Há semanas que o País fala das duas gémeas luso-brasileiras, Maitê e Lorena, de 5 anos, que terão recebido um tratamento privilegiado e conseguiram, em poucas semanas, obter nacionalidade portuguesa e ter acesso a um medicamento com um preço que, na altura, em 2020, custaria perto de 2 milhões de euros. A discussão política e judicial centra-se no eventual favorecimento que terá partido da influência de Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República, e seguido uma cadeia de cunhas que poderá envolver a ex-ministra da Saúde, Marta Temido, e o ex-secretário de Estado, Lacerda Sales, bem como diretores de hospitais. O que tem sido pouco falado é o estado de saúde atual das crianças.
As duas gémeas que receberam em 2020, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, aquele que é conhecido como o medicamento mais caro do Mundo, e que sofrem de atrofia muscular espinhal, regressaram posteriormente ao Brasil, onde continuam a viver, em São Paulo. O medicamento, no entanto, não terá surtido o efeito desejado. Recorde-se que as meninas já estavam a ser tratadas no Brasil com outro medicamento, que obriga a muito mais doses, e que teria o mesmo efeito do Zolgensma, o tal que custava, na altura, 2 milhões de euros. Estes maus resultados não foram surpreendentes. O neuropediatra do Hospital Dona Estefânia José Pedro Vieira reconhece que já na altura, em 2020, havia "condicionalismos enormes" e muitas dúvidas entre o pessoal médico do hospital sobre se as crianças deviam tomar o medicamento. Estas dúvidas iam, no entanto, "contra a pretensão dos pais", como disse, em declarações à TVI. Foi, por isso, que as crianças acabaram por ir parar ao Hospital de Santa Maria.
Mas porque é que Maitê e Lorena vieram para Portugal? Porque o Brasil recusou-se a tratar Maitê e Lorena com o Zolgensma. A recusa foi assinada pelo desembargador Johonsom di Salvo, que lamentou, na altura, a decisão. " É impossível não nos comovermos com a situação de saúde de duas menininhas de tenra idade", disse, argumentando, no entanto, que o medicamento em causa “não é aprovado pela ANVISA", entidade que corresponde ao INFARMED português. Na decisão do juiz é dito também que até no FDA (o mesmo organismo, mas dos Estados Unidos), existem "sérias dúvidas sobre a lisura dos testes de eficácia do medicamento". É dito, ainda, que “o custo fantástico" do Zolgensma "beira a irrealidade”.
A atrofia muscular espinhal é uma doença genética degenerativa, que pode ter vários graus. O medicamento em causa, o Zolgensma, tem como objetivo retardar ao máximo os sintomas degenerativos e aumentar não só a qualidade de vida dos doentes, como prolongar a esperança média de vida, que, por norma, não vai muito além dos 30 anos.
A doença manifesta-se, normalmente, a partir dos 6 meses de idade. Em casos de não deteção, ou quando não é tratada, muito dificilmente as crianças ultrapassam os dois anos de vida. Não é o caso das gémeas luso-brasileiras. Desde bebés que são acompanhadas e tratadas no Brasil, onde eram medicadas com um retardador dos efeitos, que resultados idênticos ao Zolgensma, mas que obriga a muito mais tomas (no caso do Zolgensma é apenas uma). Por isso, as gémeas continuam o tratamento e necessitam de acompanhamento médico. A próxima consulta em Portugal estava marcada para o próximo mês de janeiro de 2024, mas existe a possibilidade de não poder acontecer. O advogado da família das gémeas garante que os pais estão a ser vítimas de xenofobia e a receber "mensagens de ódio" por parte de portugueses, agastados com o caso da alegada cunha. "As meninas têm uma consulta em janeiro, no hospital, mas, tendo em conta as notícias que têm sido publicadas, é impossível viajarem em segurança do Brasil para Lisboa”, explicou Wilson Bicalho, citado pelo "Jornal de Notícias". advogado da família de Maitê e Lorena, de cinco anos.