Passaram 16 meses desde que os bares e discotecas foram forçados a encerrar devido à COVID-19. Mais de um ano depois, e sem qualquer período de abertura pelo meio, há um regresso à vista. A retoma chega por um motivo em particular: incentivar os jovens a serem vacinados, uma vez que só assim poderão regressar às discotecas.
De acordo com o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro, "é importante pensar em medidas que permitam associar a liberdade de circulação, de abertura de determinadas atividades com a necessidade de vacinação para também estimular os jovens à vacinação", entre as quais está a reabertura de bares e discotecas, disse em entrevista ao jornal "Público".
A vacinação é um fator de peso para a decisão de abrir ou não as discotecas e bares e o também responsável pela coordenação da resposta à pandemia da COVID-19 na região de Lisboa e Vale do Tejo considera que com a vacinação quase completa de pessoas com mais de 60 anos "começa a ser altura de poderemos pensar abertamente" na reabertura dos espaços noturnos. Mais do que isso, a vacinação dos mais jovens será determinante. "Tendo a achar que o momento deveria coincidir com o momento em que a vacinação está disponível para os maiores de 18 anos: introduziríamos essa medida porque os jovens iriam atrás da vacina para terem uma vida social mais liberta. Era um incentivo que acho que faria todo o sentido", continuou o secretário de Estado.
Do lado dos empresários de bares e discotecas, a reabertura é considerada essencial, mas em alguns casos já vem tarde. "Estamos a falar de um indústria extremamente fragilizada, que está com 60% do tecido empresarial falido, portanto, com toda a certeza, há muitos bares e discotecas que não conseguiram aguentar este tempo de espera que o governo obrigou, nem a ausência de apoios que se possam considerar válidos para o setor. Houve apoios sim, mas insuficientes", diz à MAGG José Gouveia, presidente da Associação Nacional de Discotecas (AND).
A situação frágil do setor é também denunciada por Ricardo Tavares, porta-voz do movimento Pão e Água e empresário de bares e restaurantes em Alfama, Bairro Alto e Cais do Sodré. "Nós marcámos uma manifestação que teria três ou quatro mil pessoas e apareceram 90 pessoas. Recebemos mensagens a dizer 'não consigo ir, estou no Porto, Viseu ou Braga e não tenho dinheiro para ir'", relata. Tratam-se de alguns empresários que faturavam milhões de euros "mas um pé de meia não chega para 16 meses", continua.
O setor das discotecas e bares, que encerrou em março de 2020, não recebeu qualquer apoio durante 11 meses e desde fevereiro de 2021 que o governo não anunciava novas ajudas. Apenas esta quarta-feira, 14 de julho, foram anunciados novos apoios pelo ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, no âmbito do programa Apoiar, que abrange empresas encerradas desde o início da pandemia.
No entender do presidente da AND, os apoios serão ainda mais fundamentais no momento da reabertura. "Esta abertura será uma abertura a dois tempos, se calhar a três até. Vamos ter uma abertura numa primeira fase com certificado digital e testes. Infelizmente, ainda não temos a população mais jovem vacinada, e a maioria da população não tem a segunda dose, por isso, não pode ser considerado o certificado digital. Temos de ir por uma linha de testes rápidos à porta, se for esse o entendimento do governo", diz José Gouveia, acreditando que o caminho será o mesmo das atuais medidas em vigor para restaurantes ao fim de semana nos concelhos de risco elevado e muito elevado de contágio.
Desta forma, a segunda fase corresponderá à admissão de clientes em bares e discotecas apenas perante a apresentação do certificado digital. "A partir do momento em que tivermos toda a população vacinada, aí já se considera o certificado digital", afirma. O certificado é precisamente o que poderá levar os jovens a aderir à vacinação, como foi sugerido pelo secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares. "Eu penso desta maneira: daqui a três, quatro meses, quem não tiver certificado digital fica um pouco limitado naquilo que pode ou não fazer. Se calhar pode não ir a um cinema, a um concerto, fazer uma viagem. Portanto, acho que o certificado digital, acima de tudo, vai ser obrigatório. A questão do vacinar ou não vacinar também se prende com isso, por isso, haverá aqui um incentivo para que os jovens se vacinem", diz José Gouveia.
Um reabertura que desrespeita o setor
Em agosto do ano passado, após o governo aprovar medidas que permitiam os bares e discotecas funcionarem em horários semelhantes ao de cafés e pastelarias, a MAGG falou com João Fernandes, empresário e artista conhecido como Deejay Kamala, que se mostrou contra a ideia, afirmando estar "fora de questão" abrir uma discoteca até às 20h.
