Não se recorda ao certo do ano em que criou o blogue, mas a plataforma de Ana Gomes, "A Melhor Amiga da Barbie", é um dos nomes mais reconhecidos do panorama digital nacional.

Para além do blogue que a iniciou no mundo do digital, Ana Gomes é autora da rubrica de lifestyle "Top 5", na RFM, tem formações na área do coaching de saúde, é apaixonada por ioga, detentora de uma marca de roupa infantil e, agora, realiza um sonho de criança com o lançamento do seu primeiro livro, o segundo "bebé" a seguir a Vitória, a filha de 2 anos.

"Top 5 — As melhores dicas para uma vida mais saudável, sustentável e feliz", lançado oficialmente no dia 16 de julho, é um livro feito à medida de Ana Gomes: com um layout simplista e um conceito prático, quase como um guia, o livro aborda os temas mais importantes para a autora, com um grande foco na alimentação saudável, mas também dicas de bem-estar para uma vida mais equilibrada, entre outros conselhos.

A propósito deste lançamento, a MAGG falou com Ana Gomes e, numa entrevista sem filtros, a blogger não se inibiu de criticar as escolhas nutricionais das escolas, abordou a importância de revermos a forma como consumimos hoje em dia, alertou para o ódio nas redes sociais e ainda para a grande importância de não normalizarmos as depressões e a ansiedade.

A entrevista decorreu nas vésperas do lançamento do livro, na redação da MAGG

De onde é que surgiu a ideia de lançar este livro?
Fui abordada pela editora, um bocadinho baseado na rubrica que tenho na RFM, e fui desafiada a escrever o livro.

Escreve que, em miúda, disse ao seu pai que se tivesse uma máquina de escrever, escrevia um livro. Sempre foi um sonho de menina ter um livro em nome próprio?
Eu fui integrada no ensino primário aos 5 anos porque, desde o momento em que aprendi a pegar numa caneta, fiquei com um calo de tentar escrever. Por isso, obviamente que esta ideia de escrever sempre foi algo que me apaixonou — e fui mesmo para a primária mais cedo porque tanto o meu pediatra como uma psicóloga da escola disseram que eu tinha uma sede de aprender a ler e a escrever, que devia ser correspondida naquele momento. Esta vontade de escrever é algo que nasceu comigo e que eu achei que nunca se fosse concretizar, mas isso não me deixava triste. Mas adorei cumprir este objetivo.

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Porquê este título e um livro num contexto de guia prático?
Este título está alinhado com a rubrica da rádio, que se chama "Top 5", e que é, como o próprio nome indica, um Top de cinco coisas sobre algum tema, quer seja festivais de verão, curiosidades sobre as mulheres, etc..

A questão de ser um guia prático é porque eu queria que o livro fosse de certa forma intemporal, que alguém que o lesse hoje pudesse voltar a lê-lo daqui a quatro meses porque quer mudar alguma coisa na sua vida. Queria que fosse um livro a que as pessoas pudessem voltar, que não tivessem de ler todo de seguida, de leitura fácil e, ao mesmo tempo, adaptado à realidade.

De todos os temas que abordou no livro, qual é o que lhe diz mais?
Óbvio que a alimentação é um tema pelo qual tenho imenso carinho, até porque é uma luta que tenho e existem algumas coisas que gostava de implementar, pelo menos no contexto escolar ou no contexto familiar. Mas acho que todos os temas se complementam de alguma forma.

Mas imaginava-se a escrever um livro só virado para a alimentação?
Talvez um livro só de receitas, embora não tenha nenhuma formação especifica neste campo.

Parou de comer carne aos 12 anos. Como foi esse processo numa altura em que não era tão comum e em que não existia metade de informação que existe nos dias de hoje?
Na altura, não foi muito fácil para os meus pais aceitarem essa mudança, até porque se fosse teria acontecido mais cedo. Compreendo que não tenha sido fácil para eles porque lá está, não havia muito informação sobre o assunto. Foi um desafio, digamos assim. Obrigou-me a ler muito sobre o tema, e acho que isso também moldou muito a confiança com aquilo que faço hoje em dia. Na época foi conflituoso, mas hoje é muito mais natural.

