Ana Galvão, Inês Lopes Gonçalves e Joana Marques são, há quatro anos, aquilo que se pode designar como "equipa que ganha não se mexe". Compõem o elenco de "As Três da Manhã", programa das manhãs da Renascença e onde é emitido o podcast mais ouvido em Portugal, "Extremamente Desagradável" (nascido originalmente na Antena 3).

O formato do horário nobre da rádio celebrou esta terça-feira, 4 de fevereiro, seis anos de emissões (Carla Rocha fazia parte do elenco inicial, tendo sido sucedida por Inês Lopes Gonçalves em junho de 2021). Em conversa com a MAGG, à margem do evento de apresentação das novidades das rádios do Grupo Renascença, o trio fala sobre o sucesso de "As Três da Manhã".

A agitação no mercado de transferências da rádio é mesmo prova de que o vídeo não matou a rádio. 

Inês Lopes Gonçalves (ILG)-  Não só não matou, como acho que há-de ter números que provam que o consumo de rádio também se deve ao facto de a divisão ter baixado bastante. Mas está melhor do que nunca.

E transversal a várias gerações. Apesar de vocês estarem numa antena que não é considerada para pessoas mais novas,  há crianças de 8 anos que vos ouvem e pessoas de 80 anos que também vos ouvem. Como é que vocês explicam isto?

Ana Galvão (AG)- Falando do nosso programa, e mesmo que a Renascença tenha optado por agora mudar também muita coisa, o podcast "Extremamente Desagradável" também veio ajudar muitíssimo a isso, porque as pessoas acham todas graça, e sobretudo quanto mais da geração das redes sociais são, mais piada acabam por achar porque conhecem aquelas pessoas e conseguem encontrar o atrativo.

Joana Marques (JM) - A rádio, de uma maneira geral, acompanha muitas pessoas, mais do que a televisão, que vês de uma maneira mais estática. Como acompanha muito o movimento, por exemplo, de ir de casa para a escola ou de casa para o trabalho, acho que é normal que apanhe de famílias inteiras, que é uma coisa que na televisão já um bocadinho mais difícil.

AG - Pois é, é verdade, na televisão tu escolhes, na rádio tu entras no carro e usas o que os teus pais estão a ouvir, e então quando um programa de repente fica assim mais ouvido ou os pais gostam mais, é muito normal os miúdos de repente também terem essas pessoas na cabeça delas.

ILG - Sim, e eu acho que no nosso caso em particular, também há um lado assim muito, um bocado infantil no bom sentido, que eu acho que agrada aos adultos, porque também se reveem nisso e nós fazemos por ser... Nós não fazemos por ser, nós não fazemos é por ser outra coisa, não é? E acho que as pessoas se relacionam com isso, porque são também pais e mães. Depois, as coisas são mais palermas, as crianças também acabam por achar graça, portanto eu acho que há ali sempre um ponto de contato com várias gerações.

Ontem [terça-feira, 4 de fevereiro], celebrámos o aniversário do programa no Auditório da Renascença. nós às vezes não tínhamos muita noção de quem são as pessoas que nos ouvem, o que é que fazem, que idade é que têm, e era impressionante. Nós tivemos pessoas que quiseram tirar fotografias connosco e tínhamos desde uma senhora que fazia 76 anos, como dois miúdos, de 19, 20 anos, que foram os mais novos que apanhámos ali.

AG - E não só. Pessoal que trabalha em laboratórios, crânios e também percebemos que nos ouvem pessoas de todos os setores.

ILG - Ainda ontem uma rapariga que vive em Londres mandou-me uma mensagem, acho que é empregada de limpeza, e diz que nos ouve todos os dias, todos os dias.

JM - Hoje em dia com as redes é muito fácil. Ali pronto, tens a oportunidade de ter ali 100 pessoas à frente, é uma espécie de amostra, mas temos isso todos os dias nas redes, e não só esse lado dos imigrantes, que eu acho que é uma nova imigração e que se liga muito a Portugal através dos podcasts, mas também essa coisa de vermos que são pessoas muito diferentes. Eu acho que esse é sempre o grande objetivo de um programa que quer ter sucesso, quer ser o mais ouvido possível, quanto mais idades e mais profissões e mais áreas apanhar, melhor. Acho que, nesse sentido, temos tido essa surpresa boa. Mesmo quando vamos a festivais de verão também é outra oportunidade de ver as pessoas. E às vezes são pessoas que nós não estávamos à espera, umas que são já muito velhas, outras muito novas, e eu acho que essa diversidade é bom sinal, muito mais do que estares só no nicho.

