva e pessoal, mas a verdade é que, e tal como a própria fez questão de reforçar por diversas vezes após o anúncio da sua saída, o "5" não era o programa de Filomena Cautela — e foi precisamente essa a justificação que a apresentadora deu para a sua saída; para respeitar o legado do formato que já existe desde 2009.
Por isso, fazia todo o sentido que o estúdio não mudasse. E há uma certa humildade em respeitar não só o legado do formato, mas também o da anterior apresentadora, ao não associar estúdios e decorações a rostos e figuras responsáveis pelo programa. O "5" manteve-se igual a si próprio, com uma estética acolhedora, convidativa e subtil para que as atenções recaíssem todas sobre Inês Lopes Gonçalves.
Fazer boa televisão também passa por aí.
Não houve estúdio novo, mas houve Gustavo Santos
A haver um prémio de momentos mais WTF do programa, teríamos de o dar à aparição de Gustavo Santos. Foi tão WTF, que foi boa. No momento em que Inês Lopes Gonçalves se questiona porque é que o estúdio continua igual, eis que surge Gustavo Santos na sua pele de guru e frases feitas para dar o pontapé de partida no programa. "Feliz com o novo estúdio, Inês?", começa por dizer.
"Epá, ó Gustavo, como assim novo? Nada do que aqui está é novo", responde Inês. "Agora percebo porque é que foste afastado do 'Querido Mudei a Casa', é que, de facto, não tens jeitinho nenhum", continua.
Seguem-se os ensinamentos de Gustavo Santos, que surge como meio-guru, meio anfitrião do programa que foi afastado, "Querido Mudei a Casa".
"Isto vai mudar a tua vida, mulher. Tens de aprender uma coisa com o Gu: é que a mudança está dentro de ti. Inês, se tu mudares, o estúdio todo muda contigo. Um sofá é um sofá, as cadeiras são cadeiras, mas tu é que interessas. Encontra-te. O que interessa aqui é o momento, és tu. Vou dizer esta merda pela última vez: Inês, um, dois, três, sê feliz, foda-se", disse antes de abandonar o estúdio.
???
Tão bom.
A contenção de Inês Lopes Gonçalves
Ao contrário do registo mais frenético e cáustico de Filomena Cautela, Inês Lopes Gonçalves pautou pela contenção e pela subtileza sem que isso prejudicasse a sua presença em frente às câmaras — afinal, sempre estivemos habituados a vê-la assim. Houve espaço para improviso (especialmente na conversa com Salvador Martinha, em que a apresentadora não se limitou às perguntas preparadas), mas também para ir misturando humor e sobriedade em momentos mais sérios da emissão, especialmente na conversa com António Costa da Silva, autor do Plano de Recuperação Económica de Portugal.
Sempre que a conversa ficava demasiado séria (como se isso alguma vez pudesse ser um problema), Inês Lopes Gonçalves, fiel àquilo que sempre foi o programa desde o primeiro dia, conseguia arrancar gargalhadas da plateia e do próprio convidado sem que isso parecesse despropositado ou embaraçoso. O ritmo do programa relativamente calmo, é verdade, mas sempre coerente, sóbrio e interessante.
A tarefa mais difícil, a de não desapontar, estava, afinal, ultrapassada.
Os convidados
A comparação pode parecer inusitada — até porque se tratam de meios diferentes — mas não consegui deixar de pensar no podcast "Maluco Beleza", de Rui Unas, à medida que via a estreia da nova temporada de "5 Para a Meia-Noite". Especialmente porque o primeiro sempre teve como objetivo mostrar a pessoa por detrás da figura pública, fosse ela quem fosse, através de conversas despreocupadas, nada preparadas e completamente espontâneas. Um formato que, segundo Rui Unas, seria impensável em televisão.
Embora seja verdade que conversas de quase uma hora não sejam sustentáveis em televisão, também é um facto que não é preciso tanto para mostrar a pessoa por detrás "da máscara", mesmo que isso seja feito num ambiente completamente artificial, com estúdios que na verdade não são salas de estar, ou casas, e repleto de câmaras. Basta saber como ir desconstruindo a máscara, ou a personagem, do convidado. E isso faz-se com empatia e cumplicidade, não necessariamente com conversas de horas.
É que a conversa com António Costa da Silva, autor do Plano de Recuperação Económica de Portugal, foi talvez uma das mais interessantes do programa quando era a que mais estava destinada ao fracasso (leia-se, aborrecer os espectadores).
