Sérgio Lopes tem 39 anos e aos 21 viu a vida mudar para sempre. No passado sábado, 5 de março, deu a conhecer a sua história ao País no mais recente programa da SIC. "Tabu", uma adaptação do original belga "Taboe", é um formado conduzido por Bruno Nogueira que tem como objetivo fazer humor com temas que são socialmente sensíveis ou alvo de preconceito e estigma. No primeiro episódio de "Tabu", Bruno Nogueira viveu uma semana com Micaela, Sérgio, Luís e Inês, quatro pessoas com diferentes deficiências físicas.
À MAGG, Sérgio recorda o dia em que um acidente fez com que deixasse de se conseguir movimentar autonomamente. "O que aconteceu foi que o teto [da casa que estava a ser restaurada] desabou antes do que era previsto, caiu em cima de mim, fraturando-me a coluna."
Apesar de ter tido logo a noção de que algo não estava bem, Sérgio achou que o facto de ter deixado de sentir o corpo podia até estar relacionado com o trauma, mas não teve noção da gravidade da situação. Após o acidente foi de imediato transferido para o Hospital de São José, onde esteve internado cinco meses, seguindo-se sete meses no Centro de Reabilitação de Alcoitão, do qual saiu no dia em que passou um ano desde o acidente.
Questionado sobre qual o momento em que percebeu que esta ia ser a sua condição para o resto da vida, Sérgio não consegue dar uma resposta concreta. "Nunca sei responder qual é que foi o dia em que eu assumi isso. Acho que foi todo um processo. Há medida que iam passando os dias, os meses, ia percebendo. Em Alcoitão também, quando fui vendo que outras pessoas iam tendo alta, mas saiam de lá quase na mesma. Acho que foi aí que fui assumindo que qualquer dia seria a minha vez."
"O que está à minha volta é que faz com que eu repare que a minha situação pode ser mais chata"
Sérgio saiu de Alcoitão dependente de uma cadeira de rodas. Antes do acidente, trabalhava como pasteleiro e era bombeiro voluntário: duas atividades que teve de deixar por força das circunstâncias. Apesar de tudo, confessa não ter passado por momentos de revolta devido à situação em si, mas por causa do que o rodeia.
"Eu costumo dizer que estou estável e estou bem, o que está à minha volta é que faz com que eu repare que a minha situação pode ser mais chata ou não: falta de acessibilidade, situações de assistência pessoal, poder decidir o que quero fazer e quando quero fazer, o facto de estar dependente de algo que podia ser resolvido com outras alterações no próprio sistema(...)", diz.
A vontade de lutar pelos direitos das pessoas com condições semelhantes à sua foi o que o fez, há cerca de 10 anos, entrar no mundo do associativismo. "Sou dirigente associativo do Centro de Vida Independente e estou ligado aos movimentos de pessoas com deficiência."
Para Sérgio, a falta de acessibilidade é aquilo que mais lhe causa angústia: "o não poder ir a qualquer lado sem perceber se o espaço é acessível ou não, e a liberdade de poder tomar as minhas decisões onde quero e quando quero."
"Fui um dos contemplados para usufruir da assistência pessoal, mas há muita coisa ainda por fazer"
Já faz quase três anos desde que Sérgio saiu de casa dos pais. Atualmente, vive com uma companheira, mas frisa não querer estar dependente dela nem dos familiares para fazer as suas tarefas diárias. Por isso, conta com uma assistente pessoal.
"Quero delinear a minha vida e todos os projetos a pensar que tenho de ter uma assistente pessoal para que, quando eu quiser tomar as minhas decisões, ter logo ali alguém para me ajudar." À MAGG, explica que a assistência pessoal em Portugal, por enquanto, se trata de um projeto piloto que foi lançado há cerca de dois anos.
"Eu fui um dos contemplados para usufruir da assistência pessoal, mas há muita coisa ainda por fazer. No meu caso, eu tenho o direito de escolher quem eu quero (sou eu que entrevisto as pessoas), e quem paga são os centros de apoio à vida independente que foram criados pelo Estado", explica, frisando que esta é uma possibilidade que, infelizmente, ainda chega a muito poucas pessoas com deficiências físicas. No caso do Centro de Vida Independente do qual faz parte há 19 pessoas a usufruir desta possibilidade, "mas só no inicio já havia cerca de 90 inscritos", conta.
Outro problema está ainda relacionado com a inserção no mercado de trabalho. Neste momento, Sérgio encontra-se em teletrabalho e exerce funções na área de apoio ao cliente da Vodafone, mas, à MAGG, relata que, em Portugal, ainda há um grande desconhecimento por parte das empresas no que diz respeito à empregabilidade de pessoas com deficiência.
