A máscara, a tolha de praia, o guarda-chuva, o pijama com que dorme, a carteira com que sai à rua. Os brincos, os anéis, as botas, a chávena na qual toma café, as cuvetes onde faz gelo. Tudo isto tem uma só temática: gatos.
Filomena Alves diz sem medo: "Eu sou a maluca dos gatos". Consigo em casa tem uma, a Kika, com 15 anos, mas no terraço estão mais oito. No máximo já chegou a ter 23, e muitas mais dezenas foram os que salvou da rua para entregar a associações.
No dia Mundial do Animal, fomos falar com pessoas que dedicam a sua vida aos animais de companhia e que assumem que aquilo que fazem, para a maioria, pode ser demasiado. "Mas não quero saber, antes que me falte a mim do que aos animais", diz Filomena que, aos 59 anos, continua solteira por nunca ter encontrado alguém que partilhasse da mesma paixão. "Já mandei dois embora porque me falaram mal de gatos, isso para mim não é compatível. Quando me falam mal de gatos, adeus".
E é mesmo preciso estar alinhado com as rotinas de Filomena para acompanhar a dinâmica. Ao acordar, a prioridade é tratar dos animais. "Primeiro eles, depois eu". Depois, grande parte do seu orçamento é gasto em alimentação e veterinário. É que Filomena, além da ração, gosta de lhes comprar "uns miminhos". Fiambre, fêveras de porco e peixe para cozer, "porque a Kika adora pescada cozida", são algumas dos produtos que fazem parte do carrinho de compras semanal.
Quando vai de férias, tira fotos a monumentos, claro, mas a maioria são mesmo tiradas a gatos que encontra na rua. E é óbvio que não chega a casa sem um souvenir para a gata. "A última viagem que fiz foi a Itália e de lá trouxe-lhe uma almofada para ela se deitar. Ela adora", garante.
Filomena debita os pormenores em catadupa, mas tem noção de que, para a maioria, tudo isto é uma loucura. "Eu sei que é doentio, mas o meu mundo é ela".
Ainda assim, não chega ao ponto de comparar os gatos aos filhos que nunca teve, ao contrário de Diana, a concorrente do "Big Brother" que chegou a dizer que, caso engravidasse, isso "seria uma traição" para os animais que tem em casa.
O mesmo para Mafalda Monteiro que, aos 35 anos, tenta gerir com o namorado a vontade que ele tem de ser pai, contra a sua realidade, na qual só entram animais. "Nunca tive vontade de ser mãe. Os animais são os meus filhos", garante à MAGG.
Será este amor pelos animais considerado normal?
Para a psicóloga Ana Correia, temos que deixar de pôr as coisas em categorias como "normal" e "fora do normal". É que, mesmo que para muitos seja considerado um comportamento limite, "tem uma função importante para quem o tem e é, muitas vezes, uma forma de lidar com a vulnerabilidade".
"Os animais dão-nos companhia, afeto, presença e, por isso, é fácil que nos afeiçoemos a eles", lembra a especialista. E só quando o comportamento começa a ser incapacitante é que deve ser dado o alerta. "Quando interfere com o dormir, o comer, o estar com o outro. Por exemplo, quando deixo de ir trabalhar para estar com o meu cão, ou estou no trabalho sempre a pensar em como estará o meu gato", exemplifica Ana Correia.
Nesse caso, o papel de quem está em redor é fundamental, até porque o próprio dificilmente percebe que está a ter um comportamento desviante.
A psicóloga alerta para o facto deste tipo de obsessão ocorrer, muitas vezes, em momentos marcantes, como a morte de alguém próximo ou situações de muito stresse. "As pessoas encontram nos animais um refúgio para outros problemas, é um espécie de fuga à realidade".
Mafalda Monteiro admite que sempre teve um comportamento um pouco obsessivo com muitas coisas na sua vida, mas não considera que este amor pelos animais seja um distúrbio. "Eu tenho mesmo muito amor para lhes dar", explica, e isso vê-se na dedicação e no dinheiro que gasta todos os anos com os animais que tem em casa e com os que encontra na rua.
Só no ano passado, salvou 45 cães que encontrou abandonados, muitos deles na beira da estrada depois de terem sido atropelados. "Eu não consigo passar por um cenário daqueles e simplesmente desviar o carro e seguir. Não percebo quem faz isso". Usa a garagem da casa dos avós como abrigo e, depois de lavados, alimentados e tratados, divulga nas redes sociais a história do animal e não descansa até lhe encontrar novo dono.
Além disso, alimenta dez cães abandonados que lhe chegaram à fábrica onde trabalha e fez questão de os castrar. Isto além dos que tem em casa e no trabalho: oito cães e dois gatos.
Dormem todos dentro de casa e, na sala, estão dois sofás reservados para eles. "Eu não tenho só por ter. Os meus animais têm todo o conforto do mundo". Não poupa em ração, sempre de qualidade, nem em cuidados médicos, contando aí com a ajuda da irmã Joana, médica veterinária.
A paixão é de família e foi exatamente a irmã que trouxe para casa o animal mais original que os Monteiro já tiveram: uma porca.
Joana é veterinária de animais de grande porte e um dia foi chamada a uma quinta para eutanasiar um leitão cujo crescimento não era igual ao dos irmãos, que estavam prestes a seguirem para o matadouro.
"Não teve para coragem e trouxe a porca para casa. Tinha 12 centímetros, parecia um gatinho, e nos primeiros meses manteve-se assim", conta Mafalda. A surpresa aconteceu pouco depois, quando a Clotilde — nome escolhido para a porca — começou a crescer de tal forma que acabou por se transformar num animal de 170 quilos.
"Parecia um cão. Sabia onde fazer cocó e xixi, sentava, lambia-nos, era espetacular". Montaram-lhe uma casinha no quintal e a porca era feliz. Até ao momento em que se sentou no jardim, à chuva, e não se mexeu durante dois dias. "Dava dó", garante. A irmã diagnosticou-a com depressão por estar longe do seu habitat e rapidamente encontrou uma quinta que acolheu a Clotilde.
"O que ela correu campo fora quando lá chegou, só visto", diz Mafalda emocionada. Agora, volta a meia, a família vai lá visitá-la. "E ela reconhece-nos sempre. Mal eu chamo 'Clotilde', lá vem ela a correr e quase que nos deita ao chão com os mimos".