Teve o mundo aos seus pés, até que tudo se desmoronou. Do divórcio à perda de leitores, aquela que um dia foi considerada a "rainha das mommy bloggers" teve uma depressão profunda de 18 meses que quase a matou. Até que descobriu um ensaio clínico inovador, que tinha tanto de assustado, como de esperançoso. No seu novo livro, “The Valedictorian of Being Dead: The True Story of Dying Ten Times to Live”, Heather relata tudo o que passou.

Em 2001, ninguém falava no lado mau da maternidade. Pelo menos não publicamente: Heather Armstrong foi provavelmente uma das primeiras mulheres a usar a sátira e o humor negro para falar de fraldas, amamentação, trabalhos de casa ou atividades extra-curriculares. Nos primórdios da blogosfera, a norte-americana então com 25 anos criou o Dooce, um blogue honesto, divertido e muito pessoal.

Heather construiu um império: apareceu no programa de Oprah, foi considerada uma das 30 mulheres mais influentes nos media pela "Forbes" e até recebeu o título de "rainha das mommy bloggers" pela "New York Times Magazine". Em termos financeiros, também não tinha como se queixar: com um média de 8,5 milhões de leitores por mês, Armstrong fazia mais de 35 mil euros mensalmente só com banners de publicidade no site.

Heather com a filha Leta, quando era apenas um bebé. Hoje tem 15 anos

Tudo mudou em 2012. Foi um ano complicado: além de o blogue começar a tornar-se cada vez menos rentável, Heather e o marido, Jon, separaram-se. Os fãs ficaram furiosos com o divórcio, e não a pouparam a críticas — desde as caixas de comentários carregadas de ódio, até aos emails com as mensagens mais mesquinhas, a mulher começou a ser perseguida online.

De repente, Heather sentiu que não tinha para onde se virar. Para piorar tudo, a depressão que enfrentava desde nova estava mais grave do que nunca. Em março de 2017, Armstrong decidiu inscrever-se num ensaio clínico para tentar curar de uma vez por todas o problema. O tratamento consistia em ser colocada num coma induzido durante 15 minutos, num total de dez vezes.

"Eu sentia que não fazia sentido viver", contou Heather à "Vox". "Quando estás desesperada a esse ponto, tentas qualquer coisa".

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De mórmon a estrela da internet. Como tudo começou

Heather nunca escondeu a sua batalha contra a depressão. Numa das suas primeiras publicações no blogue, a norte-americana disse que uma forma fácil e rápida de a deixarem furiosa era acusarem-na de se drogar com medicamentos anti-depressivos. O tema foi abordado várias vezes e, em 2003, chegou mesmo a revelar que a depressão era comum na família.

"Seis dos oito irmãos e irmãs da minha mãe têm, a minha avó teve, o meu irmão sofre com isso todos os dias", escreveu.

Heather cresceu na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mais conhecidos como mórmons), mas começou a ter sérias dúvidas sobre a sua religião quando entrou na faculdade. Acabou por abandonar a igreja quando terminou o curso na Universidade Brigham Young, mudando-se logo de seguida para Los Angeles para abraçar uma vida secular.

Estávamos em 1997 e a internet começava a ganhar uma visibilidade nunca antes vista. Steve Jobs tinha acabado de regressar à Apple, havia pouco mais de 100 mil sites online e a resolução de ecrã 800×600 era a mais popular (embora ainda houvesse muita gente com a 640x480). Heather apaixonou-se rapidamente por este mundo: aprendeu HTML e começou a trabalhar numa empresa como programadora, a escrever código para startups.

Em 2001, decidiu criar o blogue Dooce. O nome foi inspirado na alcunha que os colegas de trabalho lhe deram quando ela se enganou a escrever a palavra "dude". Durante um ano, a norte-americana manteve as duas profissões — até ser despedida, depois de os colegas descobrirem que falava sobre eles online. Se alguma vez viu a palavra Dooce associada a alguém que foi despedido por escrever alguma coisa na internet, já sabe como surgiu.

Nesse mesmo ano, Heather casou-se com Jon Armstrong e em 2004 teve a primeira filha, Leta. A maternidade tornou-se num assunto premente no site, mas era abordado de uma forma muito diferente do habitual. Heather não tinha medo de dizer que odiava amamentar ou que teve uma depressão pós-parto — que a obrigou, inclusivamente, a dar entrada numa clínica psiquiátrica.

