É a mais recente aposta da Netflix: "As Arrepiantes Aventuras de Sabrina" estreou a 26 de outubro e desde logo prometeu que ia ser diferente de tudo o que tínhamos visto até agora. Ao contrário da doce Melissa Joan Hart em "Sabrina, a Bruxinha Adolescente", Kiernan Shipka vive num mundo sombrio com satanismos, sacrifícios humanos e possessões de demónios.

Mas comecemos pelo início. Inspirada na banda desenhada da Archie Horror, uma publicação da Archie Comics dedicada ao terror, "As Arrepiantes Aventuras de Sabrina" recupera o tom negro assustador da BD. A trama começa com Sabrina Spellman, metade humana, metade bruxa, prestes a fazer 16 anos.

E vai mudar tudo a partir desse momento. No dia do seu aniversário, a adolescente terá de entregar-se ao Senhor das Trevas e abandonar a escola de Baxter High, o namorado Harvey Kinkle (Ross Lynch) e as duas melhores amigas Rosalind Walker (Jaz Sinclair) e Susie Putnam (Lachlan Watson).

Criada e realizada por Roberto Aguirre-Sacasa, desde o início que "As Arrepiantes Aventuras de Sabrina" prometeu uma personagem feminista. "De muitas maneiras, esta é definitivamente a Sabrina de 2018", disse a protagonista Kiernan Shipka à revista "Variety".

"Toda a sua luta contra assinar o Livro da Besta e questionar muitos dos elementos patriarcais, quando foi criada para acreditar neles, por si só é muito feminista. Ela é uma mulher forte e independente que se levanta sozinha e faz o que acha que está certo".

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De facto, há vários elementos que apelam ao feminismo ao longo da série. É o caso do WICCA, o grupo que Sabrina e as amigas criam onde mulheres defendem mulheres, para acabar com o bullying e o machismo na escola. As personagens femininas também dominam o enredo, como é o caso das tias de Sabrina ou das três jovens bruxas da Academia de Artes Obscuras.

Mas será que isto é suficiente para dizer que a série é de facto feminista? Há quem ache que não. O blogue Babe acusa Sabrina de expor sem dó nem piedade um ataque sexual, a revista "Vice" critica o excesso de sexualização da personagem principal.

Sabrina conta a toda a gente que a amiga Susie sofreu um ataque

Lachlan Watson dá vida a Susie
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O blogue Babe, criado por uma comunidade de jovens mulheres que dão as suas opiniões sem censura ou filtros (é assim que elas se definem), fez uma longa dissertação sobre o porquê de "As Arrepiantes Aventuras de Sabrina" ser tudo menos feminista.

Um dos momentos mais criticados é quando Susie, a amiga de Sabrina do género não-binário (ou seja, a sua identidade de género não é nem inteiramente masculina nem feminina), é agredida por um grupo de jogadores de futebol. Num ataque com cariz sexual, eles levantaram a camisola de Susie para ver se ela tinha mamas.

"A série passa literalmente dois segundos no rosto choroso de Susie antes de dedicar o resto do tempo a Sabrina, que se enche de raiva e marcha pela escola aos gritos com as pessoas, declarando que ela é a única que quer proteger Susie". Isto é altamente problemático, defendem, porque Susie sofreu um ataque sexual e Sabrina vai contar a toda a gente — desde o namorado Harvey até ao diretor da escola.

"Especialmente porque Susie se recusou a dizer os nomes dos jogadores de futebol. Parece que devia respeitar-se a privacidade de alguém que acabou de ser agredido, não?". E acrescentam: "Isso é incrivelmente ruim e desrespeitoso, não importa quão boas sejam as suas intenções".

A conversa com o diretor da escola

Outro ponto destacado pelo blogue Babe é a conversa de Sabrina com o diretor. Enraivecida com o que aconteceu com a amiga, a jovem bruxa vai contar o que aconteceu ao diretor da escola.

Depois de ouvir o relato, o homem diz: "Se me puderes dar os seus nomes, eu suspendo-os". "A Susie não me disse", responde Sabrina. "Mas eu posso imaginar. Ou o senhor pode trazer todos os jogadores de futebol para um interrogatório." "Estás a sugerir uma caça às bruxas?", pergunta o diretor.

