Já foi mais popular do que o próprio partido e em 2019 chegou mesmo arrecadar uma vitória histórica, só comparável à de Margaret Thatcher, em 1979. Mas, neste momento, o cenário é outro. Depois de ouvir "adeus, Boris" ["bye, Boris"] em uníssono pela voz de vários deputados da Câmara dos Comuns e de ser pressionado por 54 demissões de membros do governo, Boris Johnson cedeu à pressão: o primeiro-ministro britânico demitiu-se esta quinta-feira, 7 de julho.
"Concordo que o partido precisa de nova liderança", começou por admitir o líder britânico, num púlpito posicionado à frente do número 10 de Downing Street, naquela que foi a primeira vez que se dirigiu ao país após a partilha pública da demissão. "A razão pela qual lutei tanto nos últimos dias para continuar este mandato não foi só porque queria, mas porque sentia que era o meu trabalho, o meu dever, a minha obrigação para convosco", explicou.
Depois de admitir que alguns britânicos estão aliviados e outros desapontados, justificou a opção de abandonar o "melhor trabalho do mundo". "Quando o rebanho se move, move-se", acrescentou, após explicar que tentou convencer os companheiros de governo de que teriam condições para continuar.
O político britânico reconhece que "é claramente a vontade do grupo parlamentar conservador que haja um novo líder e, por isso, um novo primeiro-ministro" e frisa que o processo de procura por um substituto para assumir as rédeas do país "deve começar já". No entanto, confirma que tem intenções de permanecer em funções até nova eleição. "Continuarei a servir até que haja um novo líder", disse.
Boris Johnson quer governar até outubro. Mas será que vai acontecer?
A vontade de Boris Johnson de continuar no executivo britânico até que seja eleito um novo líder no congresso de outono já havia sido previamente avançada pela imprensa, mas ainda não é certo se se concretizará ou se será sequer aceite pela liderança conservadora.
Isto porque são vários os comentadores políticos que questionam se Johnson terá condições de manter um elenco governamental até lá e o Labour também já ameaçou avançar com uma moção de censura ao governo, se Johnson tentar mesmo ficar como primeiro-ministro até outubro,
"O próprio partido de Johnson finalmente concluiu que ele não tem condições para ser primeiro-ministro. Agora não o podem impor ao país durante meses. Se não se livrarem dele, o Labour vai avançar, pelo interesse nacional, com uma moção de censura porque não podemos continuar com este primeiro-ministro a agarrar-se ao cargo durante meses e meses", avançou o líder do partido, Keir Starmer, em declarações citadas pelo jornal "Observador", ainda antes de Boris Johnson falar ao país.
Rainha Isabel II ainda não comentou a decisão de Boris Johnson
Ainda antes de subir ao púlpito na Downing Street, já Johnson havia falado via chamada telefónica com a rainha Isabel II. De acordo com Anushka Asthana, a editora de política do canal britânico ITV, que confirma a comunicação, ter-se-á tratado de um ato de "cortesia". No entanto, a monarca ainda não teceu quaisquer comentários sobre a atual situação política do país.
Porquê agora?
Ao que se sabe, o primeiro-ministro britânico terá tomado a decisão de se demitir por volta das 8h30 desta quinta-feira, 7, depois de uma conversa com Graham Brady, presidente do Comité 1922. Mas há quem avance que a demissão "já devia ter acontecido há muito tempo", como é o caso de Keir Starmer, líder do partido Trabalhista (oposição).
"Já devia ter acontecido há muito tempo. Ele sempre foi inapto para o cargo. É responsável por mentiras, escândalos e fraude a uma grande escala. E todos os que foram cúmplices deviam ter vergonha", acusou o político, num comunicado partilhado no Twitter, esta quinta-feira, 7.
A demissão do líder do partido Conservador surge após aquela que terá sido uma das maiores polémicas em que se viu envolvido desde que assumiu o cargo. Desta vez, a informação de que o primeiro-ministro promoveu Chris Pincher a um cargo governamental, com noção de que existiam queixas de assédio sexual contra o conservador, terá sido a gota de água.
O deputado demitiu-se no passado dia 30 de junho, depois de ter apalpado dois colegas do sexo masculino num clube de diversão noturna enquanto estava embriagado, mas o seu nome já havia sido implicado em vários episódios de comportamento sexual indevido ao longo da última década.
De acordo com o "Correio da Manhã", este último escândalo levou à demissão de dois dos principais ministros do partido, o ministro das Finanças, Rishi Sunak, e o secretário da Saúde, Sajid Javid, que apresentaram a demissão na passada terça-feira, 5, com 10 minutos de diferença. Ambos justificaram a decisão alegando que já não se identificavam com a liderança do partido. Depois? Seguiu-se a debandada geral, com 54 demissões de membros do governo em 48 horas.
Este foi o mais recente escândalo em que Boris Johnson se viu envolvido, mas não foi o único. Em 2020, em pleno auge da pandemia de COVID-19, o jornal "The Mirror" denunciou várias festas que teriam acontecido nos escritórios do governo e a polémica inerente às festas ilegais ficou conhecida como Partygate.
A situação marcou de tal forma a liderança do político que, em janeiro de 2022, se viu obrigado a apresentar um pedido de desculpas oficial à rainha Isabel II pelas festas ilegais em que participou, escreve o "Correio da Manhã". Para além de situações reconhecidas num relatório oficial como "difíceis de justificar", Johnson esteve ainda envolvido em cenários de corrupção. Principalmente após uma investigação ao financiamento da renovação do seu apartamento, em 2021, que fez com que o partido fosse multado em 23 mil euros, completa a mesma publicação.
Demissão oficializada. O que se segue?
Para já, o futuro do partido continua incerto, tanto no que diz respeito à liderança como ao painel governamental. No entanto, após reforçar que foi eleito com a maior maioria desde 1987 e a maior percentagem dos votos desde 1979, Boris Johnson garantiu que "ninguém é remotamente indispensável".
De acordo com o jornal "Observador", já começam a ser oficializados os primeiros nomes para substituir os ministros e secretários de Estado que se demitiram nas últimas 48 horas. Para já, sabe-se que James Cleverly assumirá o cargo de ministro da Educação, previamente ocupado por Michelle Donelan. E que Greg Clark vai substituir Michael Gove, depois de o segundo ter sido demitido por Boris Johnson.
O calendário para a escolha do sucessor de Boris Johnson será divulgado na próxima semana e os substitutos dos restantes elementos do governo serão conhecidos em breve. No total, as demissões no governo britânico podem custar quase meio milhão de euros em indemnizações, avança a mesma publicação.