Esta terça-feira, 29 de agosto, Marta Temido apresentou a sua demissão do cargo de ministra da Saúde. Depois de 1.414 dias no cargo que ocupou em 2018, Temido é a primeira baixa no atual governo de António Costa. O primeiro-ministro já fez saber que aceitou a demissão da ministra, depois de a mesma "entender que deixou de ter condições para se manter no cargo".
O percurso de Marta Temido enquanto ministra da Saúde foi turbulento — e com uma pandemia pelo meio —, culminando no verão de 2022, onde os problemas nas urgências (com especial enfoque nos vários serviços de obstetrícia pelo País) multiplicaram-se a cada semana.
A gota de água, e que pode ter conduzido à demissão de Temido, foi a morte de uma mulher de 34 anos, grávida de 30 semanas, que sofreu uma paragem cardiorrespiratória quando estava a ser transferida do Hospital de Santa Maria para o São Francisco Xavier, ambos em Lisboa, após a primeira unidade de saúde não ter vagas na Neonatologia.
Esta é a mais recente morte num conjunto de 119 em 180 dias relacionadas com partos em Portugal, o que levou a OVO Portugal — Observatório de Violência Obstétrica em Portugal a organizar uma vigília de protesto no próximo dia 4 de setembro em frente à Assembleia da República, em Lisboa, a partir das 18h30.
Após 1.414 dias com a pasta da Saúde, recorde as maiores polémicas da agora ex-ministra de 48 anos.
"Criminosos". Marta Temido teve de pedir desculpas aos enfermeiros
Em dezembro de 2018, cerca de dois meses após tomar posse como ministra da Saúde, Marta Temido viu-se envolvida numa polémica com os enfermeiros.
Numa entrevista conjunta ao "Diário de Notícias" e à TSF que aconteceu durante uma greve desta classe profissional, Marta Temido salientou que se recusava a iniciar imediatamente as negociações com os enfermeiros em paralisação por considerar que tal seria beneficiar "o criminoso, o infrator".
A frase não foi bem aceite, e a na época ministra foi obrigada a retratar-se, tendo telefonado a Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros. Marta Temido pediu desculpas pelo uso da palavra criminosos, e a bastonária, depois de aceitar o mesmo pedido, afirmou que existia "um caminho aberto para o diálogo".
Depois dos enfermeiros, os médicos: ministra queria resiliência
Em 2020, a pandemia da COVID-19 mudou o mundo e também Portugal, que se viu a braços com uma situação sem precedentes e muito poucas respostas. As mortes multiplicavam-se, as dúvidas também, o medo era palpável e os hospitais rebentavam pelas costuras. Os médicos e enfermeiros estavam na linha da frente do combate à pandemia, com turnos infinitos, pouco tempo de descanso e muitos afastados semanas e semanas das suas famílias e das suas casas.
Foi ainda no rescaldo desse cenário de rutura que Marta Temido voltou a proferir palavras que não caíram bem junto da classe médica. Em novembro de 2o21, no parlamento, Temido referiu a resiliência como característica fundamental no perfil de um médico do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
"Outros aspetos como a resiliência são aspetos tão importantes como a sua competência técnica", disse Marta Temido, uma frase que valeu não só a contestação da Ordem dos Médicos como do próprio presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Depois da polémica, mais um pedido de desculpas genuíno, como Marta Temido fez questão de salientar, e uma explicação adicional. " É necessário que todos façamos um investimento em mais resiliência, sobretudo quem trabalha em áreas tão exigentes como as da saúde”, referiu, à época.
O telefonema das férias
Já durante o verão de 2022, com urgências encerradas e uma falta de médicos transversal a muitos hospitais portugueses, Marta Temido terá telefonado a vários diretores de serviço de hospitais do SNS, questionando-os sobre o porquê de estes não terem suspendido as férias dos médicos para colmatar as várias falhas nas escalas de serviço.