Através da condução de Inês Lopes Gonçalves, percebemos exatamente de que forma é que o dinheiro do Fundo Europeu vai ser investido em Portugal, mas também quem é a pessoa responsável por criar este plano, qual a sua visão da economia portuguesa, quais as suas linhas vermelhas para questões políticas e sociais (a crítica ao racismo e o repúdio a André Ventura foram dois dos pontos altos da conversa), mas também quem é António Costa da Silva fora da vida pública.
Sabemos, depois de ver o programa, que é um homem que se divide entre o seu benfiquismo irracional (a única área em que se permite ser assim) e o gosto pela poesia. Houve um misto de intimidade e brincadeira — como quando Inês Lopes Gonçalves lhe pediu para exemplificar, com ovos dourados, para onde iria o dinheiro do Fundo Europeu — numa conversa que tinha tudo para passar ao lado de muita gente, especialmente na estreia. Mas correu bem. Foi informativa, divertida, relevante e íntima. Não sabemos se a ideia será para se manter, mas esperemos que sim.
Os restantes convidados foram Samuel Úria e Salvador Martinha que deram ritmo ao programa, com música e humor.
As novas rubricas
Mas porque tinha de haver alguma mudança no formato, tivemos direito a três novas rubricas. A primeira, conduzida pelo humorista Carlos Pereira, chama-se "Prós e Contras dos Pobres" em que conta com a participação de cidadãos comuns para o debate de questões que têm tanto de inusitado, mas também de relevante. Tem dúvidas? Então, responda lá a esta pergunta: Fazer sexo, com ou sem meias?
Foi a primeira pergunta que o humorista fez a duas pessoas nas ruas de Lisboa e que gerou debates interessantes e pertinentes. "Com preservativo", disse um dos participantes, antes de começar a dissertar sobre as vantagens e desvantagens de usar meias durante relações sexuais. A pergunta seguinte teve como foco a corrupção no País, só que os convidados seguintes confrontaram-se num debate intenso — mas sem dramas — sobre a corrupção dos presidentes do Sport Lisboa e Benfica e do Futebol Clube do Porto.
Foi tonto, divertido e queremos ver mais. Ah, e já não era tempo de termos o Carlos Pereira novamente em destaque na televisão. Porque é que demorou tanto tempo?
A segunda rubrica anunciada foi o "Correio Safadão", em que a produção do programa pediu a várias figuras — como Jel, Wandson Lisboa, Joana Amaral Dias ou Beatriz Gosta — o tipo de mensagens obscenas que recebiam nas redes sociais. Desde imagens impróprias a comentários racistas ("Volta para a tua terra" foi uma das mensagens que o designer gráfico Wandson Lisboa recebeu) houve um bocadinho de tudo.
O conceito não é novo, mas se funciona, porquê mudar? Outra das rubricas novas chama-se "Perguntas Infantis", em que várias crianças fazem perguntas hilariantes aos convidados. Deixamos só um exemplo, para perceber exatamente aquilo com que pode contar: "Como se disfarça o som de um pum?".
O menos bom
As atuações ao vivo
É uma observação pessoal e haverá, certamente, quem continue a gostar de ver músicos a tocar ao vivo em estúdio para encher chouriços. Percebemos o porquê de continuar a ser fazível, afinal, enche o planeamento do programa, mas não há forma de estas atuações não serem aborrecidas.
O Samuel Úria tocou ao vivo e foi fantástico, como sempre é, mas já não há pachorra para momentos musicais em direto. Não tenho mais argumentos do que este: acho aborrecido. Pode não ser suficiente, admito que não seja quando diz respeito a gostos pessoais, mas é o que tenho para oferecer.
Preferia ver outra rubrica ou até ver estendidas as durações das conversas se isso significasse não ver mais atuações. Pronto, está dito.
Alguns dificuldades técnicas
O programa da estreia foi sempre muito competente e agradável de se ver, mas, e porque há sempre coisas a apontar, notámos algumas dificuldades técnicas durante a emissão. Coisas pontuais, como o facto de o monólogo inicial do programa ter transições entre cenas com algum arrastamento pouco habitual; ou o facto de os planos de câmara escolhidos não serem os melhores.
Durante a emissão, também foi comum apanhar Inês Lopes Gonçalves a olhar para a câmara errada, talvez resultante de alguma falha de comunicação da produtora — que se repetiu já na fase final do programa, quando a emissão passou, de repente, para a imagem de uma câmara que a única coisa que estava a filmar era as luzes estúdio, no topo, e não a apresentadora que tinha acabado de se levantar para se despedir dos espectadores com uma canção.
Se foram erros graves? Não, estamos só a ser picuinhas, porque também faz parte. Se também isso pode ser melhorado? Sem dúvida, e certamente que será. Nós estaremos a ver com o mesmo entusiasmo de sempre.