Compreendo se no final deste texto, os leitores e seguidores da novela "Nazaré" quiserem dirigir-me todos os impropérios que, convenhamos, já não tiram o sono a ninguém. É que esta segunda-feira, 6 de julho, o dia começou de forma diferente. Levantei-me, escrevi umas coisas ao computador, passeei o meu cão e continuei nessa coisa linda que é o teletrabalho porque a COVID-19 anda aí. De repente, uma mensagem do meu editor. "Tenho um desafio para ti: fazer uma crítica ao último episódio de 'Nazaré' na perspetiva de alguém que nunca viu a novela. Mas uma coisa assim mais para o bem disposta", disse-me.
Logo à partida, tive dois problemas com esta premissa. Em primeiro lugar, já tinha visto a novela na altura da estreia e achei, não há outra forma de o dizer, medíocre. E como é que seria possível escrever uma coisa bem disposta quando, na estreia, tudo oscilou entre vários tons de mau e muito mau?
Porém, e ao ver o último episódio, percebi que não tinha nada por que temer. A novela continuava engraçada, hilariante e divertida. E isto não são elogios. Mas antes de os leitores começarem já a preparar as suas forquilhas, permitam-me que dê alguns exemplos. O último episódio, emitido este domingo, pôs um ponto final à novela líder da SIC que já tem uma segunda temporada confirmada.
O argumento continuou fraco, os atores pouco credíveis e as falas tiveram zero impacto porque parece que, a certa altura, alguém entrou em estúdio, pôs as mãos ao alto e disse qualquer coisa como: "Malta, a partir de agora é para tentar o mínimo possível para que possamos despachar isto o quanto antes." Só isso justifica o momento insípido em que é revelado que Verónica encomendou o ataque ao hotel.
"Promete-me que apanhas essa cabra senão vou lá eu", diz Laura ao inspetor. Enquanto atriz, Inês Castel-Branco tenta cumprir, mas a culpa não é dela quando as coisas não correm bem. Os argumentistas parecem ter ficado em 2003 tal é a quantidade de chorrilhos que continuaram a usar no texto da novela. A emoção, a indignação e o choque não se fabricam nem se forçam.
E a ideia que fica é que, naquele momento, a atriz tinha pouco com que trabalhar porque, de facto, tinha. A capacidade de entrega foi castrada logo ao início porque a escrita é preguiçosa, pobre e comicamente má.
É que logo depois de Verónica ser presa, Nuno (interpretado por António Pedro Cerdeira), que se apercebe do que acontece, intercede o carro da Polícia Judiciária e lança um gás para dentro do veículo que atordoa e faz Verónica, o inspetor e os restantes passageiros, perderem os sentidos. Corta para Nuno e Verónica no mar, em dois barcos diferentes.
Nuno diz querer vingar-se da morte da mulher e diz que Verónica merece mais do que a prisão. Por isso, deixa-lhe uma garrafa de água no barco e uma arma com apenas uma bala e uma escolha: "Podes usar essa bala para disparar sobre mim, ou para acabares com o teu tormento quando a água que te deixei acabar."
Verónica aponta a arma a Nuno, num barco a motor, e hesita, mas nunca dispara. Em primeiro lugar, como é que o Nuno levou o outro barco até ali? Atrelado? Não sabemos, ninguém explica porquê — desde o primeiro episódio, aliás, que a novela sofre de avanços repentinos e teletransportes alucinantes. Não interessa que se saiba. Interessa que os espectadores se foquem na ação sem sequer se questionarem sobre como é que tudo culminou naquele momento.
Vamos ao momento do confronto, então. Como é que Verónica, uma das vilãs que fez tanto mal a tantas personagens, hesita disparar sobre Nuno quando a escolha é entre desfazer-se dele e sobreviver ou ficar sozinha no meio do mar e morrer?
Não há redenção para personagens destas que, por serem tipicamente más, nunca ficam boazinhas só porque alguém as confronta no final. O facto de Verónica recusar disparar sobre o homem que diz amar, mas que, pela sua própria génese, não teria problemas em sacrificar se isso significasse o seu próprio triunfo, é inverosímil e só reflete a escrita preguiçosa de quem esteve encarregue de levar esta novela até ao fim.
