Foi professor de educação física (apesar de nunca ter terminado o curso), depois passou para a força especial da PSP. Os últimos 30 anos foram dedicados ao departamento de segurança do Conselho da União Europeia. Reformado desde o ano passado, João Macedo regressou a Portugal e não tem dúvidas do que quer fazer a seguir: dedicar-se às suas duas grandes paixões, o golfe e as viagens.
João Macedo pode orgulhar-se de conhecer mais de 90 países. Mas a grande maiorias das suas viagens foram feitas de forma tradicional — hotel, voo, guia turístico, família, amigos. Aos 62 anos, decidiu que estava na altura de fazer algo diferente. Depois de ver um anúncio de uma viagem para o Nepal da The Wanderlust, uma agência que leva pequenos grupos em aventuras pelo mundo, sempre acompanhados de um guia (são os chamados Wanderlusters), decidiu arriscar.
Depois de 15 dias de viagem, regressou na semana passada e ainda traz o brilho nos olhos de quem sente que viu o mundo. Na esplanada de um café nos jardins da Gulbenkian, em Lisboa, conversou com a MAGG sobre a surpresa de viajar com pessoas com metade da sua idade, o sentido de dever cumprido depois de subir 5.400 metros de altitude e a vontade de continuar de mochila às costas a descobrir o mundo.
Costumava viajar?
Sim, sempre viajei muito. Mesmo antes de ir para a Bélgica viajava muito — primeiro de carro, depois de comboio. Na Bélgica, e uma vez que havia reuniões em todas as partes do mundo, também viajava. Extra-serviço também.
Recorda-se da primeira grande viagem que fez?
A primeira grande viagem foi quando fui viver para Moçambique com os meus pais, tinha na altura 15 anos. Foi a que me ficou mais gravada na memória. Estive lá até aos 19, 20 anos. Foi uma fase muito importante da minha vida, Lisboa e a Beira [capital da província de Sofala] eram muito diferentes. Em Moçambique também fiz várias viagens, a partir dos 17, 18 anos. Mas as estradas eram assim um bocadinho complicadas [risos]. Portanto, habituei-me a viajar nesse período de forma autónoma.
Viajava sozinho?
Em Moçambique sim. Tinha uma mota e fazia viagens de 300 quilómetros para a selva.
E depois disso? Foi viajando com regularidade?
Sim. No início viajava muito pela Europa. Na Bélgica continuei a explorar a Europa. Mas foram viagens completamente diferentes daquela que fiz agora com a The Wanderlust — foram mais banais, digamos assim.
Também já estava um bocado farto das outras, fiz muitas viagens. Conheci mais de 90 países, sentia necessidade de fazer algo diferente."
Mas há uns anos fez uma grande viagem também um pouco diferente.
A viagem mais de aventura, digamos assim, fiz há sete anos. Fui para a África do Sul durante 24 dias com a minha ex-mulher e uma sobrinha. Foi interessante porque foi tudo feito de jipe — fomos com dois guias e parávamos em toda a parte para acampar. Foi uma viagem muito diferente de todas as que tinha feito antes, mais de sete mil quilómetros de jipe. Vi coisas muitas bonitas, desde o deserto até à selva.
Percorreram que zona?
Partimos do Cabo, percorremos a costa toda, fomos ao deserto da Namíbia, depois para o interior, visitámos os parques naturais todos. Acabámos em Joanesburgo.
Na altura tinha que idade?
55 anos.
E porque é que na altura decidiu fazer uma viagem tão diferente do habitual?
Sempre gostei. Foi diferente no capítulo dos últimos 30 anos de viagens que fiz, porque no início da minha vida viajava muito de mota e de mochila às costas. Foi um pouco um regresso às origens. Também já estava um bocado farto das outras, fiz muitas viagens. Conheci mais de 90 países, sentia necessidade de fazer algo diferente.
Foi uma viagem difícil?
Sim, foi duro. Fazer centenas de quilómetros aos solavancos…
Sete anos depois, decide repetir a experiência, desta vez com uma agência diferente do tradicional.