A denúncia partiu do Sindicato Independente dos Médicos (SIM), que num comunicado acusou Marta Temido de "fazer telefonemas a diretores de serviço a questioná-los por não terem suspendido as férias dos médicos em resposta à falta de recursos agravada por abandonos em massa do SNS ou substituir diretores clínicos na esperança que sejam tirados coelhos da cartola", de acordo com a CNN Portugal.
A informação foi confirmada por diretores de serviço, com um representante da ARS Lisboa e Vale do Tejo (embora de forma anónima) a reiterar ao "Observador" que Marta Temido lhe ligou diretamente a perguntar se havia a possibilidade de "melhorar a escala" divulgada.
O responsável salientou que "foi um telefonema desagradável" e que Marta Temido se mostrava "exaltada" e "em pânico", tendo, inclusive, responsabilizado o diretor pela falta de médicos nas escalas. "Com o número de médicos que temos, é impossível ter as escalas completas", lamentou, tal como escreve a mesma publicação. O mesmo diretor de serviço fez saber que foi precisamente essa a mensagem que teria passado a Marta Temido.
Encerramento de serviços levou à morte de um bebé
Em junho deste ano, o caos nas urgências conduziu à morte de um bebé. Uma mulher grávida perdeu o bebé na quarta-feira, 8 de junho, alegadamente por falta de médicos na urgência obstétrica no hospital das Caldas da Rainha, o que levou ao encerramento do serviço naquela noite, avançou à época a RTP.
A unidade do Centro Hospitalar do Oeste teria instruções para não aceitar mulheres grávidas no dia em questão, mas a mulher em causa acabou por entrar no hospital das Caldas da Rainha em trabalho de parto e foi encaminhada para o bloco para fazer uma cesariana de urgência. Contudo, a demora para ser atendida terá levado à morte do bebé.
O hospital determinou a abertura de um inquérito e participou o caso à Inspeção-Geral das Atividades em Saúde. Questionado sobre a situação, o Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Oeste confirmou, em comunicado, que a urgência obstétrica do hospital das Caldas da Rainha teve constrangimentos no preenchimento da escala, determinando assim o encerramento da urgência.
A "gota de água": grávida morre ao ser transferida de hospital por falta de vagas
Esta terça-feira, 29 de agosto, no mesmo dia em que Marta Temido apresenta a sua demissão do cargo de ministra da Saúde, foi divulgada a informação da morte de uma mulher de 34 anos, grávida de 30 semanas, durante a transferência para um segundo hospital por falta de vagas.
A 23 de agosto, a mulher de nacionalidade indiana a passar férias em Portugal teve de ser transferida do Santa Maria para São Francisco Xavier devido ao primeiro hospital não ter vagas na unidade de Neonatologia. A grávida sofreu uma paragem cardiorrespiratória durante a transferência, tendo sido realizada a reanimação na viagem.
"Foi submetida a uma cesariana urgente, tendo o recém-nascido 772 gramas, que foi para a unidade de cuidados intensivos neonatais por prematuridade", divulgou o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN) em comunicado, tal como escreve o "Jornal de Notícias".
A mulher foi internada na unidade dos cuidados intensivos do São Francisco Xavier, mas acabou por morrer. De acordo com as informações mais recentes, o bebé continua internado na unidade de neonatologia do mesmo hospital.
No entanto, e apesar do caos atual no que diz respeito aos vários serviços dos hospitais nacionais com falhas nas escalas, o mesmo comunicado do CHULB salienta que a "equipa de urgência de obstetrícia e ginecologia do CHULN encontrava-se completa" e esclarece que "a gestão em rede das vagas de Neonatologia é prática corrente há vários anos, sendo o transporte intrauterino de grávidas estabilizadas a prática recomendada por todas as instituições internacionais".
O caso foi o último a ser conhecido antes da demissão de Marta Temido do cargo de ministra da Saúde.