Em plena loucura da estreia de "Gladiador II", o mundo ficou a saber, quer através das inúmeras entrevistas do realizador e dos protagonistas, quer de reportagens como a da MAGG, que parte dos exteriores do filme de Ridley Scott tinham sido filmados em Malta, mais concretamente no Forte Ricasoli.

Mas Malta (país da União Europeia constituído pelas ilhas de Malta, Gozo e Comino) é muito mais do que um paraíso para realizadores de cinema e produtoras de televisão, que têm simpáticos retornos financeiros pagos pelo governo caso escolham este país do Mediterrâneo para as suas produções. Este arquipélago, situado a apenas três horas de voo de Portugal, está repleto de mistérios, História, ligações ao nosso País, águas mornas e cristalinas, natureza e comida deliciosa (e barata, o que é sempre um ponto a favor).

Situado no coração do Mediterrâneo, este país com 550 mil habitantes (um quinto da população é estrangeira) é o mais densamente populado da Europa. Devido à influência britânica (Malta foi uma colónia até 1964, ano em que se tornou independente), cerca de 90% da população fala inglês. Mas é o maltês que domina entre a classe trabalhadora e os mais velhos, com cerca de 78% da população a usar esta língua (a única de origem árabe escrita com o alfabeto latino) no dia a dia.

Devido à sua posição estratégica no Mediterrâneo, Malta foi o país mais bombardeado durante a II Guerra Mundial. Além de bunkers espalhados pelas ilhas, é ainda possível ver as marcas do conflito nos edifícios. A religião católica é a oficial do país, estando estabelecida na Constituição. O fervor religioso dos malteses está intrinsecamente ligado com a Ordem Militar e Hospitalária de São João, fundada em Jerusalém e que, depois, se estabeleceu em Malta, tendo sido a responsável por fundar a cidade que, até aos dias de hoje, é capital.

Mas, desde o início das civilizações, mais concretamente desde o neolítico, que o arquipélago é habitado. Por lá passaram fenícios, gregos, cartagineses, romanos, bizantinos, árabes, italianos, portugueses (que deixaram um legado importante na ilha) e, até meados do século XX, o domínio britânico.

Esta pluralidade histórica faz com que Malta, plena de História, mistérios e histórias para contar, seja um destino obrigatório.

Saiba o que ver, ouvir e comer em Malta.

1 - Passar um dia em Valetta, cidade Património da Humanidade

Assim que chegar à zona histórica de Valetta, vá ver (ouvir) a Saluting Battery, as tradicionais salvas militares. Acontecem todos os dias, às 12 e às 16 horas e, enquanto ali está, pode contemplar a vista para o porto. Depois de passar pelos Upper Barraka Gardens, um dos melhores spots para tirar fotos instagramáveis, entre na zona mais movimentada de Valetta, onde estão os principais monumentos, museus, mas também bares, restaurantes, esplanadas e edifícios históricos.

Os antigos palacetes foram sendo progressivamente transformados em alojamentos acessíveis a toda a gente, portanto é bem possível que, quer em Valetta quer noutras cidades, como Rabat ou Birgu, a casa (ou uma pequena parte dela) de uma pessoa de classe média tenha pertencido outrora a um nobre.

Saluting Battery em Valetta, Malta
Saluting Battery em Valetta, Malta Saluting Battery em Valetta, Malta

A história da capital de Malta está intimamente ligada com a Ordem Militar e Hospitalária de São João, por isso impõe-se uma visita à Cocatedral de São João. Com oito capelas, é considerado um dos mais belos exemplos de arte barroca do mundo, devido ao trabalho intrincado em talha dourada. Um dos pontos de maior interesse é a capela onde estão expostos vários trabalhos de Caravaggio, pintor italiano que morreu em Malta, sendo a principal atração a colossal pintura "A Decapitação de São João Baptista".

E é na Cocatedral de São João, a igreja mais importante de Malta, que ficamos a conhecer a ligação de Portugal a este arquipélago. Sob o domínio da Ordem de Malta, que durou 25o anos e terminou com as invasões napoleónicas, o soberano era o grão-mestre. Dois dos mais respeitados foram precisamente portugueses: Manuel Pinto da Fonseca e António de Vilhena (cujas sepulturas se encontram na cocatedral).

Manuel Pinto da Fonseca, nascido em Lamego, foi grão-mestre entre 1741 e 1773. Qormi, cidade maltesa, tem até aos dias de hoje um segundo nome, Città Pinto, em honra da família Pinto da Fonseca. António Manuel de Vilhena, 66º grão-mestre da Ordem de Malta, foi um dos poucos líderes desta época amados pela população maltesa. Além de ter criado várias instituições de caridade e de ter mandado construir Floriana, atualmente subúrbio de Valetta, mandou edificar o Forte Manuel e o Teatru Manoel, considerado um dos mais antigos da Europa ainda em funcionamento.