Quase um ano depois, as discotecas continuam de portas fechadas e o só agora parece surgir uma luz ao fundo do túnel com a vacinação dos mais jovens. Voltámos a falar com João Fernandes, que vê uma possível retoma como algo positivo e "uma medida óbvia" — no sentido em que as medidas devem ser iguais para todos, já que é permitido ir às praias, andar de avião, ir a restaurantes —, mas revolta-se com a forma como está a ser pensada a retoma da noite.
"Acho que estar a instrumentalizar um setor que está congelado há um ano e meio parece-me uma falta de respeito enorme. Ou seja, nós durante um ano e meio fomos ignorados pelo governo, com todas as propostas que foram postas em cima da mesa para abrirmos com as mesmas regras que a restauração, novos horários. Agora, estarem a dizer que se calhar é boa ideia deixar abrir a noite porque há um objetivo aliado, não me parece de bom tom, honestamente", critica.
Ainda assim, o proprietário de três discotecas em Lisboa reconhece que a retoma do setor da noite pode ajudar a alcançar a imunidade de grupo e a motivar as faixas etárias mais novas, mas isso não basta. "Mais do que motivar, apelar, ou seja, informá-los. Passar a mensagem de que para uma vida normalizada é fundamental estarmos todos imunizados, mas se calhar mais seguros, seja através de um teste ou uma vacina", diz.
João Fernandes é proprietário das discotecas Rádio-Hotel, Rive Rouge e Bosq, em Lisboa, e nenhum dos negócios faliu — foi sempre possível mantê-los através da redução de despesas ao máximo. Contudo, mesmo com uma retoma, sabe que será impossível alcançar sequer perto de 50% da receita que os clubes já tiveram, mas está aberto às soluções que serão apresentadas pelo governo. "Se houver um equilíbrio coerente no que diz respeito àquilo que será o nosso investimento para voltar a abrir portas Vs. o retorno que vamos conseguimos retirar, da nossa parte, enquanto dono do grupo Rádio-Hotel, Rive Rouge e Bosq, queremos fazer parte da solução", termina.
Como será feita a retoma?
Duas fases estão delineadas, mais uma terceira que será a imunidade de grupo, defende José Gouveia, mas a questão que se coloca sobre a reabertura diz respeito às medidas a curto prazo. Portugal tem alguns exemplos sobre como reabrir discotecas e bares em tempo de pandemia, como é o caso de França, cujas discotecas reabriram a 9 de julho, após 15 meses de portas fechadas. O país adotou como medidas a apresentação de passe sanitário à entrada e lotação máxima de 75% no interior dos espaços noturnos. As mesmas medidas já tinham sido adotadas por Espanha, onde as discotecas abriram em junho.
Quanto a Portugal, José Gouveia considera que não fará sentido impor restrições à lotação dos espaços noturnos. "Se nós temos um certificado digital que comprova que a pessoa está vacinada, e se temos um teste rápido que comprova que a pessoa está negativa, vamos fazer restrições porquê? Porque é que vamos estar a limitar o número de pessoas à mesa? O número de pessoas em convívio?", afirma o presidente da Associação Nacional de Discotecas (AND). Contudo, reconhece que pessoas vacinadas podem, ainda assim, estar infetadas e ser uma fonte de contágio, mas "é um risco que iremos correr", diz.
Quanto à limitação de horário, José Gouveia defende uma progressão em linha com as três fases enumeradas. "Eu acho que temos de limitar o horário, mas não como está na atual situação da restauração. Não podemos pensar numa discoteca até às 22h30. Talvez se incluiria, numa primeira fase, uma discoteca até às 3h e depois, numa segunda fase, alargar um pouco mais o horário".
No entender do presidente da AND, a retoma do setor será não só essencial para os empresários, como para a própria economia do País ligada ao turismo. Isto porque "temos um País que é conhecido essencialmente por três fatores: um é a gastronomia, o outro é a vida noturna e o terceiro é o clima. Só este último é que não podemos mexer", afirma.
José Gouveia acreditava que o governo pudesse anunciar a reabertura do setor já para este fim de semana após a reunião do Conselho de Ministros desta quinta-feira, 15 de julho, mas tal não aconteceu. A medida ainda está a ser estudada e a reabertura, muito esperada, pode ser anunciada a qualquer momento. "Aquilo que para nós é mais importante é realmente começar", remata.
Reabrir bares e discotecas é um incentivo à vacinação dos jovens e um travão nas festas clandestinas
Com bares e discotecas de portas fechadas, os jovens têm canalizado os convívios para outros espaços, prova disso são as intervenções policiais que têm posto fim a festas ilegais nos últimos meses. "O pessoal mais novo está a ir para festas como nunca foi. Isto é uma situação vergonhosa e que nos envergonha a nós empresários, que com connosco teriam com certeza todos os cuidados. Alugam apartamentos de alojamento local e fazem festas com 80 pessoas em 40 metros quadrados. Sem pagar impostos. E aí está tudo certo", critica Ricardo Tavares, porta-voz do movimento Pão e Água e empresário de bares e restaurantes em Alfama, Bairro Alto e Cais do Sodré.
