
Na passada segunda-feira, 31 de março, foi publicada em Diário da República uma nova lei que visa proteger todas as mulheres grávidas de violência obstétrica durante o parto. Em causa estão "os direitos na preconcepção, na procriação medicamente assistida, na gravidez, no parto, no nascimento e no puerpério" das mulheres, "através da criação de medidas de informação e proteção contra a violência obstétrica", como se lê no site oficial.
Assim, a nova lei, que tem ainda de ser regulamentada, tem como objetivo "pôr fim a atitudes e a práticas de violência relativamente aos cuidados de saúde das mulheres, sendo que um dos casos mais conhecidos é o da episiotomia rotineira". Este é um ato médico que consiste no corte dos tecidos vaginais durante o parto, e que, supostamente, só é recomendado em casos de sofrimento fetal ou materno, sendo assim necessário para acelerar o parto sem que existam complicações.
Fernando Cirurgião, médico e diretor do serviço de Obstetrícia e Ginecologia na Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, explica à MAGG que, no entanto, esta rotina tem sido extinta ao longo dos últimos anos pelos profissionais de saúde, e que a nova lei acaba por não ter efeito para quem já excluía a episiotomia da sua rotina.
"A tendência em Portugal, nos últimos cinco, seis anos, tem vindo a diminuir"
"Do ponto de vista da prática obstétrica, a verdade é que as regras já estão bem definidas no que toca à episiotomia, que é o que está aqui em causa. Aquilo que nós sabemos é que a tendência em Portugal, nos últimos cinco, seis anos, tem vindo a diminuir", disse.
Assim, de forma geral, diz o médico, esta já não é uma prática muito comum de se ver, exceto quando é impossível existir outra solução. Isso acontece quando existe "sofrimento fetal, que é quando o bebé está a nascer e naquele momento começa a ter bradicardia fetal, que se pode contrair em hipóxia cerebral", refere.
Nestas situações, esta prática pode mesmo ser a grande diferença entre um bebé nascer de forma saudável ou não, e por isso é que é recomendada nestes casos. Além disso, também é quase obrigatório a realização de uma episiotomia quando existem "partos instrumentalizados, como por exemplo com a utilização de fórceps", uma vez que é preciso existir uma maior abertura.
"Uma outra situação que também pode acontecer e que é difícil de prever é a distocia de ombros, que é quando a cabeça sai mas os ombros são mais largos e, assim, o resto do corpo não passa, chegando ao ponto de ser preciso fazer uma episiotomia para ambos os lados. Às vezes, é quase um vale tudo para conseguir extrair o bebé", explica Fernando Cirurgião, acrescentando que a própria elasticidade do períneo (a área entre o ânus e a vagina) e a falta de colaboração da mulher em trabalho de parto, uma vez que a epidural pode camuflar as dores das contrações, também são algumas das causas para a prática de uma episiotomia.

No entanto, como em todas as situações, um corte dos tecidos vaginais pode sempre levar a dores no trato urinário e desconforto, uma vez que se corta não só a pele como o próprio músculo. Ainda assim, esta prática serve para "evitar as tais lacerações de terceiro e quarto grau, que envolvem depois os fíncters, urinário e anal, e consequentemente a incontinência", diz o especialista.
"A questão prática é que quando rasga, normalmente rasga para o ponto mais fraco, que é o ânus, por isso é que a prática é feita meio-lateral, é feita para o lado para evitar isso", diz o obstetra. Contudo, Fernando Cirurgião afirma novamente que esta é uma prática que já não é tão rotineira como antes.
Com a ameaça de processos, taxa de cesarianas vai aumentar
"A verdade é que desde há cinco ou eis anos que estamos todos mais sensibilizados para a não prática da episiotomia rotineira. No fundo, já existe essa consciencialização, a boa prática é evitar, e como já tínhamos esse pensamento, nada vai mudar. Quase que apetece dizer que neste momento, para Portugal, este tema é despropositado", explica, tendo a consciência de que "do ponto de vista legal, existindo esta auditoria, esta inspeção, por causa da lei, muito possivelmente o que vai acontecer é aumentar a taxa de cesariana".
Isto porque se os profissionais de saúde não conseguirem justificar o porquê de terem realizado uma episiotomia serão alvos de um processo disciplinar, como manda a nova lei, e para se salvaguardarem, poderão apostar mais em cesarianas. Esta prática também não é fora do comum, uma vez que o diretor de serviço explicou que desde há mais ou menos cinco anos que a taxa de cesarianas passou de 15% para 40%.
Entre os processos disciplinares, estão "penalizações no financiamento e sanções pecuniárias a aplicar aos hospitais", assim como a abertura de um "inquérito disciplinar aos profissionais de saúde", especialmente em situações onde as mulheres não foram devidamente informadas nem lhes foi pedido consentimento sobre o procedimento, refere a lei.