Outro ponto de passagem obrigatória em Valetta, cidade que é Património da Humanidade, é o palácio do Grão-Mestre, que serviu de residência aos líderes da Ordem de São João e, depois das invasões napoleónicas, se tornou residência oficial do governador. Atualmente, o edifício, aberto ao público, é também a residência oficial do presidente de Malta. Além da fascinante exposição na Sala de Armas (que, como o nome indica, exibe todo o género de objetos bélicos usados pela Ordem de São João), há um imprescindível retrato da rainha Isabel II (que viveu na ilha antes de ser coroada monarca, quando o marido, o príncipe Filipe, foi destacado para servir na Marinha).

Do sagrado e político para o profano, sugerimos que um final de tarde em Valetta seja passado na Strait Street. Outrora local reservado ao comércio do sexo, agora esta zona da capital de Malta é conhecida pela oferta de restaurantes, bares e hotéis.

2 - Passar um dia na ilha de Gozo

Da ilha de Malta à de Gozo é um instantinho. Basta ir até ao porto de Ċirkewwa, apanhar o ferry e, enquanto não chega a Mġarr, em Gozo, contemplar as duas ilhas: Gozo à esquerda, Comino à direita. Os preços começam nos 4,65€ (passageiros) e vão até aos 15,70€ (carro + condutor) e há partidas de 45 em 45 minutos de ambos os pontos. Em Comino, que não visitámos, ficam dois dos spots mais procurados e instagramáveis do arquipélago: a Blue Lagoon e a Crystal Lagoon. Outra das opções é alugar um barco e ter maior liberdade para explorar as duas ilhas. 

Rabat, ou Victoria, é a capital da ilha. Nomeada em honra do jubileu de ouro da rainha Vitória, em 1887, esta cidade fortificada, de que a sua encantadora cidadela é o maior ponto de atração, tem também a única catedral da ilha, a Catedral da Assunção. Depois de uma visita à cidade, descobrimos um dos tesouros mais bem guardados de Malta: os vinhos.

Na Vini e Capricci, cooperativa onde é possível fazer refeições, provas e comprar produtos locais, travámos conhecimento com a Marsovin, a maior produtora de Malta. Os brancos como o Antonin e o Laurenti, superaram as nossas expectativas e os tintos também não desiludiram. A prova foi acompanhada por alguns petiscos malteses, dos quais destacamos zalzett tal-Malti, um enchido de porco, e ġbejna, queijo local. E porque o calor já apertava, tivemos de dar um imprescindível mergulho no Mediterrâneo. Elegemos a praia de pedra rolada na baía de Xwejni, mesmo ao lado da salinas centenárias que, ainda hoje, produzem sal segundo tradições ancestrais.

Malta oferece-nos uma experiência radicalmente diferente de outros destinos do Mediterrâneo já esgotados pelo turismo de massas: o que falta aqui em infraestruturas fancy, sobra em autenticidade. Imaginem mergulhar em águas por onde passaram, ao longo de séculos, povos oriundos de outras paragens, e, mesmo ao vosso lado, um grupo de idosas maltesas conversa alegremente dentro de água. Bate qualquer cama balinesa, vão por nós. 

Antes de regressar a Malta, não se esqueça de parar para contemplar a Ramla Bay, considerada a melhor praia da ilha, e onde fica a gruta de Calypso. Esta será a gruta mencionada por Homero no poema épico "Odisseia", o local onde a ninfa Calipso manteve Ulisses prisioneiro durante sete anos após o seu navio ter naufragado.

3 - Passear a cavalo na Golden Bay (a preços de saldo)

Se aprecia passeios a cavalo com paisagens magníficas, daquelas que vão render fotos incríveis para encher o Instagram até 2026, então Malta é o sítio certo. E ainda vai poupar dinheiro porque passeios de uma hora a 30€ por pessoa não existem em quase lado nenhum (pelo menos em Portugal são quase o dobro).

Passeio a cavalo na Golden Bay, no nordeste de Malta
Passeio a cavalo na Golden Bay, no nordeste de Malta Passeio a cavalo na Golden Bay, no nordeste de Malta

Como não somos geração Z e a nossa experiência a coordenar cavalo + telemóvel é nula, não tirámos fotografias durante este passeio, proporcionado pela Golden Bay Horse Riding. Vale-nos o Instagram para mostrar o que pode ver, caso opte por um programinha destes.

Durante este passeio, vai passar pela zona costeira do Majjistral Nature and History Park, o primeiro parque nacional de Malta. Esta zona estende-se desde a Anchor Bay (onde fica a famosa Popeye Village) até à Golden Bay. Antes de chegar à zona mais instagramável, perto do mar, há ainda uma passagem por instalações do exército britânico, agora desativadas.

