Sentada no chão da casa de banho, Diana (Sara Barradas) tenta respirar fundo à medida que as dores começam a ficar mais fortes. “Não puto, tu não podes nascer aqui na escola”, diz enquanto segura a barriga com as mãos. Era bom que fosse assim tão simples — o bebé vai mesmo nascer. Vêm os gemidos, as frases como “eu não aguento”, as lágrimas e as gotas de suor.
“Já se vê a cabecinha do vosso filho”, diz a auxiliar da escola Marília, interpretada por Maria João Abreu. Pronto, está dita a frase cliché que faz anunciar o nascimento. De repente, e antes mesmo de a câmara focar o rosto do bebé, ouve-se o choro.
Já está cá fora.
Foi assim na quinta temporada de “Morangos com Açúcar”, que estreou na TVI a 17 de setembro de 2007. Diana Almeida (Sara Barradas) e Nuno Dias (Sisley Dias) interpretaram um casal rebelde que lida com uma gravidez na adolescência. Depois de muitas dúvidas, medos e problemas, nasce Nuninho.
Não decoram falas, cumprem instruções ou sequer sabem onde é que está a câmara. Pelo contrário, as suas capacidades artísticas resumem-se a chorar, emitir sons indecifráveis e a abanar as mãos e os pés. São apenas bebés. Estrelas do cinema e televisão, mas apenas bebés.
Num filme, numa série ou numa telenovela, há alturas em que eles são mesmo precisos. Para ajudar os pais que não se importariam de ver o filho na televisão, há várias agências de casting que facilitam o processo. A Plural Casting é uma delas — os educadores podem inscrever as crianças através de um formulário no site, que é depois avaliado pelo departamento de elencos.
A produção também pode entrar “diretamente em contacto com as associações Ajuda de Mãe ou Ajuda de Berço, e ajudar as mães mais necessitadas”, explica à MAGG fonte da Plural Portugal. “Acaba por ser uma forma de responsabilidade social.”
Nem todas as produtoras gostam de recorrer a agências de castings. Para São José Ribeiro, diretora executiva da produtora de cinema, televisão e publicidade Stopline, a contratação de um bebé só faz sentido se for filho de alguém conhecido — seja um amigo ou um familiar distante.
"Contratar um bebé é contratar a mãe do bebé. Nunca contrataria um bebé sem conhecer a mãe, sem perceber a relação dos dois e como é que ela encara o trabalho. Ela tem de ter à vontade, tem de me dar confiança. Não é o bebé que me dá confiança. O bebé pode ser lindo, ter caracóis, ter uma série de características que iam ao encontro do que estávamos à procura. Mas para a produção o que é importante é a mãe do bebé."
O que diz o Código do Trabalho
A contração de bebés no cinema e televisão está regulamentada pela Lei n.º 35/2004 do Código do Trabalho. Como toda a gente sabe, os menores de 16 anos não podem trabalhar. Só há duas exceções: os espetáculos circenses (neste caso têm de ter pelo menos 12 anos e não ter contacto com animais ferozes) e “atividades de natureza cultural, artística ou publicitária”.
Está tudo nos artigos 139.º a 146.º, relativos às atividades permitidas e proibidas. No número um do primeiro artigo, lê-se: “O menor pode ter participação em espectáculos e outras atividades de natureza cultural, artística ou publicitária, designadamente como ator, cantor, dançarino, figurante, músico, modelo ou manequim, incluindo os correspondentes ensaios.”
Portanto, os bebés podem trabalhar — mesmo que tenham poucos dias de vida. Mas há regras no que diz respeito aos seus direitos laborais: diz o Código do Trabalho que os menores de um ano só podem trabalhar uma hora por semana.
"A grande lei de trabalhar com crianças nesta área é o bom senso", explica São José Ribeiro que, entre muitos outros projetos que soma no currículo, foi produtora da emblemática série "Médico de Família" e diretora adjunta de programas da RTP. "Mais do que saber que temos duas quatro ou seis horas para gravar, é importante perceber se dá ou não dá. Sempre fui muito cuidadosa com as crianças, mas também porque tenho de o ser para conseguir boas cenas."
Os bebés-robô, a tecnologia e o fail de "Sniper Americano"
Nos EUA, em vários estados-membros os bebés só podem trabalhar a partir dos 15 dias de vida. Há um limite de permanência no estúdio de duas horas por dia, sendo que dentro desse período o tempo efetivo de gravação não pode exceder os 20 minutos.
