Anna Elisa de Castro é alta, magra e fala de forma enérgica. Nas orelhas traz uns brincos em forma de vara de arames, daqueles para bater as claras em castelo, e nas mãos um telemóvel que não para de tocar.
"Ontem foi meu aniversário e recebi 400 parabéns", conta a brasileira de 44 anos. É que só de alunos, Anna já conta com umas centenas de contactos na sua lista. No Brasil, abriu em 2016 a N.O.S. Escola, a primeira escola do mundo que junta num curso presencial os pilares que considera fundamentais para a vida: alimentação saudável, corpo, espiritualidade, profissão e a relação com os outros.
As sms que recebeu destoam das habituais. "Já perdi a conta ao número de vezes que li 'Anna, tenho uma novidade para contar'". E Anna já adivinha o seguimento da conversa. "Acaba sempre com um 'mudei de vida'. É quase sempre isso que acontece a quem estuda connosco", conta Anna.
Essa mudança pode ser mínima, como passar a fazer o pão em casa em vez de o comprar embalado no supermercado, ou algo tão impactante quanto abandonar o emprego estável para abrir um restaurante de comida orgânica. "O que eu ouço das pessoas é sempre: 'Minha comida é outra, meus cosméticos são outros, a forma como acordo é outra'. São muitos os que dizem que lhes mudei a vida", garante.
Mas Anna não quer esses louros, prefere continuar a sentir-se apenas o centro de uma rede que se espalha pelo mundo. Começou no Brasil em 2016, com a abertura da primeira escola, e continua agora em Portugal, onde abriu um segundo espaço no final do ano passado, para fazer de Lisboa o hub europeu na N.O.S. Escola. "E está a acontecer. Nas duas primeiras turmas tivemos gente da Alemanha, da Suíça, da Irlanda e muitos brasileiros que vivem em Portugal", refere.
E com a terceira turma a começar em setembro deste ano, a MAGG quis perceber com a fundadora que magia é esta de uma escola que nos prepara para um novo mundo.
Do Brasil para Portugal, a espalhar saúde
Anna já nem se lembra da fase em que se formou em administração. Percebeu rapidamente que esse não seria o seu caminho e viajou até Nova Iorque para se formar enquanto chef na Natural Gourmet Institute.
Especializou-se em comida para crianças e chegou até a ter uma rubrica sobre o tema em dois programas de televisão no Brasil. Ao mesmo tempo, tirou a formação em health couch no Institute for Integrative Nutrition (IIN). E foi aí que começou a sentir que estava a juntar já demasiada informação para que não fosse partilhada.
"Ainda por cima estudei culinária que põe a comida acima de tudo e depois fiz o IIN que diz que, antes da comida, o que nos nutre primeiro são os relacionamentos, a espiritualidade, a profissão e as relações", conta. E estranhou nunca ter ouvido falar de um curso que juntasse todas estas vertentes. Procurou, percebeu que não havia e decidiu: "Vou eu criar um".
Falou com professores, procurou um espaço, reuniu conteúdo, fez um horário e, a 16 de abril de 2016, abriu a N.O.S Escola no Rio de Janeiro, que foi beber o nome à empresa de entrega de kits detox que tinha criado anteriormente chamada Detox N.O.S. — que significa Natural, Orgânico e Saudável, caso estivesse com essa dúvida.
A primeira turma encheu, assim como todas as seguintes, de pessoas que vinham das mais diversas áreas. "Pode dizer qualquer profissão que eu digo que já tivemos um aluno dessa área", garante Anna, contente por ver que, ao contrário das duas primeiras turmas, compostas maioritariamente por cozinheiros e nutricionistas, agora a diversidade é cada vez maior. "Para minha surpresa, temos tido vários médicos a querer fazer o curso, o que indica que estamos no caminho de uma saúde cada vez mais holística".
Até agora, foram já oito as turmas no Brasil, cada uma com uma média de 40 pessoas. Anna estava feliz e os alunos também.
O problema — ou desafio — começou quando a primeira portuguesa enviou um email a dizer que tinha visto a N.O.S. Escola na internet e pedia para que Anna a trouxesse para Portugal. A este primeiro email seguiu-se um, e outro e muitos mais. Mas Anna não tinha qualquer ligação a Portugal, o marido trabalhava como designer no Brasil e o filho era ainda pequeno para uma mudança tão grande.
"Mas houve o dia em que o meu marido me disse que se ia despedir para começar a trabalhar por conta própria e isso, a juntar a este chamamento português, mexeu comigo", conta.
