Pode não gostar de novelas, mas não faz mal porque "Pôr do Sol", a nova grande aposta da RTP para este verão, também não o é. No entanto, pega de empréstimo algumas convenções que fazem da novela um dos formatos de ficção mais vistos em Portugal para, ao longo de 16 episódios, brincar com elas. E porque o respeitinho é muito bonito, brincar é a palavra-chave. Não se faz troça; brinca-se com um registo que é de fácil paródia e que, regra geral, é visto com desdém não só pelo público, mas também por profissionais do meio do entretenimento em Portugal.
Estreada esta segunda-feira, 16 de agosto, "Pôr do Sol", a nova minissérie da RTP que, a partir de agora, poderá ser seguida diariamente e à mesma hora no canal, faz por dizer exatamente ao que vem nos primeiros minutos da estreia.
Numa praia de Santarém, em 1991, Madalena Bourbon de Linhaça (interpretada em jovem por Bárbara Branco, e em adulta por Sofia Sá da Bandeira) vê-se a braços com o dilema de ter de abandonar uma das filhas gémeas por resultarem de uma relação extra-conjugal com o caseiro da Herdade Pôr do Sol, gerida pelo magnata Eduardo Bourbon de Linhaça (Marco Delgado).
O diálogo nonsense que contrasta com o drama
A banda sonora marca o tom tenso e dramático da cena que, a qualquer altura, ameaça subir de tom. A novidade é o facto de a carga dramática ser suavizada, e intercalada, com os diálogos nonsense das personagens envolvidas no dilema.
— "Temos de dar uma das nossas filhas, Madalena."
— "Mas porquê?" — "Porque sim, Madalena. Porque és casada com o engenheiro Eduardo. Se ele descobre que tiveste duas filhas com o caseiro, é capaz de te despedir."
— "Ele não sabe de nada. Escondi esta gravidez. Disse que era intolerante às favas."
— "Ele vai descobrir. Olha para estas meninas e diz lá se não são a minha cara. São a minha cara. Olha a barba."
Depois de decidirem que filha ceder a um homem estranho que aguarda junto ao barco que levará a criança para fora de Santarém (e que tem pressa de sair dali porque o cunhado vai jogar na "Roda da Sorte" ao final do dia), a imagem perde o fluidez.
A ação passa a mostrar-se em câmara lenta enquanto o barco se lança ao mar e os pais, desgostosos, veem a filha partir. Do barco, o homem estranho acena: "Prometo que vou cuidar bem dela e nunca vou deixar que nada lhe aconteça."
De repente, BAM. O barco explode aleatoriamente e a filha é dada como morta.
Mas não morreu e, cerca de 30 anos depois, uma das gémeas (ambas interpretadas por Gabriela Barros) vive em Santarém, enquanto a outra está em Lisboa, a gerir uma revista de moda que luta por se manter no ativo à medida que as visualizações mensais caem a pique — mesmo que já tenha esgotado os funcionários para posar nus na capa. A solução? Fazer com que Júlio Isidro se dispa para a revista.
É este o registo, que se assume sempre cómico e a pisar o risco, que marca o primeiro episódio e que deverá marcar a série até ao fim. Prova disso é o facto de esta ser a única série em que pode ouvir frases como "posso ser um simples trabalhador do campo que nunca jogou consola, mas tenho a minha honra" ou "sei que foste tu que envenenaste os cavalos com tofu" no meio de uma discussão.
E embora "Pôr do Sol" faça por incluir diálogos o mais bizarros possíveis, e que num qualquer outro contexto seriam inverosímeis, a verdade é que muitos não têm valor humorístico e pareçam forçados. Apesar disso, fazem rir porque a entrega dos atores, sempre sérios, é incólume. Quantas vezes terão desmanchado na interpretação? Fica aqui o pedido para que a RTP divulgue imagens das cenas cortadas.
Ao longo do episódio, há excesso de drama e de emoção, mesmo que o assunto seja trivial, como quando a personagem interpretada por Manuel Cavaco decide cortar lenha dentro de casa por já não ter idade para o fazer no jardim, consequência de dormir nu (?). Ou quando a banda da qual Lourenço (Diogo Amaral) faz parte, interrompe os ensaios porque ele "está muito agressivo, 'pá".
Todas estas personagens se relacionam umas com as outras: Lourenço, que trabalha na herdade, faz par romântico com uma das gémeas boas, o que leva António (Manuel Cavaco), o pai, a ter um desgosto e a ficar mais afetado da sua sinusite.
Televisão alegre e hilariante
Eduardo Bourbon de Linhaça (Marco Delgado) descobre que tem apenas seis meses de vida e Simão Bourbon de Linhaça (Rui Melo) incentiva os empregados da herdade a revoltarem-se contra o patrão — fazendo uso da convenção básica que dita que o vilão tem de olhar para a câmara e fazer ar de sacana enquanto pensa no seu plano maquiavélico.
E pelo meio, ainda temos oportunidade de ver a personagem de Diogo Amaral a fazer publicidade a uma espécie de douradinhos da Pescanova, quebrando por completo a barreira que existe entre atores e espectadores, falando diretamente para a câmara. Em Lisboa, a outra gémea tem a consciência plena de que não é órfã (embora, segundo a patroa, se vista e fale como uma) e já contratou um grupo de cientistas para lhe traçar o mapa da linhagem.
"Pôr do Sol" é para quem vê novelas, seja por gosto ou vontade de dizer mal. Mas também é para quem, mesmo não vendo, lhe conhece as manhas porque, ao jantar, já se habituou à mãe, ao pai ou à avó a contarem as desenvolvimentos mais recentes da novela que acompanham religiosamente.
Mas mais do que isso, é televisão alegre, despretensiosa e hilariante. Talvez aquilo de que mais precisemos agora, ainda em pandemia.
Escrita por Henrique Cardoso Dias e realizada por Manuel Pureza, do elenco de "Pôr do Sol" fazem ainda parte nomes como Noémia Costa, Sérgio Praia, Carla Andrino, António Melo, Pedro Laginha e Cristóvão Campos.