“Não consigo respirar”. Foram estas as últimas palavras de George Floyd, que circulam pelo mundo. Mundo que continua incrédulo com a violência e a forma como um agente da polícia de Minneapolis, Estados Unidos, asfixiou o afroamericano com o joelho em cima da garganta — um momento à vista de todos os que pelo local passavam e alheio aos apelos quer de Floyd, quer de quem estava à volta dos agentes da polícia, conforme foi mostrado num vídeo que se tornou viral.
“Ser Negro na América não deve ser uma sentença de morte”, criticou o presidente da câmara de Minneapolis, Jacob Frey, numa publicação no Facebook um dia após o acontecimento. George acabou por morrer na segunda-feira, 25 de maio, já no hospital e a equipa médica relata que tentou salvar "um homem sem resposta e sem pulso", de acordo as informações do Departamento de Bombeiros de Minneapolis divulgadas pela polícia, cita a CNN.
Os quatro polícias envolvidos na morte de Floyd foram despedidos na madrugada desta quarta-feira, 27 de maio e o FBI, a pedido da polícia de Minneapolis, já está a conduzir uma investigação federal. Ao mesmo tempo, conforme anunciado pela chefe da polícia de Minneapolis, Medaria Arradondo, estão a decorrer investigações internas no departamento.
Contudo, a razão para este acontecimento parece óbvia e que já levou milhares de pessoas à rua em pelo menos três grandes cidades dos EUA, quer para exigir a detenção do agente da polícia que terá asfixiado George, como para protestar contra a morte de mais um homem negro, pelas mãos das autoridades.
Os confrontos estão a tornar-se cada vez mais acessos. Se na segunda noite de protestos em Minneapolis foi marcada por saques, prédios em chamas, detenções e confrontos com a polícia, que respondeu com gás lacrimogéneo, revela a CNN, na noite desta quinta-feira, 28 de maio, os protestos não só continuaram, como tornaram-se mais violentos.
Os manifestantes tomaram a terceira esquadra de Minneapolis por volta das 22 horas apesar de a polícia tentar dispersar a multidão com tiros "flash bang" e gás lacrimogéneo a partir do telhado, avança a Fox News, confirmam as várias imagens partilhadas no Twitter.
Já em Louisville e Kentucky sete pessoas foram baleadas durante protestos violentos desta quinta-feira, 28, revela a NBC News. No caso de Louisville os protestos vêm na onda da revolta pela morte de George Floyd, mas os protestantes pedem também justiça para o caso semelhante de uma mulher de 26 anos, Breonna Taylor, que foi morta pela polícia de Louisville esta primavera.
A par dos confrontos, várias celebridades estão a fazer doações para ajudar os manifestantes que foram detidos no meio dos protesto, avança a Fox News. É o caso das estrelas de Hollywood Steve Carell, Seth Rogen e Ben Schwartz que no Twitter anunciaram que tinham feito a doação ao Minnesota Freedom Fund, uma organização sem fins lucrativos dedicada a resgatar indivíduos de baixa renda.
Afinal, o que levou à detenção violenta?
Uma nota falsa de 20 dólares. Esta terá sido a razão para os polícias deterem Floyd, uma vez que o afroamericano correspondia à descrição de alguém que tentou pagar uma compra num supermercado com a nota falsa. George Floyd era apenas suspeito, mas parece que nem isso impediu a polícia de ter uma atitude violenta.
Os agentes alegam que o homem resistiu à detenção, mas imagens captadas pelas câmaras do restaurante em frente ao local da detenção, mostraram Floyd a ser levado para a viatura policial, de mãos algemadas atrás das costas e sem oferecer resistência.
O regulamento sobre o uso de força do departamento da polícia de Minneapolis, permite que um agente se ajoelhe no pescoço de um suspeito, como “opção de força não letal” para oficiais treinados nesse sentido, revelando ainda que os “oficiais devem usar apenas uma quantidade de força necessária que seja objetivamente razoável” e que o estrangulamento é “considerado uma opção de força mortal”.
No entanto, foi precisamente o contrário ao que está estabelecido no regulamento que fez com que o uso de força do polícia tornasse o ato letal. "Durante cinco minutos, vimos um polícia branco pressionar o joelho contra o pescoço de um homem negro. Cinco minutos. Quando se ouve alguém a pedir ajuda, é suposto ajudarmos. Este agente falhou no sentido mais básico, mais humano”, disse o presidente de Minneapolis, Jacob Frey, na mesma publicação.
O que aconteceu aos polícias?