Um dia, saíram juntos para ver um show de Paulinho da Viola e entre um chopp e outro, e Anna ouve uma frase chave: "E se fôssemos juntos para Portugal abrir a N.O.S. Escola". Nem é preciso dizer qual foi a resposta.
Portugal com vontade de viver melhor
Anna veio no início do ano passado sem conhecer ninguém e pensou que talvez uma palestra para apresentar a escola fosse uma boa forma de dar a conhecer o projeto. "Consegui uma sala no restaurante Eleven com capacidade para 60 pessoas e pensei que nunca iria encher", comenta. Na verdade, não só encheu como teve que fazer a palestra em dose dupla, com muitas pessoas a virem ter com ela no final com vontade de avançar para a inscrição.
Ao perceber que Portugal estava mais do que recetivo a aprender a viver melhor, Anna passou os meses seguintes a criar uma rede de contactos que permitissem conjugar a agenda dos professores que trouxe do Brasil, com aqueles que conheceu já em Portugal. Pelo meio havia ainda o desafio de encontrar um espaço, que acabou por aparecer em Caxias, numa casa pensada para férias mas que Anna arrenda a cada fim de semana de curso. "Mas consegui que, pelo menos, me deixassem pintar as paredes de amarelo", diz, a cor que identifica a escola desde sempre.
Com tudo preparado, Anna dá início ao primeiro curso em setembro de 2018, numa turma com 40 pessoas e mais de 70 professores, portugueses e brasileiros, que dão aulas sobre os cinco pilares que servem de base à escola.
A Cátia Curica, criadora da marca Organii, dá aula de cosmética Natural, Eunice Maia, dona da Maria Granel, ensina mais sobre desperdício zero, Sofia Paixão ensina a cozinhar sem glúten e Sónia Jordão dá uma aula de comida macrobiótica. Mas há mais. Mindfulness, biodanza, gestão de conflitos, provas de vinhos e azeites, gestão de emoções, pão de fermentação natural e saúde financeira. Há aulas para tudo.
A segunda turma começou em fevereiro e próxima tem início em setembro, com duração até junho de 2020 e funciona em blocos de dez fins de semana, um por mês. "Mas um fim de semana intenso", avisa Anna. Começa às 8h30 e termina às 19h30, com direito a welcome coffee orgânico, almoço vegetariano e snacks saudáveis.
Os participantes recebem ainda um kit com um saco e utensílios básicos de cozinha como avental e faca de cerâmica, material didático online e algum material a ser usado nas aulas práticas. "E mesmo o que é feito no curso, acaba por ser oferecido. Se aprende a fazer sushi, leva para casa a esteira de enrolar, se aprendeu sobre uma escova que faz bem à pele, leva a escova para casa", acrescenta Anna.
Além disso, e ao contrário do que acontece no Brasil, há muitas aulas dadas fora da escola. É o caso daquela que fala sobre vinhos e azeites, que acontece na Herdade do Esporão, da que fse debruça sobre as formas de produção sustentável, que decorre no espaço de agro turismo BioVilla, em Palmela ou daquela dedicada à produção orgânica, na Quinta do Arneiro.
É certo que é muita informação condensada em dois dias, mas Anna lembra: "O ser humano tem um defeito que é achar que nunca sabe o suficiente. É óbvio que não vai ficar um mestre em Ayurveda numa manhã ou saber tudo sobre ioga numa só prática. Mas é uma forma de saber um pouco de tudo e, se ficar interessado, explorar mais determinada área", refere.
O curso custa 3.770€ (quando pago na totalidade, há opções de pagamento faseado) e as inscrições são feitas no site da escola portuguesa. "É um investimento na própria pessoa, porque esta é, acima de tudo, uma escola de pessoas", salienta. E nela passa gente de todo o tipo.
É por isso que, parte do projeto final, além de apresentarem trabalhos desenvolvidos em grupo, é que cada pessoa dê uma aula. "Todo o mundo fica achando que não tem nada para ensinar, mas há sempre alguma coisa na qual somos bons e sobre a qual podemos passar conhecimento", garante. É por isso que, ao longo das 12 turmas que acompanhou, já viu alunos a ensinar desde como arrumar uma gaveta até como ultrapassar a morte de um filho. "Funciona para muitos como um processo de cura e todos concordam que a escola é um lugar seguro, de onde nasce uma rede, que eu gosto de chamar de rede amarela".