Os trabalhadores do Global Media Group (GMG) estiveram em greve esta quarta-feira, 10 de janeiro, protestando contra o atraso no pagamento dos salários e subsídios e contra os despedimentos coletivos que foram anunciados, além de pedirem transparência relativamente aos novos investidores. A MAGG entrevistou um jornalista do grupo (sob anonimato), que explicou como está a viver esta crise.

JN, DN e "O Jogo" não foram para as bancas por causa da greve. 3 pontos para entender a crise da Global Media
JN, DN e "O Jogo" não foram para as bancas por causa da greve. 3 pontos para entender a crise da Global Media
Ver artigo

“Acho que a principal causa do que está a acontecer é a opacidade e a falta de transparência que existe neste momento em toda a estrutura do grupo, porque, na verdade, nós, jornalistas, técnicos e animadores, no caso da TSF, estamos a trabalhar todos os dias, sabemos quem são os nossos administradores, mas não sabemos na verdade quem é que manda no grupo, quem é que está a meter dinheiro no grupo", explica o jornalista à MAGG.

"Quando agora dizem que um fundo que detém a maioria do capital do grupo vai dar dinheiro para pagar ordenados, nós não sabemos quem é que são esses investidores. Há um nome que se fala, um francês, que é o tal fundo, mas na verdade é tudo muito opaco e essa opacidade é em grande parte, acho eu, responsável pela situação que estamos a viver”, refere o profissional.

O que está em causa, nesta situação, “é a sobrevivência” de cada um dos trabalhadores do grupo. “Pelo simples facto de não ter o ordenado ao final do mês a tempo e horas, no dia em que é suposto, como devem imaginar isso mexe com a vida das pessoas, porque têm o empréstimo da casa para pagar num determinado dia, têm seguro do carro, têm vida familiar, as despesas dos filhos. Não havendo um ordenado ao dia certo, isso dificulta muito a vida das pessoas”, diz.

Além disso, “tendo em conta que estamos no ano em que se assinalam 50 anos do 25 de Abril”, o que está também em causa é a “pluralidade da informação e a liberdade da nossa democracia”.

“A partir do momento em que há um, dois, três, quatro ou cinco órgãos de comunicação social que estão em risco, como é o caso agora, isso invariavelmente enfraquece-nos a todos enquanto jornalistas e enfraquece a democracia. E o problema é que não é só o nosso grupo de comunicação social que está a atravessar uma fase mais conturbada, há outros que também o estão a viver, não de uma forma tão mediática, e por isso o que está em causa em última análise é, espero eu, refletir sobre o que é que se pode fazer para que a situação a que nós chegámos não se repita noutros sítios”, acrescenta.

As “duas exigências” principais dos trabalhadores da TSF são “que os ordenados sejam pagos a tempo e horas” e “respeito pela liberdade editorial, que sempre foi uma marca da TSF ao longo destes 35 anos”. “Ninguém recebeu o subsídio de Natal, o que é ilegal, porque a empresa decidiu unilateralmente pagar o subsídio de Natal em duodécimos, o que é completamente ilegal. Quanto muito, para uma empresa pagar o subsídio de Natal por duodécimos tem de haver um acordo com o trabalhador e, por exemplo, o subsídio de Natal deste ano de 2024 poderia ser pago agora, não é pagar o do ano anterior no ano seguinte, isso é ilegal”, sublinha.

Quanto à segunda exigência, o trabalhador relembrou que um administrador admitiu na Assembleia da República “que ligou a uma editora para tentar interferir editorialmente na linha editorial no programa”. “Isso é um princípio errado que não pode acontecer e é também contra isso que nós lutamos para que não se volte a repetir”, garante.

O jornalista realça à MAGG que “os trabalhadores sentem que não estão a ser respeitados” e receiam "pelo que pode estar a acontecer” nas suas “costas”. Além disso, refere que os trabalhadores da TSF receberam o ordenado esta quinta-feira, 11 de janeiro, “com 11 dias de atraso”, mas que durante este período continuaram a fazer o seu trabalho.

