O Brasil (e o mundo) está em estado de revolta após um juiz brasileiro ter absolvido o empresário de futebol André de Camargo Aranha, acusado de violar a jovem influenciadora digital Mariana Ferrer, de 23 anos, numa festa em Florianápolis em dezembro de 2018. A justiça aceitou o argumento de que se tratou de um "estupro culposo", expressão que se refere a uma violação sem intenção de violar. Contudo, essa mesma expressão não está prevista na legislação brasileira, razão pela qual o empresário foi absolvido das acusações.

A decisão foi avançada em setembro pela justiça brasileira, mas só esta terça-feira, 3 de novembro, veio a público quando o jornal de investigação "The Intercept" divulgou imagens exclusivas do julgamento durante o qual Mariana Ferrer foi humilhada pelo tribunal.

Pode ouvir-se o advogado de defesa do empresário, Cláudio Gastão da Rosa Filho, a dizer: "Tu vive disso? Esse é teu criadouro, né, Mariana, a verdade é essa, né? É teu ganha pão a desgraça dos outros? Manipular essa história de virgem?.

O advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho recorreu até a fotografias antigas de Mariana Ferrer enquanto modelo profissional com o objetivo reforçar o argumento de que a relação sexual foi consensual — imagens essas que o advogado descreveu como se Mariana estavivesse em "posições ginecológicas". Quando Mariana Ferrer questionou o que é as fotos tinham que ver com o caso, ninguém no tribunal se manifestou.

Perante a forma como estava a ser tratada, Mariana Ferrer mostra-se nervosa, não contém o choro e o advogado de defesa de André de Camargo Aranha volta ao ataque. "Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo".

Já no limite, perante a humilhação de que estava a ser alvo, Mariana Ferrer diz: "Eu gostaria de respeito, doutor, excelentíssimo, eu estou implorando por respeito no mínimo. Nem os acusados, nem os assassinos são tratados da forma que eu estou sendo tratada, pelo amor de Deus, gente. Que é isso?".

As imagens chocaram até o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que não compreende a conduta do tribunal. "As cenas da audiência de Mariana Ferrer são aterradoras. A justiça deve ser um instrumento de acolhida, nunca de tortura e humilhação. Os órgãos de correção devem determinar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que não atuaram", diz.

O caso inundou as redes sociais do Brasil ao longo desta terça-feira, 3, com publicações de celebridades e ativistas. Entre os comentários da publicação do jornal no Instagram, pode ler-se o da modelo Letticia: "Se a gente não consegue assistir imagina como essa menina consegue viver com tudo isso. Mariana e todas que passam por isso, nos perdoem por nossa impotência, por mesmo com tanta luta não conseguirmos validar nossa voz. Hoje é mais um dia horrível pra ser mulher no Brasil e no mundo, assim como todos os outros dias são".

Também a cantora Anitta pronunciou-se sobre o caso nas histórias de Instagram, nas quais mostrou apoio à alegada vítima. "Vergonha é ter filho mal caráter. Foto sensual não é convite para estupro", escreveu.

anitta
créditos: anitta/Instagram

Também pelo Twitter o caso tornou-se viral através da hashatg #nojento e #EstuproCulposoNãoExiste, usada por políticos e até equipas de futebol, como o Flamengo. "#EstuproCulposoNãoExiste. Justiça para todas as mulheres", escreveu o clube.

As partilhas são várias, desde comentários a publicações que condenam a atitude do tribunal brasileiro perante o caso e até já levaram à convocação de protestos nos próximos dias. Também em Portugal a expressão "estupro culposo" está a ganhar visibilidade e a ser amplamente criticada pelo facto de este termo usado pela justiça não existir. Estas são algumas das mensagens partilhadas pelos portugueses. 

Outra das publicações virais é da atriz brasileira Taís Araujo, que partilha um esquema no qual mostra que qualquer argumento usado contra as mulheres não é justificativo para uma violação e usa ainda a hashtag #NãoExisteEstuproCulposo.