A Ana teve uma filha há dois anos. Agora que é mãe, está a tentar incutir os mesmos valores na sua filha, que também não consome carne. É muito criticada por essa decisão?
Um bocadinho. Mais até pelo açúcar, eu acho — que também não dou à Vitória. Há sempre aquelas piadas, ou pelo menos quero acreditar que são piadas, dos meus amigos que me dizem que vão dar um bife à minha filha quando ficam a tomar conta dela.

Mas o problema aqui não é só o bife, são as gomas que também são de origem animal e uma série de outras coisas. As pessoas criticam um bocado, acho, e usam sempre aquela expressão “coitadinha da menina”.

Mas lá está, e esta é uma expressão que eu gosto muito de usar: quando um adulto deixa de comer certas coisas prejudiciais, está a cuidar da sua saúde; quando se retira ou não se introduz os mesmos alimentos na dieta de uma criança, é coitadinha. E isso é um contra senso.

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Mas deixa-se afetar por essas críticas?
Não, não me afetam. Mas entristece-me um bocadinho se ela começar a interiorizar aquilo, porque os miúdos percebem tudo. Se o discurso é dirigido a mim, não há problema, mas caso lhe digam isso, ela pode começar a interiorizar que é mesmo uma coitadinha quando, neste momento, é-lhe completamente indiferente e ela come com alegria aquilo que lhe é dado.

Como é que foi incutir esse tipo de alimentação na escola?
Não foi um processo fácil. Eu tenho muita sorte porque as educadoras da Vitória, apesar de não fazerem este estilo de alimentação, são pessoas muito recetivas e com uma mente muito aberta, e ajudaram-me, inclusive, a contornar a situação.

Já a nível escolar foi preciso uma série de atestados médicos, por exemplo. Hoje em dia, na escola, ela não tem a  alimentação que eu desejaria, mas já está mais aproximada. Mas há coisas estranhíssimas, como eu precisar de ter um atestado médico para ela não comer iogurte de aroma, mas sim um natural. Porque é que tem de haver uma autorização médica, porque é que um pai não pode pedir isto?

Acha que isso pode ter a ver com falta de informação?
Eu acredito que sim mas, por outro lado, e em teoria, todos estes menus escolares são revistos por nutricionistas. E aquilo que me pergunto é: quais são as bases para a criação destes menus? Eu sei que isto é uma afirmação provocatória, mas o meu intuito não é provocar, é mesmo compreender. Mas se são efetivamente elaborados por um nutricionista, em que momento é que estes especialistas acham que comer Estrelitas uma vez por semana é uma boa prática?

Podem dizer-me que não faz mal que a criança coma de vez em quando. Certo, mas deixem essa desinformação acontecer em casa, e na escola, que é o local onde a criança deveria ter todas as boas bases, deixem que isso aconteça também com a alimentação. Acho que falha muita coisa nos planos alimentares das escolas — e de forma grave.

Na sua opinião, a escola deveria ser o primeiro local a dar outro tipo de educação alimentar às crianças?
Claro. E nós estamos a focar-nos muito na alimentação, mas há outras coisas. A escola não tem de educar as crianças, esse é um papel dos educadores, que são os pais, mas há uma série de ferramentas que as crianças deveriam ter, e que deviam vir da escola, como a autoestima, as questões do mindfullness e, sem dúvida, a alimentação — na escola não deveriam haver exceções à regra, as exceções deveriam acontecer em casa.

