A escravatura como era descrita até ao século XIX parece ter chegado ao fim. Em Portugal, foi abolida em 1761, pelo Marquês de Pombal. Mas agora, e talvez sem termos noção disso, estamos perante uma "escravatura moderna".

Segundo a organização não-governamental Anti-Slavery International, atualmente uma pessoa é considerada escrava se for forçada a trabalhar através de coerção, ou ameaça mental ou física, se é controlada ou tida como propriedade pelo empregador, se é desumanizada (em que é tratada como uma mercadoria), se é fisicamente constrangida e se tem restrições à sua liberdade de movimento.

O jornal britânico "The Guardian" avança esta segunda-feira, 25 de fevereiro, que há atualmente mais pessoas escravizadas do que em "qualquer outro momento da história". De acordo com os últimos dados da Organização Mundial do Mundial, estima-se que cerca de 40,3 milhões de pessoas estão a vivenciar alguma forma de escravatura moderna, sendo que 24,9 milhões o são em trabalho forçado. O relatório refere também que 1 em cada 4 vítimas de escravatura moderna são crianças.

Dados do Índice Global de Escravatura relativos ao ano de 2018, elaborado pela Walk Free Foundation, indicam também que as mulheres e as meninas são as mais afetadas, representando 71% das vítimas da escravatura. As crianças correspondem a 25% do total de escravos, ou seja, o equivalente a dez milhões em todo o mundo.

Os relatórios mostram que dos 24,9 milhões das pessoas escravas, cerca de 16 milhões trabalham no setor privado. Estes escravos modernos fazem trabalho doméstico (limpam casas e apartamentos), produzem as roupas que vestimos, trabalham na construção e na agricultura (escolhem as frutas e os legumes que comemos), escavam os metais e os minerais utilizados nos nossos smartphones, na maquilhagem e nos carros elétricos e "trabalham nas obras de construção das infraestruturas para o Campeonato do Mundo de 2022, no Qatar."

Cerca de 4,8 milhões das pessoas que são escravos de trabalhos forçados são também sexualmente explorados. Por outro lado, há 4,1 milhões de pessoas que fazem trabalho forçado para o Estado, como o abuso governamental de recrutamento militar, construção forçada ou trabalho agrícola.

A escravatura moderna está mais presente em África, seguida pela Ásia e pelo Pacífico

A escravatura moderna está mais presente em África, seguida pela Ásia (com grande destaque para a Coreia do Norte) e pelo Pacífico. Ainda assim, os números podem ser um pouco distorcidos devido à dificuldade da recolha dos dados de algumas regiões. "Acreditamos que a estimativa global de 40,3 milhões é a informação mais confiável até hoje, embora consideremos que seja uma estimativa conservadora, uma vez que existiram milhões de pessoas que não conseguimos alcançar em zonas de conflito ou de refugiados”, afirmou Michaëlle de Cock, estatística sénior da Organização Mundial da Saúde, ao jornal britânico "The Guardian".

E por que é que ainda há tantos escravos hoje em dia? Porque a escravatura é um negócio que gera lucros astronómicos. Segundo Siddharth Kara, ativista e especialista em escravidão moderna e tráfico de seres humanos, os comerciantes modernos de escravos ganham atualmente até 30 vezes mais do que no século XVIII e XIX.

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De acordo com a organização não-governamental Anti-Slavery International, a escravatura moderna pode afetar pessoas de qualquer idade, raça ou género. Contudo, pessoas mais vulneráveis, como aquelas que vivem num contexto de pobreza e sem perspetivas de emprego ou os migrantes têm mais propensão para aceitar este tipo de trabalhos, que é quase sempre diferente daquilo que é prometido inicialmente.

Todos os países são afetados pela escravatura moderna, dado que cerca de 1,5 milhões de pessoas vivem nos países ditos desenvolvidos, dos quais Portugal faz parte. Ainda assim, no Índice Global de Escravatura, Portugal aparece como um dos países onde o governo toma mais medidas e ações de resposta à escravatura moderna, ao lado de países como o Reino Unido, Bélgica, Espanha, Noruega ou Croácia. Do mesmo modo, a prevalência de escravatura moderna no nosso País é também baixa.