Novo ano, novo apresentador. A caminho do 13º aniversário, o "5 Para a Meia-Noite" trocou de anfitrião. Miguel Rocha sucedeu a Inês Lopes Gonçalves, logo no início de janeiro, um acontecimento que, à luz do currículo do humorista e guionista, é óbvia e quase natural.
Isto porque Miguel Rocha, 41 anos, faz parte da história do talk show da RTP. Integrou a equipa fundadora, em 2009 e, ao longo de mais de uma década, foi guionista, repórter, fez sketches. E tudo começou há 20 anos, quando um espetáculo dos Commedia a la Carte lhe despertou o bichinho do improviso. Veio o teatro amador e um espetáculo na Escola superior de Comunicação Social, onde o estudou, que o levaria até aos corredores da RTP. A estreia no pequeno ecrã aconteceu há 17 anos, no programa da RTP2 "A Revolta dos Pastéis de Nata", conduzido por Luís Filipe Borges.
Começou a trabalhar em televisão em 2005. Como é que lá chegou?
Em 2001, 2002, quando os Commedia a la Carte começaram a atuar, comecei a vê-los, levado pelo namorado da minha irmã na altura. Eu nunca tinha feito teatro e gostei muito daquele registo. Comecei a achar que o improviso era uma coisa que gostaria de experimentar. Desafiei dois colegas da faculdade, o Filipe Cardoso e o Hugo Veiga (que, mais tarde, vão comigo para os "Pastéis de Nata"). Os Comedia a la Carte tinham um concurso de improvisação e nós participámos. Fomos passando eliminatória a eliminatória e ganhámos. Depois, a nossa faculdade [Escola Superior de Comunicaçao Social] convidou-nos para fazer um espetáculo lá, num evento. Quando foi para o concurso, supostamente só íamos começar dali a um mês, mas, de repente, ligam-nos a dizer que tinha que ser naquela semana. Eu não queria nada, então eles disseram 'se não estás à vontade, então vamos perguntar ao Pedro Fernandes se ele vem connosco'. Porque o Pedro Fernandes era da nossa faculdade. Eu disse que não, fui, fiz mas quando foi para o espetáculo da faculdade, eu disse 'nós não temos experiência nenhuma!'. Sempre fui muito pessimista.
Eles disseram 'então nós vamos e o Pedro vai connosco'. Por isso é que eu digo que o Pedro Fernandes deve a carreira dele a mim. Ele faz esse espetáculo e, estava lá alguém da RTP2 que gostou e convida-nos para fazer um piloto. Nós os quatro fazemos um piloto para a RTP2, eles gostaram muito e disseram que iam ter um programa novo e que gostavam que nós fizéssemos parte. E é aí que chegamos à "A Revolta dos Pastéis de Nata".
Fazer um programa como "A Revolta dos Pastéis de Nata" foi entrar pela porta grande. Havia, naquele momento específico da televisão portuguesa, liberdade para fazer aquele tipo de formato?
Havia, havia. Até diria que havia mais do que agora. Por tudo e porque era na RTP2, que era um laboratório maior. Aquilo dava para tudo. Se querias fazer e era exequível em termos de produção, 'ok, vamos experimentar'. Não havia ali grandes limites e isso era muito desafiante. Lembro-me de pensar 'será que estamos a aproveitar a oportunidade como deve ser?'. Nós não tínhamos noção dessa oportunidade de liberdade criativa que existia.
Faziam-me coisas que eram, hoje em dia, completamente impensáveis em televisão generalista.
Até mesmo no "5" havia coisas que se fizeram há 10 anos e que, hoje em dia, não se poderiam fazer.
Por exemplo?
Questões que, hoje, o politicamente correto não permitiria, a interpretação de outro tipo de culturas com black face e por aí fora... E quando digo o "5", digo outro tipo de programas, como "Os Contemporâneos", que tinham coisas geniais mas que, hoje em dia, duvido que aquilo fosse aprovado. É uma questão do mundo de hoje ser diferente. Um dos grandes desafios hoje em dia, principalmente no humor, é que não nos podemos deixar limitar por essa questão. Temos é de saber fazê-lo sem pisar o risco.
"Surpreendeu-me muito quando a Inês me disse que ia sair, o que não estava nos planos"
Quando lhe comunicaram que ia suceder a Inês Lopes Gonçalves, como é que reagiu?