O mais engraçado é que depois do gás lançado por Nuno para o carro de Verónica, o assunto nunca volta a ser mencionado. Seria de esperar que o desaparecimento de uma das maiores vilãs da história voltasse a ser tema de conversa entre as personagens. Mas para quê, se a coerência já se foi há muito? E o que dizer da personagem Bernardo, filho de Verónica, uma personagem autista que, em 2020, ainda serve como propósito cómico de uma história? Vários tons de errado, novamente.
Aparentemente terminado esse arco da história, Nazaré, interpretada por Carolina Loureiro, recebe o pedido de casamento não de um, mas de dois homens: Duarte (José Mata) e António (Afonso Pimentel). Um faz-lhe o pedido na areia ("Casas comigo, babe?") e o outro usa uma avioneta para lhe mostrar uma mensagem no ar.
Não está a ler mal: ambos tiveram a mesma ideia depois de, supostamente, terem conversado sobre pedir a mesma mulher em casamento. Consigo imaginar o quão constrangedora deverá ter sido essa conversa de tão pouco sentido que faz. Apesar disso, Afonso Pimentel diverte ao ter as melhores falas em todo o episódio.
- "A primeira vez que levei no focinho foi de ti", diz a Nazaré;
- "Crescemos juntos e quero continuar a crescer contigo";
- "Vem para aqui, pá", diz para Nazaré quando, num sonho, esta diz que o prefere ao Duarte.
Depois de estabelecido o pedido, a novela volta a saltar no tempo sem qualquer explicação aparente. Estamos agora nos 27 dias seguintes a seguir ao pedido de casamento, um período de tempo que, aparentemente, deu para tratar da igreja, do vestido de noiva, da lua de mel e do copo de água.
É que Nazaré surge vestida de noiva, a olhar o mar, e a dizer que gostava de começar já a sua vida nova com o companheiro a seu lado. Problema? Não é como se tivessem passado seis meses desde o pedido. Foram apenas 27 dias, senhores argumentistas. Nada bate certo. Mas há um casamento para fazer e, portanto, Nazaré e Duarte estão prontos para fazer as juras de amor eterno quando Bárbara, outra das vilãs, surge do nada e dá um tiro em Nazaré depois de a acusar de ela lhe ter roubado o namorado.
"Ah, mas olhe que o tiro não atingiu Nazaré." Então para quê tanto tempo no chão? Para o espetáculo, certo. Uau.
O choque, o horror, a tragédia. Mas afinal, não. Ahahaha. É que a Polícia Judiciária sabia que a vilã iria tentar intrometer-se no casamento e fez-lhe uma espera para a capturar. Uma vez capturada, Nazaré, que acabou de levar um tiro, levanta-se. Há um casamento para consumar e nada — nem mesmo uma bala, que a poderia ter morto, mas que afinal nem um traumazinho lhe deixa — a poderá impedir.
Corta para António, o ex-namorado de Nazaré que não se conforma com a escolha da amada em querer casar com Duarte e aparece na igreja para a confrontar uma vez mais.
Até esta altura, já estava em ânsias. Será que não haveria forma de este casamento acontecer? Era reviravolta atrás de reviravolta que parecia arrastar a história só porque sim. Enquanto isso, o padre, coitado, olhava impávido e sereno para o que estava a acontecer na sua igreja. A juventude está perdida, ter-lhe-á passado pela cabeça uma e outra vez.
No final, Nazaré diz que ela e António tiveram uma "história linda", mas que prefere Duarte. Este vai-se embora, inconformado, e quando está prestes a ligar o carro, uma rapariga gira que nunca viu entra-lhe pelo veículo a dentro a pedir para saírem depressa dali porque o ex-namorado a estava a perseguir.
O propósito, mais uma vez, é nulo, mas deixa a indicação no espectador de que aqueles dois poderão vir a apaixonar-se mais tarde. Não interessa como ou porquê. Aqui a lógica não existe.
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Pois.