Recebi um email da The Wanderlust, como tantos outros que recebo e apago. Mas aquele chamou-me a atenção. Em primeiro lugar pela proposta de destino, o Nepal, que sempre esteve no meu imaginário, e os Himalaias, sobretudo. Depois, a descrição muito completa da viagem. E o trekking: eu faço muito trekking no Gerês, de mochila às costas. Quase imediatamente decidi inscrever-me na viagem.
Como é que as pessoas à sua volta reagiram?
Reagiram positivamente. A minha companheira também gosta muito de fazer estas viagens, mas não se sentia com capacidade para ir aos 3.800 metros. Além disso, ainda está a trabalhar. Os outros colegas que tenho… há alguns que me chamam maluco, nomeadamente os do golfe [risos]. Mas de uma forma positiva, claro.
E como é que foi a viagem?
Foi muito interessante. Quando cheguei, estava à espera de encontrar um casal ou dois, não digo da minha idade, mas na casa dos 40, 50 anos. Mas não.
Eram todos jovens?
Sim. No primeiro dia fiquei um pouco apreensivo, tinha quase o dobro da idade da pessoa mais velha a seguir a mim. Mas foi excecional. A primeira pessoa que encontrei foi a Tânia [Neves, líder de viagens], depois chegaram os outros. Correu muito bem, não me senti nada segregado. No fim, acho que foi mais divertido viajar com eles do que com pessoas da minha idade. Neste momento acho que sim. Não houve nenhum atrito, nada. Foi uma viagem muito especial.
Que idade tinham as pessoas com quem viajou?
A mais nova tinha 25 anos. Depois havia um com 27, uma com 28, a Tânia — com 35 ou 36 —, um rapaz com 36 e uma rapariga com 37.
No início foi estranho perceber que ia viajar com um grupo muito mais novo?
No primeiro contacto senti alguma apreensão. Claro que os interesses de um jovem com 20 ou 30 anos são diferentes dos de uma pessoa com 60. No início perguntei-me o que é que eles poderiam querer fazer que a mim não interessaria nada. Nunca aconteceu — antes pelo contrário.
E eles, como é que reagiram quando perceberam a idade do João?
Reagiram bem. Também tive a preocupação de não me armar em paizinho que sabe tudo. Low profile, caladinho, e a pouco e pouco percebi que havia abertura.
Acabou por haver uma surpresa muito agradável: quem se sentisse bem, podia ir até aos 5.400. Disseram-nos isto uns dias antes e eu fiquei logo a pensar: 'Tenho de me sentir bem'. E senti-me."
Com exceção daqueles tempos em Moçambique, costumava viajar sozinho?
Não, raramente. Praticamente ia sempre com a minha ex-mulher. Só em serviço é que ia às vezes sozinho. Viajar completamente sozinho, não. E neste caso também não estava sozinho.
O que é que o seduziu mais nesta viagem?
Seduziu aquilo que eu estava à espera que seduzisse. Há um contacto incomparavelmente superior com a população e costumes locais. Viajámos nos transportes locais, fomos a festas que, sinceramente, se fosse sozinho não teria tido conhecimento [da sua existência]. A Tânia conhece e sabe onde é que se deve ir. Ainda por cima calhou na semana dos festejos hindus, por isso havia muitas celebrações — que não eram para turistas. A última foi bastante forte, uma cerimónia de cremação hindu. Foi uma experiência muito interessante.
Portanto, no que diz respeito ao contacto com as populações foi excecional. Depois, seduziu-me muito o trekking, que faço e gosto. E aqui faço mas não é em altitude, porque o Gerês tem 1.600 metros de altitude no máximo. Quando ouvi falar dos 3.800 fiquei logo interessado. Não sabia qual seria a reação do meu corpo e gosto muito de testar os meus limites. Acabou por haver uma surpresa muito agradável: quem se sentisse bem, podia ir até aos 5.400. Disseram-nos isto uns dias antes e eu fiquei logo a pensar: “Tenho de me sentir bem”. E senti-me.
Como é que o seu corpo reagiu?
Reagiu muito bem, não estava à espera que reagisse tão bem. Há uns anos, numa viagem aos Estados Unidos, estive no Pico Pikes [estado do Colorado], que tem 4.300 metros de altitude. Mas fomos de carro, e eu senti tonturas, dores de cabeça. Aquilo que é costume. Desta vez houve tempo para o corpo se habituar: primeiro fomos aos 2.400, depois para os 3.700 — estivemos aí dois dias. Depois foi sempre a subir, dos 3.700 até aos 5.400.
