Aos 22 anos, descobri como era voar em "primeira classe". Até agora, tinha viajado sempre em classe económica (maioritariamente nas Ryanair's da vida), pelo que não tinha termo de comparação. Tinha, sim, uma ideia pré-concebida daquilo que era voar na parte da frente do avião.
Se formos a ver, a máquina é a mesma. Não se chega ao destino mais rápido por se estar em "primeira classe" nem custa menos a estar sentado horas e horas seguidas nos lugares da frente em vez dos de trás — pelo menos, na minha experiência. Foi a bordo do voo OBS-863, da companhia aérea espanhola Iberojet, com partida de Lisboa e destino a Cancún, no México, que me estreei nestas andanças.
Na Iberojet, a categoria que se designa por "primeira classe" é a classe "turista plus". Em pouco mais de 9 horas estava em terras mexicanas. Parti às 15h25 do Aeroporto Humberto Delgado e cheguei ao de Cancún pelas 19h30 (hora local), do dia 26 de junho. Apenas descobri no aeroporto que ia viajar nesta "primeira classe", e nem sequer sabia muito bem o que é que isso significava.
Ia poder deitar o assento do avião por completo? Ia ter a minha própria cabine? Ia degustar de um banquete de sonho? Ia poder atualizar alguma série? Ou isso só acontece nos Instagrams das influencers e nos filmes? Para quem nunca voou em "primeira classe", aqui fica um escrutínio do que acontece (ou pelo menos do que aconteceu, no meu caso, nesta companhia aérea).
Não precisa de sacar conteúdos: o entretenimento está assegurado
A ignorância quanto ao mundo da "primeira classe" era tanta que, quando entrei no avião, dirigi-me até à zona do meio, à procura do meu lugar (que ficava na fila 3). Quando perguntei, mandaram-me voltar para trás, pois ficava mesmo junto à cabine do piloto. Sabia que a classe premium ficaria situada na frente do avião, mas é do hábito (de pobre, no caso).
Também foi a minha estreia a voar com a Iberojet. O assento era confortável, mas o espaço para as pernas era o do costume (pouco). Além do tabuleiro, tinha também um ecrã, algo novo para mim dentro de um avião. "Será que tem Netflix?", pensei logo. Spoiler: não, não tem. Ainda bem que saquei a nova temporada de "Stranger Things".
No entanto, mesmo que não o tivesse feito, seria difícil sentir-me entediada, já que estes tablets presos à traseira da cadeira tinham filmes e séries. Podia ter revisto os dez primeiros episódios de "Friends" ou os cinco primeiros de "How I Met Your Mother", podia ter começado a ver "New Girl", "Mr Bean: The Animated Series" ou até "Grey's Anatomy", que contava com nove episódios.
Porém, e porque não há tempo para começar novos programas, decidi cingir-me ao que tinha descarregado. Havia um leque imenso de filmes, inseridos nas diferentes categorias: western, de guerra, thriller, ficção científica, romance, mistério, terror, fantasia, para toda a família, drama, crime, comédia, animação, aventura e ação.
Os viciados em ação poderiam entreter-se com "Batman v. Super-Homem", "Godzilla" ou "Suicide Squad". Para os misteriosos, "Sherlock Holmes", e para os românticos "New Year's Eve". A nível de películas de crime, ofereciam "Now You See Me" e "Joker" (entre outros) e, no que diz respeito a ficção científica, "A.I.: Inteligência Artificial" ou "Tenet" eram algumas das opções.
Os "potterheads" também estavam servidos, já que eram disponibilizados "Harry Potter and the Deathly Hallows - Part 1" e "Harry Potter and the Half-Blood Prince". Eu nunca vi a saga, e também não seria desta, já que estes são o penúltimo e o antepenúltimo filmes... critério estranho. Teria de rever o "Divergent" ou ver finalmente dramas como "Before Midnight", "American Sniper", "Gran Torino" e "Hacksaw Ridge".
"O Sexo e a Cidade" ainda me puxou, mas não o suficiente. Em termos de comédia, quem ia a bordo da zona premium podia também ver filmes como "Crazy Rich Asians" ou "Get Hard". Também havia "Elf", "Fantastic Beasts and Where to Find Them" e "The Polar Express", bem como "Lego Movie 2" e "Happy Feet 2" — mais uma vez, um critério estranho, ao não disponibilizarem os primeiros filmes.
Experiências gastronómicas que conseguem extinguir preconceitos
Escrutinado o catálogo de filmes e séries, investiguei o restante tablet, que continha uma entrada USB perfeita para carregar o telemóvel e ainda um sítio para inserir fones (e assistir aos conteúdos sem incomodar os vizinhos do lado). Deixou os seus em Terra? Não faz mal. A companhia aérea fornece-lhe uns — que até vêm numa bolsa toda catita.