A maior surpresa foi quando me perguntaram pela primeira vez, há um ano, quando ela esteve em isolamento profilático e, a duas horas do programa, disseram: 'olha, precisamos de alguém e achamos que não há ninguém que conheça melhor o '5' do que tu. Queres?'. E aí, sim, foi o maior choque. Disse logo que sim sem pensar e, quando desliguei, tive ali duas horas meio de pânico mas, assim que cheguei ao estúdio, aquilo desapareceu. Aí foi uma grande surpresa. Nem sequer eu tinha pensado em experimentar estar ali, porque já estou ali há tanto tempo e achava 'ok, essa experiência sim, mas noutro tipo de programa'.
Depois, a outra surpresa foi ter gostado mais do que estava à espera e, agora, surpreendeu-me muito quando a Inês me disse que ia sair, o que não estava nos planos. E essa notícia é que teve mais impacto. Depois comecei a pensar que, se calhar, podia haver essa hipótese de ser eu. E, passado uma semana ou duas, ligaram-me. Não deixou de ser uma boa notícia mas estava mais ou menos à espera de que pudesse acontecer.
Apesar de fazer parte da máquina do "5 Para a Meia-Noite", é um peso grande arcar com este programa histórico?
É sempre uma responsabilidade. Por estar desde o início, acho que essa pressão se calhar não a sinto tanto porque já é tudo muito familiar. Já passei por vários processos, várias fases, já vivi ali várias coisas. Não sinto o peso do "5", mas sinto o peso da responsabilidade de estar à frente de um programa. Mas que eu acho que seria a mesma se fosse outro formato qualquer. No fundo é fazer um programa mais à minha imagem, ou tentar, porque nem sempre é fácil, e a responsabilidade que aquilo resulte e que tenha algum impacto em quem esteja a ver. Esse peso vem logo com a posição.
Que cunho pessoal tem dado ao "5"? O humor tem tido mais peso.
Onde eu me sinto mais à vontade é no improviso. É tentar levar um pouco disso às conversas, que não estejam tao pensadas e sejam mais fruto da conversa que surge ali no momento. Esse é um desafio para mim e que pode ser uma mais valia na dinâmica que tento dar ao programa. Que haja um pouco mais de risco, de provocação, de não ser uma conversa tão esperada, conseguir ter ali um espicaçar da conversa e levá-la para caminhos menos óbvios. Isso é um desafio para mim e que gostava de conseguir impor. Em termos de peças, gostava de ir buscar uma linguagem mais de sketches, que já não tínhamos há muito tempo. Estamos a tentar gravar algumas peças com alguns convidados. Temos agora os desafios, que as pessoas votam em casa. A ideia era que os convidados participassem mas, agora, ao início, sou eu que estou a dar o corpo ao manifesto.
Eu sinto. quando olho para a televisão - e passaram-se 17 anos desde que eu comecei - que é uma televisão completamente diferente. Eu sinto que há uma necessidade e uma urgência de fazer a ponte entre o que é a televisão e o que é a Internet. E um dos meus objetivos também era conseguir criar essa ligação mais forte.
Até porque o "5" foi pioneiro nesse aspeto.
Exatamente. E eu acho que, nos últimos anos, tem-se perdido um bocado essa sinergia. Gostava de recuperar isso de alguma forma. Andamos a fazer algumas experiências.
"Sempre achei que, quando a Mena entrou, se devia ter criado ali outro programa, com outro nome, e era outro legado"
O que é que o "5 Para a Meia-Noite" tem para ter sobrevivido a tantas mudanças? De canal, de direções de programas, de apresentadores, de periodicidade...
Deve-se muito aos primeiros cinco, seis anos, que criaram uma marca muito forte. E, de repente, é uma marca que tem a sua história, o seu legado, o seu grupo de seguidores e acho que a RTP sentiu que era uma marca que não queria largar. Destas várias vidas, há ali uma altura em que eu sinto que... a última temporada em que o programa foi diário, acho que foi a fase mais tremida do "5". Eu teria terminado ali o "5", se eu fosse eu que mandasse (risos). Tomaram a opção de passar a semanal e, aí, a Mena trouxe outra vida para o programa. Agora, já não é o "5". Sempre achei que, quando a Mena entrou, se devia ter criado ali outro programa, com outro nome, e era outro legado. Mas por outro lado, acho que também funciona porque já são 12 anos.