Sobre o casamento com Jon, Heather também era muito honesta — apesar de amar muito o marido, era evidente que havia alturas em que davam em malucos um com o outro. Jon também escreveu um texto para o blogue onde dizia que se tinham tornado mestres a gerir crises. E isso não era fácil. "Eu também tenho que ser forte e assertivo grande parte do tempo, caso contrário vou ser derrubado pela doença". Neste caso em específico, Jon falava da depressão da mulher.

Heather e o ex-marido, Jon

O blogue Dooce transformou-se numa verdadeira comunidade para todas as mães que passavam por experiências iguais ou semelhantes. E com esse sentido de comunidade veio, claro, o sucesso. De repente, o nome Heather Armstrong estava em todo o lado.

Em 2011, a norte-americana estava a fazer tanto sucesso que era capaz de ganhar o suficiente para si e para o marido, ao mesmo tempo que pagava a uma assistente e a duas babysitters.

"O ódio era muito, muito assustador, e muito, muito difícil de superar. Ele entra na tua cabeça e come-te o cérebro. Torna-se intolerável"

A primeira grande onda de criticismo aconteceu em 2004, quando Heather decidiu colocar publicidade no blogue. Apesar de tudo, a jovem sentiu-se poderosa. Não precisava que nenhum editor lhe dissesse que o seu trabalho valia a pena, ela conseguia provar que era capaz sozinha.

E foi. Só que o sucesso não atrai apenas fãs, e a comunidade das mães consegue ser bastante agressiva. Com o passar dos anos, os comentários tornaram-se cada vez mais duros. Tudo servia para a criticar, fosse a forma como decidia pôr os filhos a dormir até à sua própria depressão. Havia fóruns criados especificamente só para a arrasar.

Em 2012, já com o blogue cada vez menos rentável, Heather enfrentou o fim do seu casamento. Uma vez que Jon era também um parceiro de Dooce, a situação foi ainda mais complicada. O casal anunciou que ia separar os blogues — Jon passou a escrever no Blurbomat — e os fãs não perdoaram. Eles não queriam aquele divórcio e, como se tivessem alguma opinião sobre o assunto, tornaram isso bem claro.

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Há uma parte que é compreensível. Depois de anos a falar do marido como se fosse um verdadeiro herói, o seu melhor amigo e um companheiro indispensável na luta contra a depressão, como é que as coisas poderiam então ter corrido mal? Na verdade, admitiria mais tarde Heather, o casal estava a fazer terapia há vários anos e Jon estava longe de ser o seu braço direito. Pelo contrário, havia alturas em que era controlador e a punia por não conseguir superar os comentários de ódio.

Só que eles estavam lá, eram constantes e arrasadores. "O ódio era muito, muito assustador, e muito, muito difícil de superar. Ele entra na tua cabeça e come-te o cérebro. Torna-se intolerável", disse à "Vox".

Heather e a filha Marlo, 9 anos

Não foi fácil tomar a decisão de se divorciar. Quando a tomou, porém, também não foi fácil lidar com o público. Houve quem lhe dissesse inclusivamente que era uma afronta separar-se do marido, uma vez que os fãs tinham investido o seu tempo a segui-la.

O blogue ainda conseguiu sobreviver algum tempo após o divórcio, alimentado sobretudo com receitas, guias de compras e textos sobre ser-se mãe solteira. Em 2015, porém, Heather anunciou que ia parar por uns tempos.

Uma decisão assustadora: entrar em coma induzido dez vezes para curar a depressão

Em dezembro de 2016, Heather ligou à mãe. Sentada no chão da cozinha, disse-lhe entre lágrimas e soluções que queria morrer. Os filhos estavam a quilómetros de distância a passar o Natal com o pai, ela tinha acabado de ser abandonada num encontro. Naquele momento, nada parecia fazer sentido.

Há 18 meses que lutava contra uma depressão profunda. Há 18 meses que lutava para viver mais um dia quando tudo o que queria fazer era matar-se. Há 18 meses que a dor era demasiado profunda.