4 - Catacumbas de São João em Rabat e "Guerra dos Tronos" em Mdina

Rabat e Mdina são dois sítios distintos mas, na prática, ficam lado a lado. Mdina, também conhecida como a Cidade do Silêncio, é a povoação amuralhada que os fãs mais entusiastas de "Guerra dos Tronos" vão reconhecer porque por ali passaram as gravações da série (não a de Gozo, mas a de Malta) baseada na obra de George R.R. Martin. Rabat é a cidade que fica fora das muralhas e onde ficam as famosas Catacumbas de São Paulo.

Ao contrário do que o nome indica, não vai encontrar os restos mortais de São Paulo nas catacumbas. Trata-se de rede de câmaras subterrâneas, usadas como cemitério tanto pelos romanos como, mais tarde, durante o período de cristianização. Já em Mdina, reconstruída após o terramoto de 1693, vale a pena visitar a catedral de São Paulo e também a Igreja da Anunciação, onde está instalada a ordem das Carmelitas.

No arquipélago de Malta há, no total, mais de 600 igrejas e palácios. Católicos fervorosos, os malteses dizem com orgulho que o país tem uma igreja para cada dia do ano e é quase verdade, uma vez que existem, no total, 359. 

5 - Conhecer Birgu, a cidade mais antiga de Malta

Lawrence Ellul, que faz parte do grupo de voluntários da Igreja de São Lourenço, em Birgu, mostra-nos orgulhosamente uma imagem de Nossa Senhora de Fátima, uma das mais recentes aquisições da primeira sede da Ordem de Malta, antes de esta se ter transferido para Valetta. Birgu foi, aliás, a primeira capital de facto de Malta, sendo esta a cidade que era necessário controlar caso se quisesse dominar o território. 

Em Malta, é muito comum que as pessoas sejam batizadas com o nome dos santos padroeiros das suas localidades. É por isso que, em Birgu, abundam os Lawrence (Lourenço), em homenagem ao santo cujo martírio está ilustrado na pintura de Mattia Preti, situada no altar principal. O nosso anfitrião leva-nos depois até ao museu da igreja (que se pode visitar mediante marcação) e onde nos mostra, divertido, alguns tesourinhos interessantes: registos do tempo da Inquisição e uma secretária, outrora propriedade do ditador italiano Benito Mussolini.

E, por falar em Inquisição e ditadores, um dos pontos de paragem obrigatória é o Palácio do Inquisidor. Este regime instituído pela Igreja Católica dominou Malta durante mais de dois séculos, tendo sido apenas abolido com as invasões napoleónicas.

Também conhecida como Città Vittoriosa, Birgu é o local ideal para passear sem destino, pelas ruas estreitas, onde abundam as portas coloridas, os santos ou imagens de Virgens e, claro, gatos, muitos gatos. Os malteses têm uma estima particular pelos felinos, pelo que é muito comum vê-los passear pelas ruas, atravessar passadeiras e serem tratados como lordes (como de resto, são).

6 - Visitar os templos megalíticos de Malta

Há, no total, sete templos megalíticos em Malta, e todos são Património Mundial da UNESCO. Estima-se que tenham sido construídos entre 5000 e 2000 antes de Cristo. O edifício principal do complexo megalítico de Ħaġar Qim é a mais antiga estrutura autossustentada do mundo. O que quer dizer, em termos práticos, que esta construção é a mais antiga obra humana com paredes e telhado, sem qualquer estrutura acessória que ajude a sustentar esses elementos.

As teorias em torno sobre o que era, para que servia e até de quando data esta construção em pedra virada para o mar abundam, e há até um documentário da Netflix sobre o tema. O episódio de "Ancient Apocalypse", série apresentada por Graham Hancock, argumenta que esta construção poderá ter sido erguida por uma civilização, entretanto desaparecida, que habitou Malta 5000 anos antes da data referida por arqueólogos. Esta teoria gerou polémica no arquipélago, como denota o "Time of Malta", com arqueólogos locais a definir estas hipóteses como "teorias da conspiração".

Certezas não há, apenas teorias. Ħaġar Qim pode ter sido um lugar de culto, uma maternidade, uma vez que foram encontrados restos mortais de mulheres ali sepultadas. Como foram transportadas aquelas pedras, algumas com duas toneladas, ninguém sabe ao certo, embora existam marcas de uma espécie de carris escavados em pedra, por onde podem ter sido deslocados estes blocos.

Monumento megalítico de Hagar Qim
Monumento megalítico de Hagar Qim Monumento megalítico de Hagar Qim créditos: MAGG

7 - Escutar atentamente a língua maltesa

Esta é uma dica de nicho, para quem aprecia verdadeiramente línguas e as suas origens. Embora praticamente toda a gente fale inglês em Malta, o maltês é a língua mais usada no dia a dia. A que soa o maltês? A uma mistura de italiano, inglês e árabe, um cruzamento entre Europa e norte de África, um caldo apurado durante séculos, como é, na verdade, Malta.