No entender de Ricardo Tavares, a reabertura pode acontecer já na próxima semana, uma vez que haverá mais pessoas vacinadas. "Se houver horário nas discotecas, eles [jovens], ao quererem estar onde estão os amigos, acredito que passem a ser vacinados em massa. Mas [a reabertura] tinha de ser com horários e não ser mais uma brincadeira do governo de fechar às 22h30", diz o empresário do setor que defende uma reabertura sem limitação de horários.
No mesmo sentido, João Magalhães — proprietário de espaços como o Bliss, em Quarteira, o MoMe (antiga discoteca Kapital e Main), em Lisboa, bares do Casino do Estoril, do Jardim da Vila e Sky Valley, em Vilamoura, e do novo Cuá Cuá Club, em Almancil —, considera que a reabertura do setor irá travar os ajuntamentos de jovens. "Era uma maneira de as pessoas irem atrás da disciplina para poderem divertir-se e talvez houvesse uma entrega voluntária dos mais jovens para rapidamente vacinarem-se e poderem ganhar a sua liberdade", diz.
Contudo, João Magalhães não é tão otimista como José Gouveia e Ricardo Tavares, que preveem uma reabertura mais próxima, uma vez que os espaços noturnos não vão ter capacidade para reabrir já. "Eu acho que antes do final do ano não vai haver discotecas para ninguém e o levantamento de restrições que poderá acontecer nos próximos meses vão ser tão limitadas que não comporta sequer a abertura de espaços que tenham alguma estrutura. Se calhar alguns até conseguem, se calhar os espaços ao ar livre, que é o caso das discotecas que tenho no Algarve, até poderão conseguir, mas são discotecas que têm de ser preparadas, no mínimo, com três meses de antecedência", refere o empresário com experiência na área.
João Magalhães considera considera ainda que retoma também não será facilitada pelo facto de as medidas até ao momento apresentadas pelo governo serem confusas, o que faz com que as pessoas se retraiam e a economia fique saia penalizada. "Acredito que seja difícil para qualquer governo gerir uma situação destas, compreendo que é uma tarefa muito complicada. O que critico é que há decisões que são completamente incoerentes e acho que deviam ponderar os setores que são profissionais e cruzar com a parte da saúde, cruzar com soluções mais aprofundadas em vez de colocarem cá para fora decisões completamente disparadas", diz, dando como exemplo a nova medida aplicada aos restaurantes, que obriga à apresentação de teste negativo à COVID-19 para quem fica no interior, mas não para quem fica no interior, sendo que os clientes com e sem teste acabam por cruzar-se nas casas de banho.
O empresário sabe bem do que fala, uma vez que é também proprietário de espaços de restauração, entre os quais o novo conceito "from fine to fun" do Cuá Cuá Club, na Quinta do Lago, no Algarve. Este espaço já nasceu com um "espírito partilhado entre o fine dinning e um clube", embora neste momento esteja apenas ativada a parte do restaurante. Posteriormente, será posto a funcionar o clube, que já está comtemplado em termos de destrutura. "O conceito é um restaurante com discoteca dentro", refere, está a apenas à espera de que a pandemia o permita.
Terá a pandemia trazido novas oportunidades de negócio?
Enquanto o novo spot da Quinta do Lago, de portas abertas desde 5 de julho, é um filho da pandemia nascido do zero, outros bares e discotecas converteram o conceito durante a pandemia para aguentar o negócio enquanto as medidas restritivas estão em vigor. A reabertura das discotecas e bares como sempre conhecemos poderá estar próxima, resta saber o que vai acontecer a estes conceitos renovados. No caso do empresário de bares e restaurantes em Alfama, Bairro Alto e Cais do Sodré, a ideia é voltar ao que sempre foram.
"A conversão foi um mal menor. Posso dizer que converti alguns dos meus negócios de bares em restaurantes, mas o meu métier [ofício] não é esse. Eu baixei a faturação entre 70% a 90%. Mas obviamente que as pessoas vão querer estar na área onde sempre trabalharam e onde estão confortáveis", diz Ricardo Tavares.
Uma opinião diferente tem José Gouveia, presidente da Associação Nacional de Discotecas (AND). "Acho que há espaços que encontraram se calhar outras alternativas de negócio", diz. Esta poderá ser uma razão para os manter, mas não a única. Durante os meses que passaram os portugueses acabaram por ganhar novas rotinas e tal refletir-se na procura no futuro.
"As pessoas mudaram muito os seus hábitos. E um dos hábitos que as pessoas começaram a encontrar foi a restauração com animação, que era uma coisa que já existia há uns anos, mas nunca vingou bem em Portugal", afirma. Segundo José Gouveia, a noite em Lisboa pode mesmo mudar.