"Muitas empresas têm receio e pensam logo que vão ter muitos problemas [em contratar pessoas com deficiência], que aquela pessoa vai faltar muitas vezes ou que tem de alterar todo o local de trabalho para receber aquela pessoa. Muitas vezes, nem sequer sabem o que aquela pessoa pode fazer pelo desconhecimento que têm. Às vezes, nem é preciso pensar tanto, é só perguntar à pessoa quais as suas capacidades."
Para que as coisas mudem, Sérgio considera crucial trazer estes assuntos para cima da mesa. "A falta de acessibilidade, a inserção no mercado de trabalho ou até a sexualidade: todos estes temas têm não só de ser falados como reforçados."
No caso da sexualidade, Sérgio frisa que há ainda um grande desconhecimento por parte da população no que diz respeito à possibilidade de pessoas com deficiências físicas como as suas terem filhos. "Não é nada que esteja nos meus planos próximos, mas há essa possibilidade. É feita uma recolha de esperma e feita a fertilização. É o processo normal sem a penetração."
Estes são, aliás, temas que Sérgio vai abordando ao longo do programa da SIC, "Tabu".
"Acho que dá para brincar e fazer humor com tudo, desde que seja bem feito"
Quando confrontado com a possibilidade de ser um dos participantes, diz não ter hesitado. "Aceitei logo. O único receio que tive foi não saber o impacto ou as vozes negativas que iam surgir para um tipo de programa daqueles. Mas eu, pessoalmente, nunca tive receio nenhum", diz, confessando saber que era um programa que ia ter reações positivas e negativas.
"Tal como apresentei na altura à produção, e mesmo para os tranquilizar da minha parte, eu disse que este programa poderia levantar mais vozes, mas é igual a outro programa qualquer que dá na televisão do qual há pessoas que gostam e outras que não."
Durante uma semana, Sérgio, Micaela, Luís e Inês viveram com Bruno Nogueira e com a equipa do programa: uma experiência que foi depois passada na televisão.
"Foi uma semana em que estivemos com a equipa e o apresentador e em que mostrámos também aquilo por que passamos no nosso dia a dia. Acho que dá para brincar e fazer humor com tudo, desde que seja bem feito. As piadas são para ser feitas no contexto certo e no momento certo. Aquilo é um programa de humor e é só isso que as pessoas têm de pensar. E o humor é mesmo isso: gosta-se ou não se gosta."
O feedback positivo após o programa
Para Sérgio, levar a vida com humor não é uma novidade (e quem o conhece ou segue nas redes sociais consegue perceber isso), mas com este programa quis também mostrar que não é por brincar com a situação que não merece ser levado a sério.
"Para mim foi uma sorte ter sido um dos escolhidos e sinto-me um privilegiado por vários fatores: um deles foi ter conhecido uma pessoa que era uma referência para mim há muitos anos e depois foi ter a oportunidade de aproveitar isto para passar o outro lado. Não quero que olhem para mim como a cara de algo, mas podem perceber, através da minha história, que há os dois lados de tudo", frisa.
"Não é por eu ser uma pessoa que só publica coisas engraçadas que não posso ser levado a sério quando falo a sério. Porque eu quando saio de casa sei as dificuldades que tenho e vou continuar a reclamar de não poder ir aqui ou ali por as coisas não estarem adaptadas", continua.
À MAGG, confessa que o resultado final do primeiro episódio de "Tabu", exibido na SIC a 5 de março, o deixou bastante contente devido não só ao conteúdo mas à forma como está organizado, que mostra os "altos e baixo", de forma intercalada.
"O programa flui de uma maneira muito boa e aquilo de que mais gostei foram algumas mensagens privadas que recebi de pessoas (até com deficiências mais graves do que a minha) a dar-me os parabéns e a dizerem que adoraram o programa. Disseram que a mensagem que o programa passa é essa mesma: pode-se brincar com tudo e ao mesmo tempo consegue-se passar uma mensagem sobre as dificuldades que as pessoas passam no dia a dia", releva Sérgio.
Apesar de considerar que há sempre pessoas que não vão gostar do formato, aconselha a que todos lhe deem uma oportunidade. "Tudo o que o programa quer passar é uma mensagem boa. Mesmo que não tivesse participado, eu seria um dos espectadores, de certeza absoluta", remata.
Este sábado, 12 de março, no segundo episódio de "Tabu", Bruno Nogueira vai fazer humor com o tema das doenças terminais.