Ao longo destes 6 anos, vocês sentem que, de alguma forma, criaram um estilo que outras rádios tentam replicar? A química não se inventa. As pessoas ou se dão bem ou não se dão bem. Mas têm reparado pelo menos que as outras tentam?

ILG - Por acaso, não. Pelo menos da mesma forma, não encontro isso replicado.

AG - E nós temos aqui um problema, é que nós não conseguimos ouvir outros programas da manhã (risos)! Eu acho que a fórmula de pessoas que estão a fazer um programa de rádio, ou de televisão, do que for, juntas, com uma química que parece de amigos, é velhíssima. Eu acho que é tudo que almeja qualquer grupo de pessoas que trabalha junto, é entretenimento. Quer-se muito isso, e sobretudo quando há personalidades muito diferentes, mas dão-se bem. Eu acho que isso é uma coisa que todos queremos sempre, e calhou esta magia de nos darmos todas bem, de nos conhecermos, de quanto mais trabalhamos, a coisa corre melhor, e de termos personalidades, de facto, bastante diferentes. Que é o que mais nos dizem, 'vocês são tão diferentes'.

JM - Eu acho que é uma coisa que fizemos, não sei se outros fizeram ou não, e pode ser um bom exemplo, se é que posso dizer isso. O Cláudio Almeida juntou-se a nós assim no último ano e meio. Porque havia muita a figura do produtor de rádio, mais logístico, mais inclinado a fazer as coisas. Nós temos também uma excelente produtora, que é a Sandra Torres, e que põe as coisas todas a funcionar, damos as ideias, e é a Sandra que faz as coisas aparecerem. E às vezes faltava-nos, como queremos criar muitas coisas novas todos os dias...

ILG - ...a figura do produtor à americana.

JM - Sim, não queremos ter uma rubrica só por dia, queremos ter em todas as horas várias rubricas, estar muito em cima das coisas que acontecem, trazer alguém mais criativo, um guionista como é o Cláudio, acho que fez diferença. Já ouvimos dizer que, num ou outro programa, também se procura um bocadinho essa figura. Eu acho que isso só pode melhorar os programas de rádio em Portugal, porque ter um criativo a mais é sempre um bom, porque nós estamos em antena três horas, não conseguimos ao mesmo tempo estar a escrever coisas. Quer dizer, conseguimos, mas nunca será um bom resultado. Acho que isso traz uma rapidez e uma possibilidade de estar mesmo em cima. Por exemplo, foi apanhado um deputado a roubar malas agora, neste momento. Conseguimos escrever uma letra para daí a meia hora ou uma hora. Acho que essa rapidez talvez tenha sido assim uma diferença nos últimos anos.

AG -  Acho que é onde se podem ter... Inspirado. E bem. Quanto mais pessoas, melhor.

JM - Da mesma maneira que nós nos inspirámos no que se faz nas outras rádios, nomeadamente nas estrangeiras, que sempre tiveram esse produtor, quase como o cérebro do programa, e cá isso não acontece tanto.

ILG - Sim, nos Estados Unidos então, o produtor é quase a primeira figura do programa, porque faz a gestão de tudo.

Joana Marques, Ana Galvão e Inês Lopes Gonçalves

Sentem-se, por vezes, assoberbadas por o programa se ter tornado uma marca? Não só o "Extremamente Desagradável" como "As Três da Manhã".

JM - Vamos lançar agora brumas íntimas... (gargalhada)

AG - Mas com o cheiro de cada uma de nós (risos)!

ILG - Mas tudo misturado?

AG - Não, separado (risos)!

ILG - Estar a dizer isso é engraçado porque... não é uma marca. É um bocado involuntário no sentido em que...

Em que já saiu fora da rádio. São espectáculos ao vivo, festas...

AG - Eu não fico assoberbada, eu felicíssima. Adoro rádio. Acho incrível. Adoro rádio, acho um meio mesmo incrível. Termos um programa que as pessoas gostam e falam, para mim é uma maravilha. Eu nunca vou ficar assoberbada por causa disso, vou ficar feliz.  Seja o nosso, seja o outro. Não nos importa. Mas prefiro que seja o nosso. Mas quando a rádio vinga, eu fico super feliz.

Ao longo destes seis anos - e nesse período passámos todos pela pandemia -, em que momento sentiram que fazer alguém dar uma gargalhada é mesmo importante?

AG - Já nos mandaram e-mails a dizer de pessoas doentes, nós até mandamos uns para as outras...

ILG - Esses são os que impressionam mais.

JM - Não são mails, Ana, são mensagens. Mensagens nas redes sociais (risos).

AG - São cartas com selos! (risos)!