O maltês tem origem no sículo-árabe ou árabe siciliano, variedade de árabe magrebino falada no Emirado da Sicília durante o domínio muçulmano, que terminou no século XI. É também a única língua de origem árabe que é escrita com o alfabeto latino.

O que comer (e onde)

Voltámos de Malta com duas certezas e uma hipótese polémica.

  • aqui come-se bem e muito (as doses são generosas);
  • aqui come-se barato;
  • a comida italiana (sobretudo as pastas) são melhores em Malta do que em Itália.

Já gerámos discórdia? Ótimo. Vamos a coisas práticas. É pecado sair de Malta sem comer um pastizz. Estes pastéis de massa folhada, cujo recheio tradicional é de requeijão, comem-se tradicionalmente ao pequeno-almoço ou ao lanche. Encontram-se em qualquer pastelaria ou café de esquina, mas o giro é comprá-los acabadinhos de sair do forno (e quanto mais tasco foi o sítio, melhor) e comê-los com um galão feito com café instantâneo ou com uma Kinnie, o refrigerante local. Nós experimentámos os do Is-Serkin - Crystal Palace Bar, em Rabat. Quanto custa um pastizz num destes sítios? 50 cêntimos. Sim, leu bem. Cinquenta cêntimos. 0,50€. Isso. 

O Caffe Cordina, em Valetta, aberto desde 1837, é uma instituição da ilha e o local perfeito para almoçar ou lanchar um dos doces típicos malteses. Em Marsalforn, na ilha de Gozo, uma encantadora vila piscatória, almoçámos peixe grelhado (um luciano-do-Golfo gigante) no Il-Kartell, um restaurante cinquentenário que vai deixar qualquer português a sentir-se em casa. E na esplanada, com vista para a baía. 

No La Nostra Padrona, na vila piscatória de Marsaxlokk , comemos uma das melhores pastas da nossa vida. Paccheri gamberi e pistacchio com burratina (22,50€), uma massa fresca com um intenso bisque de camarão local, acompanhada de camarões e com uma cremosa burratina. A proximidade da Sicília faz com que muitos habitantes sejam ou dessa ilha ou de ascendência siciliana, o que explica não só a abundância como a qualidade de restaurantes italianos no arquipélago.

Como chegar

A Ryanair tem voos diretos do Porto e de Lisboa para Malta, operados pela Malta Air. De acordo com simulação no site para saída a 18 de janeiro e regresso a 25, a partir de Lisboa, os preços começa nos 91,04€ (tarifa básica, sem malas). A viagem do Porto, com saída a 19 de janeiro e regresso a 26, fica a preços bastante mais atrativos, a partir de 36,78€ (tarifa básica, sem malas).

Dicas úteis

  • Alugar um carro é a forma mais eficaz de conhecer a ilha. No entanto, existe uma abundância de serviços de táxi e TVDE a preços bastante acessíveis, por isso as deslocações são bastante fáceis e económicas;
  • Todos os meses são bons para visitar Malta, uma vez que a ilha tem uma agenda cultural vibrante, com concertos e eventos em praticamente todos os meses do ano. Para quem gosta de celebrações religiosas, as tradições de Natal e Páscoa são imperdíveis. Os meses de verão podem parecer os mais apetecíveis, mas são também os mais movimentados e, em agosto, grande parte da população da ilha de Malta muda-se para Gozo, tornando a visita a esta ilha (e também a Comino) mais confusa;
  • Leve um adaptador de corrente. Devido à influência britânica, as tomadas são do tipo G (com três pinos rectos), enquanto que as europeias são do tipo C (duas pontas redondas e paralelas) e tipo F ( duas pontas redondas paralelas, um buraco acima e dois grampos). É bastante fácil comprar adaptadores na ilha, grande parte dos alojamentos disponibiliza pelo menos um mas pode ir já prevenido e comprar um na Worten por 20,99€.
  • Vá assim que puder. Ao longo da nossa estadia, ficámos com a certeza de que estávamos a conhecer um país prestes a ser engolido pelo turismo de massas mas que, ainda assim, conserva a sua autenticidade (e preços não demasiado escandalosos);
  • Não espere aquela simpatia profissional típica dos sítios dominados pelo turismo. Os malteses são reservados e sérios, podendo parecer até antipáticos num primeiro contacto. É preciso conquistá-los, demonstrando interesse pelo país, pela História e pela cultura.

A MAGG viajou a convite do Turismo de Malta (Visit Malta) e ficou instalada no Mulberries, em Zabbar.