Já todos ouvimos que devemos evitar comer muito à noite, particularmente alimentos ricos em hidratos de carbono, para emagrecer. Considerando que se come cada vez mais ao final da tarde/noite e menos ao almoço, torna-se pertinente perceber se esta teoria é suportada pela ciência. É, contudo, importante reforçar que o determinante para emagrecer é ingerir menos energia (calorias) do que aquelas que se gasta. Podemos é perguntar se a forma como distribuímos essa ingestão ao longo do dia tem efeito adicional no risco de obesidade. E o que nos diz a ciência sobre isso?
Sobre este assunto, estudos recentes sugerem haver uma associação entre a energia ingerida à noite e o risco de obesidade, níveis elevados de glicemia (açúcar) (4), colesterol LDL (o “mau”) e síndrome metabólica (conjunto de fatores de risco cardiovasculares).
As pessoas que têm pouco apetite ao pequeno-almoço e consomem a maior parte dos alimentos à noite têm maior probabilidade de terem obesidade. Um estudo que acompanhou mais de 1200 pessoas durante seis anos concluiu que aqueles que ingeriam mais energia ao jantar tinham o dobro do risco de serem obesos e 50% mais probabilidade de ter e síndrome metabólica. A distribuição dos alimentos ao longo do dia também afeta o sucesso da perda de peso. Mulheres com obesidade perderam mais peso e perímetro da cintura em 12 semanas quando o plano alimentar tinha mais energia ao pequeno-almoço e menos ao jantar. Na mesma linha, os indivíduos que almoçavam cedo perderam mais peso em 20 semanas do que aqueles almoçavam depois das 15 horas.
Tentar definir a hora a partir da qual aumenta o risco de obesidade é infrutífero, uma vez que esta relação depende do relógio biológico e não do que os ponteiros indicam. As pessoas que ingerem mais de metade da energia nas 4 horas anteriores ao início da noite “biológica” — correspondente ao aumento da secreção da melatonina, a hormona do sono — têm mais massa gorda do que as que distribuíam melhor a comida ao longo do dia. Comer a uma hora em que o nosso relógio biológico promove o sono parece ser um fator de risco adverso para o peso.
A explicação para o aumento do risco de excesso de peso quando se concentra demasiada energia à noite deve-se à variação de alguns processos biológicos ao longo do dia. Vejamos alguns exemplos.
- O efeito térmico dos alimentos (o aumento do metabolismo após uma refeição) é menor após a mesma refeição à noite do que de manhã.
- O impacto metabólico também é diferente, pois a glicemia sobe mais quando refeições idênticas são ingeridas à noite, uma vez que se produz menos insulina e há menor sensibilidade à sua ação neste período. Quatro estudos já falaram sobre isto: um de 2012, outro de 2013 e outro de 2015. As pessoas que são mais resistentes à insulina (sedentários com elevado perímetro abdominal ou pré-diabéticos, por exemplo) parecem ser os mais suscetíveis ao momento da ingestão. Nestes, a ingestão de hidratos de carbono entre as 16h30 e as 22 horas aumenta mais (8%) os níveis de glicose do que se os ingerir até às 13h30.
- As hormonas que regulam a saciedade e apetite também variam ao longo do dia, o que pode contribui para que os alimentos saciem menos à noite.
- A eficácia de absorção de hidratos de carbono é igualmente maior à noite, o que se pode dever ao mais lento esvaziamento gástrico. Comer a mesma refeição à noite (23 horas) baixa mais a oxidação (queima) de gordura do que fazê-lo de manhã (10 horas), que pode estar relacionado com uma menor expressão dos genes que a regulam antes do jantar do que antes do pequeno-almoço.
Deve ser salientado que muito destes efeitos adversos pode ser atenuados com a prática de exercício físico ao final da tarde/noite, que aumenta a sensibilidade à ação da insulina e direciona a glicose ingerida preferencialmente para o músculo.
Há quem defenda o contrário
Como não poderia deixar de acontecer em nutrição, também há quem defenda exatamente o contrário. Baseiam-se num estudo em que polícias com excesso de peso perderam mais peso, massa gorda e perímetro da cintura, sentiram menos fome e melhoraram a sua saúde metabólica (colesterol, glicemia e inflamação) ao final de seis meses quando seguiram uma dieta com hidratos de carbono apenas ao jantar do que quando os distribuíam por três refeições.
Todavia, e como é facilmente percetível, este estudo não demonstrou que é melhor ingerir hidratos de carbono à noite do que de manhã; demonstrou que é melhor ingerir menos vezes do que mais vezes. Na verdade, somos levados a pensar que devemos ingerir hidratos de carbono a cada duas a três horas para não termos fome, quando o que provavelmente acontece é exatamente o oposto. A ingestão muito frequente de alimentos muito ricos em hidratos de carbono pode causar oscilações repentinas de glicemia, particularmente nos mais resistentes à insulina, que despertará a fome mais cedo.
Este texto não pretende desincentivar a ingestão de alimentos após o jantar, até porque cear tem vantagens qualquer que seja o tipo de nutrientes ingeridos. Mas na medida em que a ceia não é o cenário ideal para a ingestão de hidratos de carbono, recomenda-se a preferência por uma refeição ligeira com uma fonte alimentar de proteína (caseína de preferência, como o queijo fresco magro), pois potencia a síntese proteica durante a noite, aumenta a saciedade e baixa os níveis e melhora a ação da insulina na manhã seguinte.
No futuro, as estratégias alimentares para a gestão da composição corporal devem considerar não apenas a ingestão energética total e a distribuição de macronutrientes, como é feito atualmente, mas também o melhor momento para o fazermos. Mas não nos podemos esquecer que o determinante para emagrecer é ingerir menos do que se gasta.
O resto são pormenores.
(artigo publicado originalmente em 2018)