Com estas limitações, é natural que algumas produtoras procurem recorrer a outras estratégias. Às vezes é um autêntico falhanço — nunca ninguém irá esquecer o boneco de plástico de "Sniper Americano". O filme de Clint Eastwood foi nomeado para seis categorias dos Óscares de 2015, mas o bebé falso tornou-se viral na Internet. Pelas piores razões, claro.
Felizmente há quem prefira tecnologia mais evoluída. Em conversa com Jimmy Fallon no programa "The Tonight Show", a atriz Mandy Moore, que interpreta Rebecca Pearson na série "This is Us", contou que gravou com um robô a fazer de recém-nascido. O resultado é perfeito. Lembra-se de ter visto algum bebé-máquina nas cenas gravadas no hospital, aquando o nascimento de Randall (Sterling K. Brown), Kate (Chrissy Metz) e Kevin (Justin Hartley)? Pois, nós também não.
Para a atriz, a experiência foi um pouco mais complicada. "Estou a falar com um recém-nascido no hospital e tenho de pôr a minha mão num bebé-robô que está a vibrar e a fazer movimentos estranhos. E eu: 'Não, isto é uma criança real'", riu-se.
[postblock id="98pwh9wu5" 1]
Quando a tecnologia não é uma opção, as produtoras optam por usar gémeos ou bebés muito parecidos. É o clássico que nunca falha. Logo na primeira temporada de "Friends", Ross Geller (David Schwimmer) tem o primeiro filho, Ben, com a então ex-mulher — o casamento falhou porque Carol descobriu que era lésbica. Mais perto do final da série, o eterno (mas sempre complicado) romance com Rachel Green (Jennifer Aniston) introduz na trama mais um bebé, Emma Geller-Green.
Tanto Ben como Emma foram interpretados por atores gémeos. O papel do filho mais velho de Ross ficou com Cole e Dylan Sprouse, que mais tarde fizeram carreira na Disney. Já Noelle e Cali Sheldon foram a bebé Emma. Os rapazes têm hoje 25 anos, as raparigas 12.
Por cá ter um irmão gémeo não é um requisito. Pelo menos é o que nos explica a Plural Portugal: "Não temos necessariamente preferência por gémeos, a não ser que o guião assim o exija. No entanto, temos o cuidado de ter sempre bebés parecidos disponíveis, para o caso de um não poder participar por qualquer motivo."
Os bebés aparecem nos créditos? E quanto é que ganham?
Quando as produtoras pegam num guião, uma das primeiras preocupações que têm é perceber quantos atores e figurantes têm que contratar. Este último campo divide-se em dois: a figuração especial (quando é preciso ter uma pessoa com uma determinada idade ou característica) e a figuração geral (por exemplo, 20 crianças que andam a correr atrás de um dos atores).
"Nas fichas técnicas não meto a figuração, nem especial nem geral", diz São José Ribeiro, diretora executiva da Stopline. "Os bebés não aparecem nos créditos, não por serem bebés, mas porque se inserem na categoria de figurantes."
O bebé é sempre uma figuração especial. E é pago como tal. Os valores variam muito: tudo depende do projeto, de quantas horas terá de gravar, etc.. São José Ribeiro aponta para uma escala entre 50€ a 250€ por dia. Mas os custos para a produção são muito maiores.
Os bebés não aparecem nos créditos, não por serem bebés, mas porque se inserem na categoria de figurantes."
"Às vezes à produção custam mais as condições que têm de ter no estúdio para ter um bebé do que propriamente o cachê. Pode ser necessário ter uma sala especial ou privada para a mãe e para o bebé, transporte de casa para o estúdio e do estúdio para casa."
No caso da Plural Portugal, durante as gravações, os bebés também têm de estar sempre acompanhados por um dos pais. A partir dos sete ou oito anos há uma pessoa da Plural Casting responsável pelo acompanhamento e transporte das crianças. É o denominado crowd.
O que é que os pais têm de fazer para terem bebés estrelas de cinema
Tudo começa com as devidas autorizações. Os pais não são os únicos a ter uma palavra sobre a participação do filho num filme, série ou telenovela — pelo contrário, a entidade promotora do espetáculo ou da atividade têm de pedir a aprovação da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da área da residência habitual do menor.
Há vários pontos que têm de ser descriminados: a indicação do trabalho, claro, mas também o tipo e duração da participação da criança ou bebé (os bebés com menos de um ano só podem trabalhar uma hora por semana); o número de horas de atividade em dias; a identificação da pessoa que vai exercer a vigilância do menor; entre outros.
A decisão da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens deve ser proferida no prazo de 20 dias e tem a duração da atividade do menor. Se a participação da criança for superior a nove meses, é necessário tratar da renovação após esse período de tempo.