Através do tablet, era possível chamar a tripulação e ligar e desligar a luz de cima (onde costuma estar a ventilação). Dava para mudar o idioma (para espanhol, inglês, italiano ou português) e para selecionar o modo "não incomodar", útil para quando tencionamos fazer uso da almofada e da manta que nos facultam logo ao início da viagem — por sua vez úteis, já que está sempre um frio que não se aguenta nos aviões.
Além de um canal infantil e de uma secção para responder a um questionário, este pequeno ecrã tinha também uma revista de bordo, com notícias de zonas como Punta Cana, Maurícias, Havana, Costa Rica ou Cancún, e um mapa, que mostrava, a todo o momento, quanto faltava para chegarmos. Era suposto também podermos ver que local sobrevoávamos, mas essa função estava indisponível.
Como se não bastasse, este aparelho eletrónico também continha uma secção de jogos, que permitiam aos passageiros jogar solitário, xadrez, sudoku, bilhar ou até ao jogo do galo. Por fim, era possível aceder ao menu das refeições existentes, a que tive acesso uns dias antes do voo, para que pudesse eleger com o que queria encher a barriga.
Tinha selecionado um menu com uma massa pancerotti, uma salada caprese e, como sobremesa, tiramisù. Mas acabou por me chegar um tabuleiro que apenas acertou no ingrediente principal: massa. O meu desejado tiramisù foi substituído por uma salada de frutas (dieta forçada?) e a massa era tortellini recheado com abóbora, molho de queijo e tomate cherry. Para aquilo que eu esperava de comida de aviã0, não estava nada má.
A salada, com tomate cortado aos cubos, queijo feta e croutons, também me satisfez. Acompanhei com uma coca-cola com gelo (que me soube pela vida) e, no final, terminei com chave de ouro: um chocolate Guylian que deram como miminho a todos os passageiros. Destas regalias não há lá atrás. Nem galheteiro em miniatura, fofos como tudo.
Afinal, há crianças inconvenientes em todas as zonas dos aviões
Depois de almoçar (lanchar?) às 17 horas, carreguei no "play" e comecei a devorar "Stranger Things". Fui ganhando algum sono, mas, quando queria desfrutar do meu "set de descanso" (aquilo a que chamam ao conjunto almofada + manta), os passageiros da fila de trás tinham outros planos para mim.
Pois é. Por mais regalias que se procure durante a viagem de avião, há uma coisa que é comum em qualquer uma das zonas ou companhias: crianças irrequietas. A disposição do avião era: janela - dois lugares - corredor - quatro lugares - corredor - dois lugares - janela. Eu estava nos do meio e, atrás desses, estava uma família: um pai, uma mãe e dois filhos.
As duas crianças deviam estar entre os dois e os cinco anos, portanto, na famosa "idade dos porquês". E tanto "porquê" se ouviu naquele avião... Isso e "já estamos no ar?", "já chegámos?" e "ainda falta muito?". Ambos recusavam-se a dormir a sesta e o mais novo, em particular, estava com a corda toda. Cada vez que o pai o ignorava, não descansava até obter alguma resposta. Nem que para isso tivesse de dizer (quase gritar) "pai" dez vezes.
Nada que os fones não resolvam, não é? Claro. Contudo, mesmo abafado o sonoro, tive direito a massagens que não pedi — os clássicos pontapés. Os meus olhares lancinantes remediavam a situação durante algum tempo, mas, às tantas, lá estava o puto a espernear outra vez. Se nem numa "primeira classe" nos livramos de miúdos irritantes e barulhentos, de que serve a distinção?
Esteve de dia durante todo o tempo em que voámos para o México. Foi uma sensação estranha ver no telemóvel que era uma da manhã e continuar uma claridade tremenda dentro do avião, graças ao sol, que entrava pelas janelas. A cerca de uma hora de aterrarmos, já eu estava faminta. Qual não foi o meu espanto quando apareceu um novo tabuleiro?
Desta vez, o repasto era igual para todos: bacalhau com cuscuz e rúcula. Além do peixe, vinha também uma tábua de queijos, com noz e uvas (algo que nunca esperei comer a bordo de um avião) e... salada de frutas. Outra vez. Continuo a pensar no tiramisù que não comi, embora não possa dizer que fui mal alimentada. É só a gulodice a falar (escrever) por mim.
No geral, voar em "primeira classe" — ou em classe "turista plus", neste caso — foi uma experiência diferente. Desmistificou algumas das suposições que tinha e surpreendeu-me em certos aspetos. A comida era bem melhor do que aquilo que eu esperava, o tablet continha o necessário para tornar a viagem o mais agradável possível e a tripulação foi cinco estrelas. Só que agora não sei como é que vou voltar a voar sem almofada e mantinha...
*A MAGG voou para o México a convite da Iberojet e da Jolidey
* Artigo publicado originalmente em 2022 e agora adaptado