(esta entrevista contém spoilers sobre o final da primeira temporada de "Morangos com Açúcar")
"Para Sempre", novela protagonizada por Diogo Morgado e Inês Castel-Branco, é a oitava trama da TVI a conquistar uma nomeação nos Emmmys Internacionais na categoria de Melhor Novela. A cerimónia de entrega de prémios acontece em Nova Iorque, Estados Unidos, esta segunda-feira, 20 de novembro, e a trama criada por André Ramalho concorre contra "Cara e Coragem", "Pantanal", ambas da TV Globo, e "Yargi", da Ay Yapim, da Turquia. "Para Sempre" pode arrecadar o terceiro galardão para a estação de Queluz de Baixo, que já venceu em 2010 com "Meu Amor", e em 2018, com "Ouro Verde".
Aos 43 anos, e com 17 anos a criar histórias e personagens para as novelas da TVI, André Ramalho tem a ficção no sangue, ou não fosse o engenheiro de formação filho de Maria João Mira, autora de dezenas de novelas, desde "Roseira Brava", "Olhos de Água", "Sonhos Traídos", "Tudo por Amor", até às mais recentes "Prisioneira", "Bem me Quer" e "Queridos Papás", atualmente exibição no prime time do quarto canal. Mãe e filho assinam a criação do reboot de "Morangos com Açúcar", uma parceria entre a TVI e a Prime Video, cuja primeira temporada já está disponível na plataforma de streaming.
Da nomeação para para o Emmy Internacional à sua vilã favorita, passando por o que podemos esperar das próximas temporadas de "Morangos com Açúcar", o guionista de 43 anos desvenda como é o trabalho fascinante de criar histórias para a ficção. Tão fascinante que o fez deixar uma carreira na engenharia do ambiente.
A novela "Para Sempre" está nomeada na categoria Melhor Novela nos Emmy Internacionais. Quais são as expectativas?
Estou muito contente pela nomeação. Não era uma coisa de que estivesse à espera. A expectativa é só de o nome da novela aparecer nos Emmys, de ser falada e exposta a mais público internacional.
Que significado teve esta novela na sua carreira? Ela passou um pouco despercebida na TVI, talvez devido ao horário ou às circunstâncias.
Quando escrevemos a novela, fazemo-lo muito antecipadamente. A novela foi escrita há três anos, quase. O horário em que é exibida parte da TVI, que é o cliente, nós não temos nenhum controlo sobre isso. A TVI achou que aquele era o melhor horário, tendo em conta a história e o público da TVI. E a novela foi quase sempre líder no horário em que foi exibida. Tinha um público muito fiel, que se manifestava sobre isso, de querer ver a novela até ao fim. Acho que foi muito bem recebida.
O que faz desta novela especial ao ponto de ela ser nomeada para um Emmy?
Isso é uma pergunta difícil de responder porque nos Emmys os produtos são expostos a um júri. O que esse júri considera interessante e importante em cada produto cabe a ele responder. Acho que a novela tinha características de uma história clássica, de uma saga familiar, o que neste momento talvez seja menos comum nos produtos que estão a ser comercializados. É uma história que apela a muitos públicos, a do abandono de uma criança que, depois, descobre que a sua mãe era uma mulher rica e que o abandonou. Essa história, que todos temos no nosso imaginário, talvez tenha captado a atenção do júri. Além disso, tinha outros elementos mais ligeiros. Acho que era uma novela bastante transversal.
"Por um lado há quem diga que as novelas estão a desaparecer e, por outro, temos estes públicos que ainda querem ver esses produtos"
O André escreve novelas há 17 anos.
Sim. Escrevo oficialmente há 17 anos para a TVI, embora tenha participado desde muito cedo na criação de histórias.
Sendo que as novelas fazem parte do seu ADN por causa da sua mãe, a argumentista Maria João Mira.
Sim (risos)! Sim, desde adolescente que participo e ajudo na criação de histórias. Foi uma coisa que, no meu percurso, me foi acompanhando. Fiz outro percurso profissional. Fui consultor de engenharia durante alguns anos. O meu percurso na escrita não é propriamente linear.
Fale-me do seu percurso.
Desde adolescente que participo na criação de histórias e personagens para televisão através da minha mãe. Fiz um percurso na área de Ciências, tirei o curso de engenharia do Ambiente, fui fazer o mestrado em Londres e fiquei a trabalhar lá durante quatro anos como consultor. Era um trabalho que eu adorava, mas o 'bichinho' estava lá desde cedo e quando surgiu a oportunidade de participar num projeto, ponderei. Decidi agarrar a oportunidade de participar oficialmente num projeto de ficção, foi uma paixão e não consegui voltar.