Naquele momento, a mãe percebeu que havia algo de diferente naquele telefonema, apesar de a filha já o ter repetido antes. Assegurando-se de que mantinha Heather em linha, fez 40 minutos de carro para ir ter com ela e assegurar-se de que não passava a noite sozinha. Na manhã seguinte, obrigou-a a marcar consulta num psiquiatra. Algo tinha que mudar.

Apenas uns meses depois, Heather estava a entrar num estudo pioneiro para pessoas que sofriam de depressão, realizado pela Universidade do Utah. O ensaio clínico consistia em ser colocada num coma induzido durante 15 minutos, num total de dez sessões. A blogger foi a terceira pessoa no mundo a ser submetida a este tratamento e, em entrevista ao "The Guardian", confessou mais tarde que nem pensou muito nisso. Estava num estado de total dormência.

"Eu não sentia absolutamente nada naquela altura. Podia ter-me atirado de um avião que não teria sequer pestanejado."

Heather Armstrong durante o tratamento

No mês seguinte, Heather começou a ir ao hospital três vezes por semana para ser colocada num estado profundo de anestesia. Com a ajuda de um potente anestésico de curta duração chamado Propofol, Heather era induzida num coma profundo quase de morte cerebral.

O objetivo era aliviar os sintomas da depressão acalmando a atividade elétrica do cérebro. A técnica era semelhante à Terapia Eltroconvulsiva (ECT), no qual são administrados choques elétricos no cérebro na esperança de redefinir a química do mesmo. Neste caso não havia choques elétricos, apenas anestesia.

Apesar de no novo livro a blogger descrever estas sessões como estar perto da morte, Brian Mickey, o médico que realizou o estudo, garante que é um exagero.

Heather com o namorado, Pete Ashdown

Longe ou perto de morrer, a partir do quinto tratamento Heather começou a notar diferenças. De repente, não estava mais cansada, queria levantar-se da cama, até mesmo dançar. Do total de dez participantes no estudo, Armstrong foi um dos seis que viu a sua depressão diminuir em 50% ou mais.

Neste momento o tratamento permanece experimental, carecendo de novos estudos. Heather, porém, voltou a ganhar controlo na sua vida. Em 2017, depois do tratamento, voltou ao blogue. E descobriu que uma comunidade fiel ainda aguardava o seu retorno. Hoje vive com o namorado, Pete Ashdown, e as duas filhas, Leta, 15 anos, e Marlo, 9, numa rua tranquila em Salt Lake City, no sopé da montanha Wasatch.

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Como foi voltar à blogosfera?

Numa blogosfera (e instafera) cada vez mais competitiva, onde influenciadores e bloggers lutam pelo maior número de seguidores, Heather garante que não está para embarcar nessa guerra. "Ser influenciador hoje em dia significa partilhar momentos perfeitos, e não foi para isso que voltei", disse à "Vox". "Os mommy blogs estão mortos, e acho que a grande maioria dos meus colegas concordará com isso".

Hoje, o blogue fala abertamente sobre saúde mental. Ainda há roteiros, alguns textos mais pessoais e promoção de marcas, mas de uma forma muito diferente. Quando escreve sobre os filhos, por exemplo, pede-lhes permissão para o fazer.

A sua comunidade também está diferente. Heather escreve para cerca de 500 mil leitores, um número que pode parecer surpreendente em Portugal, mas que está muito longe da sua audiência anterior.

Hoje Heather vive com o namorado, Pete Ashdown, e duas filhas, Leta, 15 anos, e Marlo, 9, numa rua tranquila em Salt Lake City, no sopé da montanha Wasatch

Ainda assim, não está preocupada. Para já, a autora de Dooce quer continuar a falar sobre saúde mental, bem como a promover o seu livro. Sobre o facto de falar pouco sobre o blogue em "The Valedictorian of Being Dead: The True Story of Dying Ten Times to Live", Heather explica que foi propositado.

"Muitos leitores procuraram-me no passado lendo o meu blogue, pedindo ajuda e conselhos", diz à "Vox". "Mas agora quero chegar a pessoas que nunca me leram, que não veem uma mommy blogger como parte da história".

Quanto aos haters, Heather também não está preocupada. "As piores coisas que já foram ditas sobre mim já foram ditas", conclui. O pior já passou, portanto.

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