Crimes misteriosos e chocantes, que cativaram a atenção e o imaginário coletivo, são a matéria-prima de cada vez mais séries internacionais e podcasts. O género "true crime" começa agora a ser explorado em Portugal e tem em "Depois do Crime" o debute televisivo.
Veja aqui as primeiras imagens:
Rita Marrafa de Carvalho é a autora da nova série documental da RTP1, que se estreia a 21 de setembro com um dos casos que mais fascinou e chocou a sociedade portuguesa e que tem Frederico Cunha (mais conhecido como Padre Frederico, condenado a 13 anos de prisão por homicídio de um adolescente de 15 anos) como figura central.
“A ideia foi pegar em casos que já tivessem um distanciamento temporal grande e que tivessem tido um grande impacto mediático. Quisemos tentar perceber o que aconteceu nos anos em que as pessoas perderam o interesse”, começa por explicar a jornalista. “Este distanciamento temporal, associado ao distanciamento emocional, permite que intervenientes que, na altura, estiveram envolvidos mas que não podiam falar, agora o possam fazer”, continua Rita Marrafa de Carvalho.
Juízes, inspetores da Policia Judiciária, familiares das vítimas e os próprios condenados são os protagonistas de “Depois do Crime”, que pretende também trazer à luz do dia “detalhes aos quais não foi dada tanta relevância”.
O caso do padre Frederico, do “Mata-Sete” (como ficou conhecido o bancário Vítor Jorge da Marinha Grande que, em 1987, matou sete pessoas, incluindo a mulher e uma filha, na praia do Osso da Baleia, em Pombal, e na Amieira, na Marinha Grande) e também de Luís Miguel Militão (conhecido como o “Monstro de Fortaleza”, condenado pelo homicídio de ocultação de cadáver de seis portugueses em Fortaleza, no Brasil, que acabariam enterrados e cobertos com cimento na praia do Futuro), são abordados nos seis episódios de “Depois do Crime”.
A jornalista explica que a ideia original era centrar a série documental em 12 casos. “Fomos depois fazendo uma filtragem e percebemos que, dado o tempo que passou e também devido à fragilidade de informações que tínhamos, íamos ter um grande desequilíbrio. Íamos ter episódios muito ricos e outros que não traziam nada de novo”.
De 12, a lista ficou reduzida a seis mas, como em quase tudo o que aconteceu nos últimos seis meses, a pandemia alterou os planos. “Estivemos três meses e meio sem poder trabalhar na série mas queríamos muito estreá-la em setembro, até porque trazendo algumas novidades, não fazia sentido adiá-la. Decidimos focar-nos nestes 3 casos, cujo trabalho já estava feito”, conta Rita Marrafa de Carvalho.
"Por vezes, a intervenção do jornalista é ruído, não acrescenta absolutamente nada"
O que distingue “Depois do Crime” de uma grande reportagem? A linguagem visual, mais próxima do documentário e também o facto de não haver nem narrador nem a presença da jornalista. “Queríamos que o espectador se envolva na história sem interferência óbvia jornalísticas e que fossem os intervenientes a contar na primeira pessoa o que se passou. Por vezes, a intervenção do jornalista é ruído, não acrescenta absolutamente nada. E o desafio foi esse. Como é que vamos contar esta história sem que haja uma voz, sem que haja uma presença óbvia do jornalista e que as figuras centrais sejam aqueles que interessam?”, explica Rita Marrafa de Carvalho.
Nas primeiras imagens promocionais do formato, que a RTP1 já emite, ficamos com a ideia de que Rita Marrafa de Carvalho consegue entrevistar Frederico Cunha, protagonista dos primeiros dois episódios. A jornalista deixa o suspense no ar mas adianta que os telespectadores vão ficar desconcertados.
Depois de “Heróis Anónimos”, série de reportagens especiais sobre o trabalho dos operadores da Central de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do INEM, “Depois do Crime” marca a estreia de Rita Marrafa de Carvalho num formato a solo. É também uma novidade no jornalismo televisivo português que, ao contrário do anglo-saxónico, não explora a linha do true crime (género não ficcional, literário, radiofónico, televisivo ou cinematográfico, no qual o autor analisa um crime que aconteceu, pormenores e ações dos intervenientes). “Nós temos muita dificuldade em fazer este tipo de registo por dois motivos: um chama-se segredo de justiça e o outro relaciona-se com o facto de não podermos ter acesso ou captar imagens em julgamento”, esclarece a jornalista da RTP.
“Só no caso do padre Frederico é que temos um grande suporte de imagem em julgamento. De resto, não. Até no Brasil, quando estão a fazer as buscas onde estão os portugueses enterrados, há uma câmara atrás dos policias. Quando eles começam a escavar, está toda a gente a filmar e, a determinado momento, há um que diz ‘olha aí a televisão portuguesa, deixa passar’. É uma espécie de primazia da informação, como se fosse um bem intocável e prioritário”, conta.
Cada caso vai ser abordado em dois episódios, de 25 minutos cada, a serem exibidos à segunda e terça-feira no primeiro canal da estação pública de televisão. A estreia de "Depois do Crime" está marcada para 21 de setembro, depois do "Telejornal".