Se algum dia a Vitória quiser fazer outro tipo de alimentação, vai ficar desiludida?
Vou ficar triste, mas vou ter de a aceitar enquanto individuo. Mas, como é óbvio, enquanto ela estiver sob a minha alçada, vou sempre tentar dar-lhe aquilo que eu acredito que seja o melhor. E claro que vou tentar explicar-lhe porque é que a mãe fez esta escolha e porque é que continua a achar que é a melhor escolha para ela. Mas claro que há coisas que eu não vou permitir: se a minha filha me chegar a casa com 9 anos a dizer que fuma, eu não vou permitir; se ela quiser lanchar todos o dias bolachas ultra processadas, também não vou permitir, porque sei que isso não é o melhor para a saúde dela.

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Também escreve no livro que não é contra quem come carne ou quem dá carne aos miúdos. Mas, no seu mundo perfeito, eliminava os produtos de origem animal da alimentação?
Sim. Mas sou zero fundamentalista, nunca ninguém me ouviu dizer que não deve comer isto ou aquilo. Mas sim, se pudesse escolher, era algo que faria.

Redes sociais: dos perigos do consumo ao despejar de ódio

Defende o consumo consciente, algo que é abordado no livro. Na sua opinião, vivemos numa era de consumo desenfreado?
Totalmente, e acho que nem temos consciência disso porque não somos levados a pensar sobre o tema. Acho que os inputs que temos é “quero isto, preciso disto, se não tiver isto, não sou feliz”.

Mas, entre muitas outras coisas, a Ana também é uma influenciadora digital, atividade que depende muito de marcas. Se todos os influenciadores optassem pela postura que defende em relação ao consumo, acha que a profissão acabava?
Acho que alguns influenciadores podiam desaparecer, mas isso também tem muito que ver com o que cada um faz nas suas redes sociais. Eu, em teoria, comecei a influenciar ao escrever artigos relacionados com marcas, embora não o fizesse na primeira pessoa. Hoje em dia, as minhas redes sociais são muito mais a minha vida, e obviamente as coisas que eu compro, mas é muito mais aquilo que eu faço do que aquilo que eu consumo.

Cada vez mais me foco em marcas a longo prazo, em vez de falar de marcas novas todos os dias, e isso já é um diferencial. Se todos começassem a consumir de forma consciente a profissão podia desaparecer? Talvez nos moldes que existe hoje em dia, mas podes inspirar as pessoas de outra forma, a viver a vida de alguma maneira, e não só a comprar ou a consumir.

Mas acha que há influenciadores portugueses que apelam ao consumo desenfreado, e que deveriam estar preocupados com isso?
Acho que há, e sim, em última análise, deveriam estar preocupados. Só porque isto tem um real impacto, não só na nossa sociedade, na produção, na poluição, mas também no defraudar das expectativas das pessoas que não podem viver dessa forma.

Pegando nesse mesmo ponto, sente que há pessoas que podem deixar-se influenciar pelas redes ao ponto de entrarem em depressão por não terem a vida de quem seguem?
Sim, claro. Hoje em dia, e ainda no outro dia estava a ler um artigo sobre isso, já há viagens marcadas na expectativa de ter aquela fotografia igual ao Instagram de "x", e não pela real experiência da viagem. Acho que isso acontece, e preocupa-me porque tenho uma filha.

Eu não me deixo afetar por isso, mas sei e conheço pessoas que hipotecam a possibilidade de ter outras coisas em prol de ter aquilo que a outra está a mostrar, e isso é alarmante. Mas é uma realidade.

Concorda com a ideia de que as redes sociais são lugares cada vez mais tóxicos, muito por conta de não existirem filtros no que as pessoas podem dizer?
Sim. Ainda agora há poucos dias, por causa de uma entrevista que dei para um artigo da MAGG a propósito do NOS Alive, reparei na partilha no Facebook do Observador e não há um único comentário positivo. E perguntavam quem são estas pessoas, porque haviam mais influenciadores no artigo. E ok, de facto podem não me conhecer, mas quem está a comentar não faz ideia de que vou a festivais desde que tenho 12 anos, que acampei em todos, que já escrevi numa publicação sobre música, nada.

