Alguma vez se perguntou porque é que gosta tanto de crimes grotescos? Até aqui, também não sabíamos, mas a verdade é que existe uma tendência geral para as pessoas gostarem de documentários, filmes ou séries de crimes reais. Quem o diz é a norte-americana Alina Burroughs, apresentadora do "Crime Scene Confidential" e especialista forense, entrevistada pela MAGG.

Alina é também uma das estrelas do novo documentário "The Idaho College Murders" ("Os Homicídios da Universidade de Idaho"), que vai estrear já a 4 de junho no canal ID do Discovery, e que fala sobre os violentos homicídios de quatro jovens numa residência perto do campus de uma universidade em Idaho, Estados Unidos, no final de 2022.

4 estudantes foram esfaqueados até à morte. Um mês depois, ainda ninguém sabe o que aconteceu
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Para nos falar sobre o caso, e para revelar o que podemos esperar do documentário, estivemos à conversa com a especialista forense, que também abordou, entre outros aspetos, o porquê de haver um interesse generalizado neste tipo de temas. De acordo com Alina, "há muitas razões para as pessoas gostarem de crime real".

O fascínio pelos crimes reais e a sua razão de ser

  • Bom vs mau: "primeiro que tudo, há esta dicotomia de bom versus mau, e acho que as pessoas são muito interessadas nisso, porque somos todos humanos, todos temos as mesmas coisas dentro de nós, e ficamos curiosos por saber porque é que alguém segue uma direção, e outra pessoa segue a outra, como é que isso acontece? Como é que cada um de nós acaba num desses grupos?"
  • Lição evolucionária: "acho que somos muito curiosos no que diz respeito a comportamentos desviantes, o que aconteceu para causar isso? De uma perspetiva evolucionária, estamos interessados em olhar para o que nos pode magoar, que lição podemos retirar dali, por isso quando vemos crimes reais pensamos, 'com o que é que preciso de me preocupar? Ao que é que eu devo ter atenção? Que lição há aqui para eu aprender?"
  • Entender o comportamento humano desviante: "é a versão mental de passar ao lado de um acidente de carro. Quando somos humanos, e passamos ao lado de um acidente de carro, não queremos, mas as pessoas olham. Isto é a versão de crime real, é caótico, e nós queremos saber o que aconteceu e porquê, queremos desvendar, olhar, acompanhar em casa e fazer de detetives. Quero ter as mesmas pistas que eles tiveram e ver se chego à mesma conclusão".
  • Pico de adrenalina seguro: "é a versão mental de uma montanha-russa. Há pessoas que vão a parques temáticos, e andam de montanha-russa. Eu não gosto de montanhas-russas, algumas pessoas gostam, porquê? Porque dá um pico de adrenalina, mas sabemos que estamos a salvo. Sei que nada me vai acontecer. Quando as pessoas vêm crime real é a mesma coisa. É o pico de adrenalina, mas eu sei que estou a salvo, sei que não sou a vítima".
Alina Burroughs, apresentadora do Crime Scene Confidential e especialista forense
créditos: divulgação

Alina realça que o caso evidenciado no documentário é ainda mais chocante devido ao facto de as vítimas não terem feito nada de errado, de não terem tido um pingo de culpa naquilo que lhes aconteceu. "Muitos dos homicídios com que trabalho são casos em que as vítimas têm algum papel na sua queda. Seria algo como eu ir comprar drogas e sou esfaqueada ou baleada no processo.  Tive algum papel na minha própria queda porque estava a participar numa atividade ilegal", explica.

"Este caso é o oposto disso, é um homicídio com verdadeiras vítimas. Eles não estavam a fazer nada de errado. Eram estudantes, estavam a viver a vida no que consideramos um espaço sagrado, onde iam aprender. O que estamos a ver, especialmente nos Estados Unidos, é que estamos a perder os nossos espaços sagrados. Já não existe algo assim, e estes eram só miúdos a ir aprender, estavam a tentar viver as suas vidas, a divertir-se, exatamente como deviam."

A especialista forense afirma que, inconscientemente, todos temos um contrato na sociedade, não verbalizado, que transmite que a nossa liberdade termina onde começa a do outro. "Há um contrato na sociedade que quase assinamos sem ser dito. Quando vou ao supermercado, vou comprar a minha comida e não assino um contrato com os restantes clientes que diz 'eu não te mato se tu não me matares'. Não temos de o dizer, é um contrato que existe na sociedade sem ser pronunciado que assinamos uns com os outros, de que vamos tratar dos nossos assuntos sem fazer isso."

Em casos de crimes como os homicídios no campus da universidade de Idaho, "é como se isso fosse quebrado". "Quando acontece, o mundo todo para e é como se o nosso espaço seguro fosse retirado de nós, e é por isso que há tanta gente interessada", afirma a especialista forense.

"Tivemos homicídios no passado, mas nenhum teve a dimensão dos assassinatos destes estudantes"

O documentário que vai estrear brevemente no canal ID mostra o processo de investigação do crime que marcou o final do ano de 2022 para o estado de Idaho, nos Estados Unidos. Ethan Chapin, Xana Kernodle, Madison Mogen e Kaylee Goncalves, com idades compreendidas entre os 20 e 21 anos, eram quatro estudantes e amigos que foram esfaqueados até à morte com uma faca de grandes dimensões, na sua residência, perto do campus universitário.