Os agentes presentes no local foram despedidos e estão agora com uma licença administrativa remunerada, de acordo com o protocolo do Departamento de Apreensão Criminal do Minnesota (BCA). A punição benevolente é uma das razões que tem levado vários protestos para as ruas dos EUA. Os manifestantes querem ver os polícias presos, mas como tal não está a acontecer, a revolta dos populares tem aumentado.
“Nas últimas 36 horas lidei com uma questão fundamental: porque é que o homem que matou George Floyd não está na prisão? Se o tivessem feito, ou se eu o tivesse feito, estaríamos já atrás das grades”, questiona Jacob Frey numa conferência de imprensa.
A identidade dos agentes envolvidos já foi revelada e, de acordo com o advogado de Jacob Frey, o polícia que alegadamente matou George Floyd é Derek Chauvin. Quanto aos outros agentes envolvidos, a polícia revelou que se trata de Thomas Lane, Tou Thao e J. Alexander Kueng.
No que diz respeito a Derek Chauvin, o agente que nas imagens se vê com o joelho sob o pescoço de Floyd, sabe-se que tinha 18 queixas anteriores contra ele no Departamento de Polícia de Minneapolis, segundo o próprio departamento, revela a CNN.
Apesar das imagens, o sindicato da polícia pediu cautela, apelando que o público espere pelo desenrolar da investigação e que não “se apresse em julgar e condenar imediatamente os polícias”.
Quem era George Floyd?
Tinha 46 anos, morava em Minneapolis, mas a cidade natal de Floyd era Houston, onde morava num bairro predominantemente de negro, que abandonou em 2014 para procurar emprego, revela o amigo de longa data Christopher Harris, que conheceu Floyd no ensino básico, ao jornal "AJC". O mesmo revela que George conseguiu um emprego como segurança numa loja do Exército da Salvação no centro de Minneapolis e depois passou por mais dois trabalhos: condutor de camiões e segurança no restaurante Conga Latin Bistro, onde era conhecido como "Big Floyd".
O restaurante foi o seu último trabalho porque, tal como aconteceu com milhões de americanos, a pandemia deixou-o sem emprego quando o governador de Minnesota anunciou a quarentena. Harris revela que mesmo com o impacto da pandemia, Floyd estava a tentar continuar com a vida e a procurar um novo emprego.
Com quase dois metros, Floyd saiu da escola secundária Jack Yates como uma estrela potencial de basquetebol, e chegou mesmo a jogar em 1992 no campeonato estadual no Houston Astrodome. Um outro ex-colega, Donnell Cooper, lembra George como uma "personalidade tranquila, mas um espírito bonito" e acrescentou que a sua morte o apanhou de surpresa: "É tão triste o mundo em que estamos vivendo agora".
George Floyd foi acusado de assalto à mão armada em Houston em 2007 e dois anos mais tarde acabou por ser condenado a cinco anos de prisão como parte de um acordo judicial, de acordo com documentos do tribunal. Depois de cumprir a pena, foi então que se mudou para Minneapolis. "Ele estava a tentar recomeçar", disse o amigo Harris e continuou: "Ele estava feliz com a mudança que estava a fazer".
Floyd era pai de uma rapariga de 6 anos, que mora em Houston com a mãe, Roxie Washington, de acordo com o jornal "Houston Chronicle".
Homenagens
LeBron James, estrela do basquetebol e jogador no Los Angeles Lakers, partilhou no Instagram uma imagem que de um lado mostrava o momento que se tornou viral em que o polícia aparece com o joelho em cima do pescoço de George Floyd e, do outro lado, estava o jogador de futebol americano Colin Kaepernick, ajoelhado.
"Percebem agora? Ou ainda é confuso para vocês?", disse na descrição. E porquê Kaepernick? Porque o jogador ajoelhou-se quando tocou o hino dos EUA, num protesto contra a injustiça racial e a violência policial. O gesto gerou tamanho impacto, que Colin acabou por ficar desempregado.
Além de celebridades da NBA, também a cantora Madonna manifestou-se sobre o que aconteceu: "Ver este polícia a sufocá-lo, com o joelho no seu pescoço, algemado e indefeso, a chorar pela vida com a cara espalmada no chão... É a coisa mais doentia e devastadora que vi em muito tempo", escreveu a cantora numa longa descrição no Instagram que acompanha o vídeo do momento do ataque.
A cantora acaba a publicação a fazer um apelo para que "um dia isto acabe", referindo-se ao racismo na América. "Rezo para que um dia isto acabe. Até lá, que se lixe a polícia. Não me interessa ser politicamente correta. Interessa-me a justiça", conclui.