Sinceramente, senti-me extremamente cansado — a falta de oxigénio não tem nada a ver com o Gerês —, mas não senti náuseas nem dores de cabeça. Nada, absolutamente nada. Gostei muito, fiquei muito satisfeito com esta parte.
O que me seduziu também nesta viagem é que eu gosto muita destas coisas, mas também gosto de, no final, ter um bocado de conforto. Nós sabíamos que íamos fazer nove ou dez horas de caminhada, mas depois havia uma cama e um sítio quente para tomar banho. Essa parte foi importante. Sozinho, no frio… não sei se estaria preparado para isso.
Tem 62 anos. Alguma vez sentiu dificuldade em fazer alguma atividade devido à sua idade?
Não, de maneira nenhuma. Eu também sou fanático de preparação física, e toda a minha vida fiz desporto. Luto é contra os meus limites, como foi o caso dos 5.400 metros. O desafio seduziu-me.
Houve outro momento que o tivesse marcado nesta viagem?
Houve uma viagem de autocarro inesquecível, mas é inesquecível para nós nunca mais a fazermos [risos]. Tem que se fazer, tem que se fazer… mas só uma vez na vida.
Mas porquê?
Foi uma viagem de autocarro de Pokhara para Jomsom, 11 horas de martírio. O autocarro ia cheio de pessoas, sobretudo locais. Nós tínhamos lugares sentados mas íamos muito apertados. Havia pessoas deitadas no chão. Depois ficavam mal-dispostos — elas, principalmente —, vomitavam em sacos de plástico, atiravam-nos pela janela e eles batiam no vidro. É uma história que fica [risos].
Já visitou mais de 90 países. Quais foram as viagens que gostou mais de fazer?
Gostei muito das paisagens do Brasil, fiquei maravilhado. A viagem até à África do Sul marcou-me muito, mas também gostei muito de conhecer a Patagónia e a China.
A viagem à África do Sul deixou aí um bichinho de fazer viagens diferentes?
O bichinho sempre tive, deixei foi para mais tarde. Agora que estou reformado achei que era a altura. Também há o bichinho de estar reformado: “Vou fazer tudo aquilo que quero e que antes não consegui fazer”. Eu sei que ainda sou um recém-reformado, mas acho que já comecei.
Já está no bom caminho.
Sim, já estou.
E é um objetivo seu agora, continuar a aproveitar a reforma para viajar?
É um dos meus objetivos. O meu principal objetivo é continuar a estar o mais ativo possível. Além disso, sou um apaixonado por golfe, pela técnica e por me permitir ser competitivo até mais tarde — eu sou muito competitivo. Comecei a jogar golfe aos 50 anos, e gosto muito. Para se jogar golfe razoavelmente bem tem que se praticar muito, é muito técnico. As pessoas não fazem a menor ideia, pensam que não cansa: esta semana joguei cinco vezes e em cada uma andei dez quilómetros. Portanto, esse é um objetivo. A seguir vêm as viagens.
E quer fazer viagens deste género?
Quero fazer viagens que sozinho não teria a capacidade de organizar, mas que estejam o mais próximo disso possível. E sítios deste género, como o Nepal. Já tenho uma em vista para o Peru, Bolívia e Chile, do mesmo estilo. Vou também para Moçambique na Passagem de Ano, tenho um amigo lá. Depois, em abril tenho um amigo no Brasil — isto é a vantagem de ser mais velho [risos] —, vou para o interior, para 400 quilómetros de São Paulo. Vamos andar também em transportes locais, para cima e para baixo.
Quer imergir mais na cultura local?
Sim. Prefiro viajar com alguém que conhece o destino do que sozinho. O facto de a Tânia conhecer tão bem aquela zona fez com que conhecêssemos sítios muito mais interessantes. Logo no primeiro dia fomos visitar uma organização não governamental composta por um casal nepalês que adotou — não pode adotar, mas é como se o fizesse — 12 ou 13 jovens nepaleses. Foi um dia muito bem passado com eles.