Cinco meses depois, apesar de haver um suspeito detido, o caso ainda não está resolvido, e existe uma "gag order", ordem instaurada pelo tribunal, que pretende "limitar a quantidade de informação que sai para fora para que o público não determine se o suspeito detido é culpado ou inocente antes de o tribunal o determinar", explica Alina.

O crime ocorreu entre as 3 e as 4 horas da madrugada de dia 13 de novembro de 2022, na cidade de Moscow, estado de Idaho, nos Estados Unidos. O cenário encontrado pelas autoridades foi considerado grotesco, e Cathy Mabbutt, médica legista envolvida no caso, contou à "NBC News" que "havia imenso sangue no apartamento". "As feridas eram bastante grandes. Tivemos homicídios no passado, mas nenhum teve a dimensão dos assassinatos destes estudantes."

Meses depois, devido à providência cautelar instaurada pelo tribunal, não são conhecidos grandes detalhes, mas sabe-se que os estudantes saíram à noite a 12 de novembro, um sábado, e que as câmaras de vigilância de alguns locais por onde passaram permitiram desenhar a noite, até os mesmos terem regressado a casa. Ethan era o namorado de uma das raparigas, e apesar de não morar nas residências, nessa noite em específico acompanhou a jovem a casa.

Aquando dos homicídios, as quatro vítimas mortais não eram as únicas pessoas na casa. A residência era constituída por três andares, com dois quartos em cada um, e na cave da casa, onde existiam dois quartos, estavam mais duas colegas de casa a dormir, que sobreviveram aos acontecimentos dessa noite. "As outras colegas de casa estavam num andar diferente da residência, quase como uma cave, que tinha uma entrada separada para a casa. Elas ouviram barulhos mas atribuíram a que fossem as colegas a chegarem a casa nessa noite", conta a especialista forense Alina Burroughs à MAGG.

Com o tempo, foram aparecendo mais provas, pouco a pouco, que conseguiram evidenciar que aquele teria sido um ataque planeado, mas ainda assim não existiam suspeitos. Tal como Alina refere, a população em geral começou a criar o receio de que a investigação não fosse dar em nada, e que o caso permanecesse aberto.

"Vimos muitas conferências de imprensa em que as pessoas estavam preocupadas com o facto de o caso continuar por resolver, e quando eu aparecia dizia 'relaxem, as autoridades não vos podem contar tudo, não podem dizer as pistas, deixem que aconteça'", afirma a especialista envolvida no caso.

"A pena de morte é uma opção que está em cima da mesa"

A 30 de dezembro, foi detido um suspeito através de provas de ADN. Bryan Christopher Kohberger, de 28 anos, vivia em Pullman, Washington, mas foi detido na Pensilvânia, a cerca de quatro mil quilómetros do campus da universidade de Idaho.

"As acusações que ele enfrenta são quatro crimes de homicídio e um crime de invasão de propriedade privada. Neste momento ainda não sabemos se a acusação vai ponderar a pena de morte, mas é uma opção que está em cima da mesa", partilha Alina. O homem encontra-se atualmente detido em Idaho e "a próxima data para que olhamos é dia 26 de junho, a audição preliminar, que é quando esperamos que ele seja considerado culpado ou inocente".

créditos: divulgação

Quanto aos aspetos que possam ligar Bryan ao crime, Alina deixou algumas pistas. "Da informação que temos parece que podemos ter um elemento de stalking, antes dos crimes cometidos. Sabemos que ele seguia as raparigas nas redes sociais, sabemos que ele tentou contactar uma delas. Mandou mensagens a dizer 'olá', ela não respondeu, mas é incerto se ela sequer tenha visto as mensagens porque não o seguia de volta nas redes sociais, uma vez que vão para o separador de spam e não diretamente para a caixa de mensagens. Temos aqui um elemento de stalking antes do caso? Será que ele andava a observar uma ou mais vítimas? É possível", partilha Alina.

"A palavra 'incel' foi usada para descrever Kohberger. 'Incel' é uma abreviatura para 'involuntary celibate' (celibatário involuntário), que significa que era alguém que queria contacto físico com uma mulher, mas não o conseguia obter", explica a especialista. "Terá isso resultado em algum tipo de frustração, raiva, ou ressentimento contra as mulheres? Será que se enquadra neste tipo de caso? Talvez sentimentos de inadequação, vemos isso a entrar em cenário?", questiona.

De algum modo, o atacante procurava uma vingança. "Obviamente é um crime intensamente raivoso, violento, e pessoal, quando vemos que alguém usa uma faca. Esfaquear alguém é um ataque muito pessoal, tem de se ser próximo das vítimas, tem de sentir a arma na vítima, tem de estar bem com o facto de ter sangue em si próprio, tem de estar bem com o facto de estar envolvido com a vítima nesse caso em particular. Também vemos, neste caso, que foi planeado", diz a especialista. "A arma foi levada para o local, esta não foi uma arma de oportunidade, foi planeado com tempo", revela Alina.

Contudo, os especialistas ainda não conseguiram perceber se a morte do jovem, Ethan, também estava nos planos, dado que o rapaz não morava nas residências, e teria, tal como já foi mencionado, acompanhado a namorada no regresso a casa nessa noite em particular.

"Num casos destes, o grande final é o julgamento. Os investigadores ainda estão a construir o caso, estão a trabalhar nas amostras de ADN, nas impressões digitais, estamos a construir o caso para o tribunal. No documentário vão ver-me a mim, e a outros, a explicar o processo de investigação. O que se passa no local do crime? O que se passa na investigação? É nisso que o mundo está interessado", concretizou a especialista forense.