As pessoas podem dizer aquilo que querem, mas para que é que vão dizer aquilo, porque é que tanta coisa ofende tanta gente, porque é que as pessoas ficam tão melindradas? Eu não fico triste ou afetada com estas coisas, mas claramente fiquei a pensar que aquelas pessoas foram ali descarregar qualquer coisa que nem elas próprias sabem.

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É um despejar de ódio?
Eu estudei uma coisa em Sociologia e fiquei fascinada: nos tempos da ditadura de Salazar, as pessoas iam ao futebol e gritavam com o árbitro, chamavam-lhe todos os nomes e mais alguns, porque não podiam falar mal do regime. Havia toda uma compressão ali dentro, e as pessoas descarregavam no futebol.

E acho que agora, como as pessoas não podem falar mal com o patrão ou o que seja, usam o Facebook para isso, para ter um momento de protagonismo. E o Facebook ainda é grátis.

Os comentários negativos deviam ser filtrados ou o discurso ofensivo sancionado de alguma forma, ou a liberdade de expressão ganha?
A liberdade de expressão tem que ganhar, mas acho que o que falta aqui é educação. Se calhar é aí que tem de se investir.

"Durante muitos anos, pensei que ia viver naquela depressão e naquela ansiedade para sempre"

As dietas e oscilações de peso que teve também estão no livro. O tipo de alimentação e a vida que agora leva foi um caminho para o equilíbrio?
Sem dúvida. Hoje já nem estou preocupada com o que peso, estou bem comigo. Nem quando pesava 42 quilos ou 84 estava bem comigo. Não sei quanto peso hoje, mas acredito que esteja algures entre esses dois valores, mas estou bem. Não vivo obcecada com números, e só o facto de ter tranquilidade mental para isso não ser uma preocupação, é ótimo.

Mas acha que ainda há muitas mulheres que vivem obcecadas com o corpo e com a imagem?
Sim. Isso faz parte das regras do jogo. Mas não posso ser mais honesta do que aquilo que estou a ser. Há dias que penso nisso, que isto ou aquilo podia ser diferente, mas não é realidade dos meus dias, nem acontece sempre.

Há pessoas que têm uma grande autoestima, e durante muito tempo, invejei essas pessoas. Mas quantas vezes é que não deixei de fazer coisas porque estava em conflito com a minha imagem. E, no final do dia, ninguém ia reparar em mim.

Ana Gomes é autora do blogue 'A Melhor Amiga da Barbie'

O que me leva à saúde mental, um tema cada vez mais falado. Na sua opinião, o tema já recebe a atenção devida?
Felizmente, acho que já se começa a falar das coisas com outra tranquilidade. Nem sempre é um tabu, mas ainda é uma coisa estranha. E eu compreendo isso.

Passei por uma depressão muitíssimo complicada, tive problemas de ansiedade, que me condicionaram bastante a vida, e lembro-me de estar em casa, e eu própria, a passar por aquilo, pensar: “Porra, eu tenho trabalho, tenho uma família incrível, tenho oportunidades maravilhosas, porque é que isto me está a acontecer?”. Não numa ótica de ser injusto, mas sim de não entender mesmo.

Acho muito importante que se fale sobre o tema, mas não acho importante que se normalize, ao contrário daquilo que acho que acaba por acontecer. “Ah ela tem problemas de ansiedade, é normal”. Não, não é normal.

Tem receio que a normalização seja um caminho para as pessoas não procurarem ajuda ou tratamento?Exatamente. Eu, durante muitos anos, pensei que ia viver naquela depressão e naquela ansiedade para sempre, aceitei. Tomava mais de 15 comprimidos por dia e achava, honestamente, que ia viver sempre assim. Hoje em dia não tomo nenhum, mas foi preciso que perceber que aquilo não era normal.

Claro que pode ser crucial que as pessoas tomem medicação, não estou a dizer o contrário, o que quero dizer é que tem de se ter consciência de que não é normal e que se devem procurar outras soluções, saídas, o que for, sempre com acompanhamento. Acho importantíssimo que se fale sobre isto, mas não acho mesmo nada bom que tal se normalize por estas razões.