"Em 2018, a frase 'caça às bruxas' assumiu um novo significado. Qualquer um que visse esta cena entenderia imediatamente a referência ao movimento #MeToo e como homens misóginos usam constantemente frases como 'caça às bruxas' para deslegitimizar os sobreviventes de ataques sexuais", escreve o blogue. "Mas neste caso, parece que o diretor está... certo? 'Sinto muito, Sabrina, mas não podes adivinhar quais foram os jogadores de futebol que atacaram a tua amiga. Tu nem sequer estavas lá'".

Precisamos mesmo de ver o corpo de uma adolescente de 16 anos?

O batismo de Sabrina
O batismo de Sabrina

A revista "Vice" também escreveu um texto a criticar o alegado feminismo da série. A maior crítica vai para os momentos com elevada conotação sexual. No batismo, por exemplo, as tias despem Sabrina a mando de Blackwood, o líder supremo do conventículo na terra, deixando a jovem de 16 anos com uma camisa de noite de seda — na frente de toda a gente.

"Noutros momentos, há várias cenas de Sabrina a entrar e a sair do banho completas com bastante rabo que parecem desnecessariamente gratuitas", escreve a "Vice". "É desconfortável assistir a isto, especialmente quando a narrativa da série é tão focada na tenra idade de Sabrina (...). De repente, a personagem vai de feiticeira adolescente renegada para a bruxa Lolita".

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Na opinião do autor do artigo, o problema maior não é tanto a questão da nudez em si, mas os momentos em que surge. Em "Riverdale", por exemplo, dos mesmos produtores e criador de "As Arrepiantes Aventuras de Sabrina", Betty e Veronica aparecem em lingerie (ou nem isso). Mas é uma escolha delas, e isso reflete-se na própria forma como a série é filmada — que frequentemente as mostra a caminhar diretamente para a câmara, por exemplo.

No enredo de Sabrina, a história é completamente diferente: "A nudez de Sabrina parece inextricavelmente ligada à sua própria ingenuidade e falta de poder de escolha, e a maneira voyeurística é mais do que apenas um pouco pervertida."

De facto, parece que várias pessoas concordaram com o excesso de nudez na série. No Twitter, houve quem comentasse o quão desnecessário eram estas cenas numa série que se queria afirmar como feminista.

Sabrina mata uma rapariga — sem dó nem piedade

"O momento em que 'As Arrepiantes Aventuras de Sabrina' me perdeu". É este o título assinado por Katie Sly na "Flare", que remete para a altura na narrativa em que o irmão de Harvey morre. Não foi um mero acidente: as bruxas Agatha e Dorcas lançaram um feitiço para provocar um acidente na mina da família de Harvey, depois de descobrirem que ele é descendente de caçadores de bruxas.

Incapaz de lidar com o sofrimento do namorado, Sabrina imergiu fundo nas artes negras e fez um feitiço para o ressuscitar. Problema: para alcançar o seu objetivo, teve de matar alguém. A bruxa escolhida foi Agatha, a quem Sabrina cortou a garganta.

Depois deste assassinato, descobrimos que a jovem bruxa tem um plano para a trazer de volta — "só que Sabrina nunca avisou Agatha da ressurreição e nunca pediu o seu consentimento para realizar este plano perigoso. Em vez disso, vemos uma jovem a chorar, apavorada e morta por um grupo de colegas da escola. O que aconteceu com o WICCA?".

A autora do artigo vai mais longe: "Agatha está posicionada como uma vilã para que a ideia 'mulheres que protegem mulheres' não se aplique mais. Mas caracterizar Agatha dessa maneira só serve para reforçar a ideia de que ela não tem direitos porque não é boa — que é o tipo de lógica tóxica que muitas vezes vemos aplicada às mulheres".

O feminismo não é uma mulher enraivecida

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O site "Femestella", que se descreve como um "grupo de miúdas destemidas" capazes de "esmagar qualquer misógino" que atravesse o seu caminho, escreve que "As Arrepiantes Aventuras de Sabrina" usa o feminismo para estar na moda. E isso não é bom. "Sabrina tem praticamente dois modos: zangada e condescendente. Irritada com todos os homens horríveis da cidade, do conventículo, do Lorde das Trevas; condescendente para o seu namorado coxo Harvey".

Na opinião de "Femestella", o grande problema da série é achar que o feminismo equivale a mulheres fortes, muitas vezes com raiva. "O feminismo não é sobre isso. É um movimento que luta pela igualdade de pessoas de todas as identidades de género, raça, status socioeconómico, sexualidade e capacidade".