Trabalhadores do “Diário de Notícias”, do “Jornal de Notícias”, d’ “O Jogo” e do “Dinheiro Vivo” continuam sem receber

Contudo, até ao momento da entrevista, esta sexta-feira, 12 de janeiro, os trabalhadores do “Diário de Notícias”, do “Jornal de Notícias”, d’ “O Jogo” e do “Dinheiro Vivo” ainda não foram pagos. Ainda, a TSF tem “uma direção demissionária há um mês” e não sabem “qual é a direção que se segue e com que propósitos vem para a direção da rádio”.

O ambiente entre os trabalhadores, “mais do que nunca, é de união”. “É uma das maiores lutas da nossa vida e, por isso, creio que estamos todos na mesma página, consertados, porque não há aqui uma única pessoa que não tenha a certeza absoluta de que o que está a acontecer é uma absoluta falta de respeito. Tendo todos esta consciência, estamos todos unidos para pelo menos tentar que os nossos direitos sejam respeitados”, afirma.

“Tendo em conta que estamos a falar de uma empresa privada, sabemos que não há muito que possamos fazer, mas quanto muito as entidades reguladores, como é o caso da ERC [Entidade Reguladora para a Comunicação], podem exigir que haja mais transparência do outro lado, podem acionar alguns mecanismos legais que salvaguardem os nossos interesses editoriais enquanto jornalistas, porque é para isso também que a ERC serve”, diz à MAGG.

Quanto ao facto de a TSF ter uma direção demissionária, tal “não se refletiu em grandes mudanças”. “O trabalho continua a ser exatamente o mesmo. Os diretores têm a função de orientar o nosso trabalho, de delinear a estratégia da rádio e o essencial manteve-se”, explica.

"Esta é uma luta que está a tocar toda a sociedade"

A 6 de dezembro do ano passado, o GMG anunciou o eventual despedimento de 150 a 200 jornalistas, 40 do “Jornal de Notícias”, 30 da TSF e um número indeterminado do jornal “O Jogo”. “Até ao dia 10 de janeiro, o que estava a acontecer era um programa de rescisões voluntárias, ou seja, quem quisesse poderia negociar com a administração uma saída da empresa com o pagamento de uma indemnização. Não há números oficiais sobre esse programa em todo o grupo, portanto, neste momento, nós não sabemos exatamente quantas pessoas da TSF, se é que há pessoas da TSF que aderiram a esse programa", informa.

"O que sabemos é o que foi dito de viva voz pelo presidente da comissão executiva José Paulo Fafe, que há intenção de dispensar cerca 30/40 trabalhadores da TSF e que se esse objetivo não for conseguido através do programa de rescisões — nós não sabemos se esse objetivo foi conseguido mas quase de certeza que não foi —, o próximo passo será o despedimento coletivo”, explica, acrescentando que “ninguém sabe quando é que isso vai acontecer nem quando é que esse mecanismo vai ser legalmente acionado”.

O trabalhador do GMG este presente na greve desta quarta-feira, 10 de janeiro, sendo que sentiu os colegas “mais unidos do que nunca”. “A greve não podia ter tido maior impacto em termos mediáticos. Teve uma grande presença em todos os meios de comunicação social, recebemos centenas de mensagens de ouvintes de solidariedade, tivemos duas concentrações, uma em frente à Assembleia da República e outra em frente à sede do grupo em Lisboa e também no Porto, tivemos antigos ministros, até o diretor nacional da Polícia Judiciária esteve connosco. Isso mostra que esta é uma luta que está a tocar toda a sociedade. O impacto será tanto melhor quanto de facto servir para que haja uma reflexão e que esta situação, que é complicada, sirva para que pelo menos este assunto se debata e não seja visto como um tema tabu”, informa.

Além disso, esclarece que alguns trabalhadores “foram impedidos [de trabalhar] não propositadamente, mas por uma questão contratual”. “No início do ano, creio que 24 horas, os meus colegas do online não puderam aceder ao backoffice, na medida em que havia um contrato que terminava com o fornecedor tecnológico e enquanto esse contrato não foi renovado ou não foi paga a renovação, isso traduziu-se numa impossibilidade dos colegas acederem ao backoffice. Entretanto, foi resolvido”, diz.