Do teatro para a televisão, a figura de Esperança ganhou nuances, contexto e grandeza. Estreada na SIC na noite de sábado, 19 de dezembro, "Esperança" acompanha a vida de uma idosa de 80 anos que resiste aos planos de quem, a todo o custo, lhe quer tirar a casa arrendada no coração de Lisboa. Debaixo da pele enrugada desta octogenária está o humorista César Mourão, que criou a personagem, juntamente com o argumentista Frederico Pombares ("Último a Sair"), para o teatro em 2016.

Em conjunto com Pombares e Pedro Goulão ("Aqui Tão Longe"), Pedro Varela ("Os Filhos do Rock"), que assina o argumento e também realiza, diz à MAGG que transportar esta personagem para a televisão veio com os habituais desafios que quem se dedica à escrita com camadas já está habituado. "Tivemos de criar todo um contexto e uma grandeza que não existiam. Na peça, Esperança era uma senhora de classe média-baixa que vivia num lar de terceira idade e que, aqui, é o oposto: ativa, combativa, que vive e persiste", diz.

Por isso, conta, era preciso dar a esta figura toda uma dimensão e perceber qual a história, e que de forma é que esta iria ser contada. Apesar das várias diferenças, pelo menos uma semelhança há em comum entre ambas as produções — e assenta em César Mourão.

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"O César é exímio na interpretação de uma personagem como esta, e mais ninguém conseguiria fazê-la como ele. É uma história sobre uma cidade que está gradualmente a ser despejada e que se aproxima bastante daquela que foi a realidade de Lisboa antes da pandemia. A cidade precisa de gente e esta é uma história de gente."

E ainda que reconheçamos a Mourão a arte do improviso, o que vemos em "Esperança" corresponde a 99% daquilo que Pedro Varela escreveu. "Ele [César Mourão] não inventa nada. Improvisa em pequeníssimas coisas, que têm que ver com energias ou interjeições, mas a estrutura do argumento foi gravada tal como foi escrita. O César tem vários modos, mas o que aqui está em funcionamento é o de ator", continua.

Por isso, "o lugar onde pára", "onde se senta" e até o momento em que "levanta a caneca" foi programado ao mais ínfimo detalhe. E resulta porque, nas palavras de Varela, César "é a luz do farol" de toda a série que, enquanto produto televisivo, "teve de ser mais abrangente e falar a mais públicos".

Além de assinar o argumento de "Esperança", Pedro Varela também realiza todos os episódios

Do elenco fazem parte nomes como Eva TecedeiroMarco PaivaValerie BraddellJoana Africano ou José Manuel Mendes. Atrizes e atores que, em larga escala, não são conhecidos do grande público, numa escolha que, diz o realizador e argumentista, foi propositada. "Houve a intenção de o público não olhar para isto como algo que já tivessem visto porque o caminho não era esse". Por isso, foi convidando pessoas que conheceu ao longo de vários anos de trabalho.

É o caso de Leonora Carvalho, que na série da vida a Paulina, a ajudante e amiga de Esperança, e que Pedro Varela conheceu há um ano enquanto filmava uma campanha publicitária em Angola. Nessa altura, disse-lhe que iria começar a escrever um argumento de uma série e que gostaria de contar com ela. "Passado uns meses, apanhou um avião para Portugal e disse-me: 'Pedro, se precisares de mim, estou cá.' Disse-lhe que sim, que iria precisar e comecei a escrever para ela", recorda.

A ideia de apresentar um elenco desconhecido, pelo menos à data da estreia, é sinónimo de começar "numa página em branco", mas também permite que o público se debruce sobre os episódios sem ideias pré-concebidas. Estratégia essa, aliás, que serviu de arranque à Netflix na altura de produzir o seu conteúdo original.

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"Fora 'House of Cards', não havia séries com protagonistas conhecidos porque a estratégia era que o conteúdo fosse bom apenas pelo conteúdo e não pelas estrelas que tinha no elenco." Em "Esperança", a única estrela é César Mourão que, apesar disso, se divide entre o ser e o não ser, já que se transfigura em Esperança, a personagem, num trabalho de caracterização de horas.

Ainda que o primeiro episódio da série se tenha estreado simultaneamente na SIC e na OPTO, os restantes, a ser disponibilizados aos sábados, serão um exclusivo da nova plataforma de streaming do canal.

Se ainda decidiu espreitar, damos-lhe quatro boas razões para começar a ver "Esperança".

1. É a melhor prestação de César Mourão

Não sabemos se será o papel de uma vida do humorista e ator, mas é, sem dúvida, dos melhores que já fez. Ainda que, quem o conheça, lhe identifique o humor — mesmo na pele de Esperança —, Mourão faz aqui um papel de ator irrepreensível ao deixar-se submergir pelas dores de uma idosa que, ainda que combativa e persistente, sente o peso da idade e da solidão.

É uma personagem com camadas, familiar, que nos faz torcer por ela desde o primeiro instante e que, como qualquer avó, tem sempre um conselho ternurento para nos dar. O nosso único trabalho, enquanto espectadores, é ouvi-lo.

2. Tem um elenco desconhecido, mas de luxo

Eva TecedeiroMarco PaivaValerie BraddellJoana AfricanoJosé Manuel MendesLeonora CarvalhoGonçalo AmeidaLara Cristina Cardoso ou Miguel Freire são alguns dos nomes que compõem o elenco da série. Em comum, têm, segundo Pedro Varela, "uma qualidade inegável", mas que, por nunca terem sido trabalhados em produtos televisivos, ainda não chegaram ao grande público.

A ideia é que isso mude com "Esperança", que embora conte com o protagonismo de César Mourão, dá muito espaço para que cada um dos atores trabalhe as suas personagens. Os silêncios, os maneirismos e os trejeitos ganham, mais do que em qualquer outro formato próprio da televisão, uma importância significativa que, a longo prazo, servem para dar corpo à história idealizada por Pedro Varela e César Mourão.

créditos: OPTO SIC

3. É uma série humana para fãs de boas histórias

E porque uma boa série precisa de uma boa história, "Esperança" foca-se, acima de tudo, na figura de uma mulher carismática que se vê a braços com as tentativas de um senhorio que lhe quer tirar a casa. Mas, mais profundamente, é uma história sobre os despejos no centro da cidade, sobre família e sobre o afeto — numa altura em que, diz Varela, "todas as pessoas estão carentes dele e não se podem tocar".

4. Tem a chancela de qualidade a que os serviços de streaming nos habituaram

Tal como em "A Generala" ou "O Clube", duas das outras séries exclusivas da OPTO SIC, o canal volta a apostar num produto que reproduz a chancela de qualidade a que serviços de streaming como a Netflix, principalmente nos seus primórdios, nos foram habituando.

Isso passa não só pelo foco na escrita, mas também pela atenção redobrada à realização e à imagem que, sabemos, também serve de porta de entrada para que espectadores casuais se tornem assíduos e fiéis.

Ainda que Pedro Varela se sinta "muito feliz a escrever", a realização também o completa — mesmo que, nesse processo, seja obrigado a lidar com as impossibilidades e imprevistos que vão surgindo. Tal como na vida, também "Esperança" é feita de obstáculos. E o que é genuíno tem outro gosto.

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