Para si, e também para a Inês Lopes Gonçalves, não acaba por ser injusto ter esse peso às costas e corresponder às expectativas ? O público ainda tem muito presente a Filomena Cautela no "5 Para a Meia-Noite". Ela teve a responsabilidade da renovação do formato.
Tal como a Mena, ao pegar no programa quando ele passou de diário para semanal, agora quando entrou a Inês ou quando entrei eu, também houvesse aquilo. E era um bocado isso que tentei mas a base do programa é muito estanque. Às vezes há coisas difíceis de mudar. Mas se houvesse uma mudança estrutural ou, se de repente, em vez dos cinco dias, passavam a ser três vezes por semana...ou seja, que houvesse outra coisa que marcasse. Ou seja, o "5" volta com um apresentador novo mas também tem ou uma estrutura diferente, ou uma duração mais curta. Qualquer coisa que marcasse mais essa passagem e não ser exatamente o mesmo programa, só mudou o apresentador. Porque o que faz a mudança é o registo do apresentador, é o que marca mais. Por muitas coisas que queiras fazer, anda ali à volta do mesmo registo.
Há um lado de loucura em quem persiste numa área tão instável como é a televisão, em que se trabalha projeto e a projeto e os contratos são cada vez menos?
Nunca associei isso à loucura. Para mim, sempre foi a perspetiva de liberdade. Felizmente, desde que comecei a trabalhar, sempre tive trabalho, nunca tive fases muito longas parado e permitiu-me saltar sempre de projeto em projeto. Foram poucas as coisas que eu fiz por 'ok, não era bem isto mas agora dava jeito'. Sempre tive a possibilidade de poder escolher os projetos em que me colocava e não estar agarrado àquilo, como estou com o "5". Mesmo durante o "5" sempre fiz outras coisas ao mesmo tempo.
Fiz durante muitos anos o "Portugueses Pelo Mundo". Durante seis anos andei a viajar por todo o lado e continuava a fazer o "5". Fazia conteúdos, as entrevistas e realizava, juntamente com o câmara, porque eramos só dois. Andei muito tempo nesse vai e vem. Nunca era o ano inteiro e sempre gostei desse registo. Era um estilo de vida que sempre me deu algum prazer, saber que não estava preso a esse trabalho.
Como é que se conjuga isso tudo com o facto de ter uma família?
Começou a mudar um bocado por aí. Quando nasceu o meu primeiro filho, há oito anos, ainda fiz uma ou duas temporadas de "Portugueses pelo Mundo". Lembro-me de estar lá e pensar 'isto era fixe era se ele estivesse aqui comigo agora!'. Mas sempre consegui conjugar bem e até agora tem sido completamente pacífico. Até agora nunca tive de optar ou deixar de fazer alguma coisa profissionalmente porque causa deles nem deixei de fazer alguma coisa com eles por uma questão profissional.
Como é que os seus filhos lidam com o facto de o pai aparecer na televisão?
O mais velho nota mais. A Amélia tem 3 anos, ainda não liga muito. Ele gosta! Às vezes puxo por ele para fazer umas coisas e ele alinha, gosta de ver um bocadinho mas também não perde muito tempo. Com estas idades eles não têm bem noção do que é que são estas coisas. Mas sabe o que é que eu faço. Mas não é uma coisa que eu puxe muito. Gosto mais, às vezes quando faço brincadeiras, de o envolver do que estar a falar sobre isso com ele.
Para esta temporada do "5 Para Meia-Noite", quais eram os convidados exequíveis que gostava de ter no sofá?
Isso tem sido uma das principais lutas. Eu já percebia pelos outros apresentadores que era sempre uma grande odisseia fechar convidados. Já passou por lá muita gente, então comecei a identificar aqueles que nunca puseram lá os pés. Andámos a tentar o ex-vice-almirante, o Jorge Jesus. O nosso Marcelo Rebelo de Sousa, já me cruzei com ele e convidei-o pessoalmente. Também me lembrei da Maria João Pires, que eu gosto imenso e, noutro registo, o Chico da Tina. Ele não faz televisão mas como eu gosto de toda a cena dele, gostava de o conseguir levar.