Tendências. Esse universo estranho em que tudo faz sentido e por onde emergem maravilhosas teorias. Diametralmente opostas. Todos os dias. Durante muito tempo ouvimos que a quantidade de hidratos de carbono à noite deve restringir-se, por um motivo muito simples: a maior parte das pessoas é sedentária, depois do jantar vai para a cama, logo, não vai precisar da energia dos hidratos durante a noite.
Mas, de acordo com o carb backloading, a nova tendência no universo da nutrição, que já tem uma hashtag, utilizada mais de 48 mil vezes no Instagram, é tudo ao contrário. Os seguidores desta moda fazem o inverso: durante o dia restringem a ingestão de hidratos e carbono e à noite enchem-se deles. Não estamos a exagerar: há quem o faça de forma moderada e optando por boas fontes deste macronutriente, mas também não faltam imagens de hambúrgueres — daqueles bem suculentos — de pizzas, sanduíches grandes ou batatas fritas. Somam-se a estas, fotografias de antes e depois, com contrastes grandes, que alternam entre corpos moles e flácidos e corpos tonificados e bem definidos. Em que é que ficamos? Será esta a chave secreta para o corpo-capa-de-revista?
"As pessoas adoram novidades", diz a nutricionista Catarina Nunes. "Tentam arranjar mil e uma estratégias porque não se querem esforçar para atingirem os seus objetivos. É sempre mais fácil comprar suplementos que prometem milagres, ingerir os supostos 'superalimentos', fazer a nova dieta da moda porque o 'primo fez'.”
A especialista avança o único método certo, que funciona e que exige esforço para perder peso. "Temos uma população que resiste em acreditar que a chave para a perda de peso é o défice calórico.”
Venham as tendências que vieram, a regra é esta: perder mais calorias do que aquelas que se consomem. “Comer qualquer macronutriente a qualquer hora do dia, desde que haja um défice calórico, irá originar uma perda de peso.”
Não sei até que ponto é vantajoso passar o dia numa dieta quase zero-carb só para se poder, enfardar coisas riquíssimas em hidratos de carbono — e por vezes também gordura"
Por esta lógica, será indiferente consumir os hidratos durante o dia ou durante a noite, porque o que interessa é que o resultado seja negativo em calorias. Mas o corpo é complexo. E há fatores específicos que podem gerar pequenas alterações. “O tipo de alimentos que ingerimos e a altura do dia em que o fazemos são pormenores que poderão beneficiar ou prejudicar o sucesso de um plano e, consequentemente, a perda de peso.”
Já vários estudos vieram comprovar que a forma como o organismo reage aos hidratos de carbono à noite é diferente da reação que decorre durante o dia. Tirar partido destas diferenças poderá, segundo a nutricionista, ser “interessante”: “Sabemos que ao final do dia a nossa concentração de insulina diminui, tal como a sua sensibilidade, pelo que comer alimentos ricos em hidratos de carbono poderá não ser a melhor estratégia. Essa descida da insulina acontece num determinado momento, que não é igual para todos — pode ser às 17, 18 20 ou 22 horas…"
Por isso, idealmente, o consumo de hidratos deve decorrer sobretudo ao início do dia. À noite, é mais aconselhável apostar na proteína e na gordura. “Mas, volto a repetir, se houver um défice calórico a pessoa emagrece”, sublinha.
Para quem treina (como quase todos os que utilizaram a hashtag), sobretudo ao final do dia, é ligeiramente diferente. Com o exercício físico, a sensibilidade à insulina aumenta e este macronutriente acaba por ser mais bem “recebido” pelo corpo, fornecendo energia aos músculos, que estão em fase de reconstrução.
Mas faz bem restringir a alimentação a proteína e gordura durante o dia?
A nutricionista diz que é relativo porque depende de cada pessoa e dos seus hábitos. Mas guarda algumas reticências. “Não sei até que ponto é vantajoso passar o dia numa dieta quase 'zero-carb' só para se poder, 'enfardar' coisas riquíssimas em hidratos de carbono — e por vezes também gordura”, diz. “Existem pessoas que reportam náuseas quando há uma diminuição de hidratos de carbono na sua dieta, além de que pode mesmo afetar a sua concentração e rendimento no trabalho.”
A pior hipótese passa pelo surgimento de uma espécie de distúrbio alimentar. “A pessoa não precisa de consumir os três macronutrientes em todas as refeições que faz, no entanto, esta tipologia de 'restringir-restringir-restringir' os hidratos de carbono até poderá originar algumas compulsões ao chegar a casa e atacar o frigorífico.”
Qual é, então, a melhor estratégia?
Venham as tendências que vieram, há coisas que não mudam. Dieta personalizada, de acordo com gostos e rotinas de vida. E, claro, défice calórico. São estes os pilares essenciais para a perda de peso e, mais importante, para transformar maus hábitos em bons hábitos.
Com a aplicação da conta matemática simples, é garantido que há emagrecimento. Mas não somos só quilos da balança. Somos massa gorda e músculo, duas partes que existem sempre em proporções diferentes, que dependem não só do exercício, mas muito dos alimentos que ingerimos diariamente. É isto que nos dá forma.
“Temos de ter em conta que a melhoria da composição corporal — diminuição da massa gorda e/ou aumento da massa muscular — é influenciada pelo tipo de alimentos ingeridos", explica. "Mesmo que estejamos em défice calórico, não me parece que uma alimentação rica em açúcares e pobre em proteína seja interessante para a manutenção da massa muscular e diminuição da massa gorda”, diz. “Principalmente quando os ingerimos à noite, altura onde a nossa concentração das tais hormonas da saciedade são mais baixas.”