Qual foi o projeto que o fez voltar?
Foi a "Flor do Mar" (2008), uma novela passada na Madeira. Teve uma parte muito interessante. O meu avô era madeirense e foi muito interessante voltar às raízes e fazer o projeto na Madeira. A paixão pela escrita falou mais alto e continuei.
Vemos novelas brasileiras há 45 anos e a primeira novela portuguesa, "Vila Faia", estreou-se há 41 anos. Com o advento do streaming, o género novela pode ter os dias contados?
É uma pergunta difícil de responder talvez porque há várias tentativas de algumas plataformas de streaming de não perder esse público que gosta de novelas. O que é que constitui uma novela também é uma pergunta complicada. Se estamos a falar da duração, de serem muitos episódios, ou se é o tom. Muitas vezes temos séries com um tom mais novelesco, na forma como abordam os assuntos e resolvem as histórias. Talvez as novelas sejam historicamente histórias mais lineares, com soluções de plots mais previsíveis ou maniqueístas, talvez, em que o bem e o mal são retratados a preto e branco. A Globo, no Brasil, está a transitar para o streaming mas continua a fazer histórias de formato novela, adaptando para o formato série.
E temos as novelas turcas, que são um fenómeno mundial.
É uma área com uma adesão incrível. É um ponto interessante. Por um lado há quem diga que as novelas estão a desaparecer e, por outro, temos estes públicos que ainda querem ver esses produtos. Não sei se será mais uma questão das plataformas em que as pessoas querem ver as histórias do que propriamente se a novela em si é um produto que está a morrer ou a renascer das cinzas.
Sobre o reboot de "Morangos com Açúcar". "As pessoas que viram até ao fim adoraram a primeira temporada"
A nova temporada de "Morangos com Açúcar", que foi criada por si e pela sua mãe. Tendo em conta que ainda não tinham trabalhado com uma plataforma de streaming, como foi o processo de elaboração desta história?
O método de trabalho talvez tenha sido ligeiramente diferente. A expectativa era enorme, tanto da nossa parte como da Prime Video e da Media Capital enquanto parceiros. A principal diferença na adaptação de "Morangos com Açúcar" ao formato série é que os episódios foram todos filmados em exterior. Não houve nada em estúdio. Houve uma liberdade muito grande para o que nós podíamos imaginar para as histórias. Não havia limites de décors, podíamos acordar de manhã e pensar 'o que vai acontecer a este grupo de miúdos hoje'?. Isso para nós foi uma vantagem gigantesca e a própria reação do publico à série também revela isso. Há um lado muito orgânico na história.
Foi mais difícil escrever para as personagens mais velhas ou para a voz destes miúdos, que não são da sua idade nem da idade da sua mãe?
São duas propostas diferentes. As personagens antigas, houve uma necessidade de pesquisa, de ir ver como é que eles eram e imaginar como é que eles seriam hoje em dia. Dou o exemplo do Crómio, desempenhado pelo Tiago Castro, em que tive conversas com o próprio ator sobre isso. O ator, na minhas perspectiva, fez um trabalho brilhante. Nós reconhecemos a características do Crómio em adolescente e como é que este homem cresceu. As características estão lá, mais trabalhadas, porque quando crescemos vamos criando defesas para mascarar as nossas inseguranças. O Tiago Castro fez esse trabalho e acho que se nota no trabalho final.
Em relação aos mais novos, é um trabalho muito diferente. Eu já não tenho 18 anos, tenho mais do dobro, mas fazer esse trabalho, de perceber como pensam e como falam os jovens hoje em dia, é um trabalho de pesquisa muito grande. Apoiámo-nos no que temos à nossa volta. Tenho primos dessa idade e, muitas vezes, falava com eles para perceber se o que estava a escrever fazia sentido para a cabeça desses. Foi dessa forma que tentámos chegar a um discurso, a um desenvolvimento coerente e interessante das histórias e desafiante para os jovens de hoje em dia, a chamada geração Z.
Tenho muita curiosidade em perceber como é que decidiram a história do Simão Navarro (Pedro Teixeira), não só devido ao percurso dele, mas também em relação à morte da Ana Luísa (Cláudia Vieira).