ILG -  Isso sim é que é assoberbante, eu acho. Aí é que eu fico, 'uau'. Quando às vezes achamos que é só um programa de rádio e, depois, de repente há uma pessoa que diz, 'estava a ter um dia de merda e depois ouvi o vosso programa e fiquei muito feliz', ou 'passei por esta situação assim e estive doente, ou a minha mãe' e de repente é 'uau, caramba!'. Isso, sim, é muito marcante.

Televisão? "É uma 'chatice' que, por enquanto, não temos. Se algum dia tivermos, logo pensamos nisso"

Este ano vai haver autárquicas e, depois, presidenciais.

ILG - Não nos vamos candidatar, em princípio.

Vocês já tiveram candidatos no programa. Contam estar presentes também nesses momentos?

AG - Como a rádio é também de informação, há sempre a ideia de trazer os candidatos, para dar entrevistas sérias
e dignas e muitas vezes o horário que faz mais sentido é o da manhã, então nós para integrarmos isso tentamos também ter ali o nosso lado. Ou seja, vem o convidado para uma entrevista séria com os nossos jornalistas, mas nós tentamos fazer aquele lado de desconstruir as pessoas e brincar um bocadinho.

ILG - É uma mais-valia, porque tens ali a pessoa, o candidato, Carlos Moedas, Alexandra Leitão, não interessa. a responder às perguntas da informação que interessam para a campanha e, depois, as pessoas a conhecerem um bocadinho um outro lado.

JM - É como se juntássemos o programa da manhã da SIC e o da SIC Notícias, dois em um.

AG - Acho que essa é a marca diferenciadora da nossa rádio e do nosso programa. A pessoa quando ouve "As Três da Manhã", se se ri é ótimo, claro que sim, mas também fica a saber muito do que aconteceu durante o dia. Tem um Explicador, tentamos sempre tocar nos temas que estão em cima do acontecimento, e eu acho que isso é uma coisa também fundamental de diferenciação daquilo que nós somos. Não é só entretenimento. Temos o pessoal da informação que também se dedica muito e, naquelas três horas, tu ficas a saber o que aconteceu naquele dia.

Vocês sentem que isto pode durar até quando?

JM - Eu não penso nisso, acho que vocês também não. Acho que, nestas coisas, o segredo é não pensar muito e ir fazendo.

ILG - Há sempre quase assim uma espécie de presença interior - não sei se vos acontece isso também  -  que acho que é a sobrevivência do cérebro - 'eu não vou fazer manhãs para sempre!', não é? Mas ok, bora lá pensar nisso. Quando é que vai ser? Não sei, não faço ideia. Está a resultar, é fixe, é super bom, por isso não penso nisso.

AG - Eu também não. Eu penso como ela. Estou sempre a dizer, 'não vou fazer manhãs para sempre! Ah, mais um bocado, mais um pouco e não sei o quê', só que adoro o programa.

Há alguns exemplos, ao longo da história da rádio portuguesa, de programas que saltaram para a televisão, como, por exemplo, "O Homem Que Mordeu o Cão", do Nuno Markl, que esteve na TVI durante um curto período de tempo. Vocês acham que fazia sentido?

JM - Nunca pensámos nisso.

Nunca houve um convite?

ILG - Não. A única coisa remotamente parecida com isso foi quando "As Três da Manhã" estiveram naquele programa da SIC "Estamos em Casa", mas porque cada sábado tinha um anfitrião diferente. Mas nunca pensámos nisso.

Se surgisse o convite, para vocês, fazia sentido?

JM - Acordando às 5 da manhã, acho difícil. Todos os convites que surgem, para nós, são uma dor de cabeça, porque o programa não só é muito cedo como consome muitas horas por dia, para preparar o dia seguinte. É uma 'chatice', entre aspas, que, por enquanto, não temos. Se algum dia tivermos, logo pensamos nisso. Por causa do programa surgiram outros convites que, de outra maneira, se calhar, não surgiriam, como a Ana ter estado enfiada numa máquina de pastilhas [no programa da SIC "A Máscara"] de a Inês ter estado no "Vale Tudo" e no "Hell's Kitchen".

AG - De ela receber convites e dizer a tudo que não...

JM - A quase todos, sim (risos).

AG - Nós, as três, adoramos o programa de rádio. E, na rádio, há muito esta coisa. Se resulta na rádio, a sequência seguinte... [é a televisão].

JM - Ou ver a televisão como um degrau superior.

AG - E eu não vejo, acho que nenhuma de nós vê isso. Claro que é atrativo a fazer algumas coisas e tal. Sim. Mas acho que nos basta. Estamos muito felizes.