Não havia a possibilidade, por razões contratuais, de a Ana Luísa voltar. Tendo essa noção à cabeça, e sabendo da importância que teve para o público de "Morangos com Açúcar" o romance entre a Ana Luísa e o Simão, teríamos de fazer jus a essa história. Tinha de ter um peso no Simão e nos filhos e achámos que não faria sentido ser uma história pendurada no passado. O que nos fez mais sentido foi ter o peso de dois filhos que perderam a mãe e que têm uma relação difícil com o pai. No fundo, é a continuação da Ana Luísa através dos filhos, da rebeldia dela. No caso dela é com o motocross, no caso do Miguel é através do surf.
Não acompanhei a série original, mas a perceção que tenho é que os que acompanharam, a geração millennial, tem uma relação de tal forma umbilical com os "Morangos com Açúcar" originais que veem este reboot quase como uma traição. Como é que reagiram às críticas a esta nova temporada, sobretudo da geração que acompanhou a série?
Acima de tudo, temos que as ouvir. Acho que houve uma divisão nas opiniões, sobretudo no primeiro episódio, que é quase de passagem entre a série original e a atual. Fazemos a ponte entre uma história mais clássica e, depois, há a parte policial. Houve de facto algumas reações mais acesas sobre o primeiro episódio, mas depois as críticas de quem viu os episódios todos na Prime Video mudaram completamente. As pessoas que viram até ao fim adoraram a primeira temporada. Acho que muitas dessas críticas foram apaziguadas.
Passaram 20 anos desde "Morangos com Açúcar". As histórias que se viviam nessa altura não são as mesmas que os jovens gostam agora. Tivemos de adaptar as histórias. Há 20 anos não se falava de cyberbyllying, body shaming, e não fazia sentido não falar deles hoje em dia porque não seria atual. O revisitar de uma história de que gostámos muito é sempre controverso.
No final da primeira temporada de "Morangos com Açúcar" temos não uma, mas duas personagens desaparecidas (Carol e Kika). Como é que vai ser a segunda temporada?
O mistério vai adensar-se cada vez mais. Acho que vamos surpreender bastante o público. Aquilo que parecia ser o mistério inicial tem muito mais nuances e o suspense vai surpreender muito.
As gravações da temporada de verão já terminaram. Já fecharam o capítulo "Morangos com Açúcar" ?
Não sei. Vamos ver o que o futuro nos reserva. Vamos ver se há mais alguma coisa reservada para nós. Depende do público, se gosta da série, se há interesse em fazer mais. "Morangos com Açúcar", pelas suas características, é um produto inesgotável. Podem sempre aparecer novas personagens e novas histórias no Colégio da Barra para desafiar o público.
O que é que me pode contar sobre a segunda temporada? Há alguma personagem que vai ter especial destaque?
Posso dizer que o mistério atravessa a turma inteira do 12 B. Todos vão estar envolvidos no mistério de alguma forma e a nossa ideia é ir conhecendo a história de cada um e a forma como é afetada pelo mistério. Vão todos ter destaque.
A mudança da cor de cabelo de Margarida Corceiro, que interpreta a Gabriela, tem que ver com isso?
Tem que ver com a mudança da história para a temporada de verão. Há uma mudança na personagem muito notória e faz sentido a mudança de visual. Na nossa vida também é assim, precisamos de uma mudança de visual para relançar a nossa vida. Isso pode acontecer com a Gabi.
Das novelas que escreveu, qual é o seu herói ou heroína favorito? E vilão?
Tenho tantos... não sei! São muitas personagens, muitas histórias. De "Para Sempre" tenho um carinho muito especial pela personagem do Diogo Morgado (Pedro Valente), porque tudo foi desenvolvido à volta dele e com o próprio, por Zoom, ainda na altura da pandemia. Não é o habitual protagonista impoluto, pelo contrário. Ele passa a história inteira a cometer erro atrás de erro na busca de descobrir porque foi abandonado. Essa personagem foi muito rica, muito interessante de desenvolver.
A Salomé, de "Flor do Mar", desempenhada pela Paula Lobo Antunes, foi uma vilã muito controversa, mas muito boa de desenvolver. Nos "Morangos com Açúcar" a Kika foi muito interessante porque é muito pouco linear. No início, estamos a tentar perceber se gostamos dela, se não gostamos. Ela é a rapariga que faz os mexericos na escola mas, depois, às tantas, começamos a perceber que aquilo tem razões emocionais muito profundas para ela lidar com os segredos daquela forma tão leve.