Casas senhoriais, quintas, palácios, teatros, conventos, hotéis. Parques aquáticos, fábricas, sanatórios, restaurantes e igrejas. Foi há exatamente quatro anos que Gonçalo Gouveia começou a fotografar locais abandonados, e desde então nunca mais parou — 420 lugares depois, tornou-se numa referência a fotografar estes sítios. Aos 38 anos, o lisboeta é informático de segunda a sexta-feira, mas os fins de semanas e férias são passados a descobrir locais abandonados com a máquina fotográfica na mão.

Já foi descoberto por seguranças, teve conversas menos simpáticas com proprietários e quase viu o carro destruído. Mas no final ficou tudo bem. No meio de tantas aventuras, também mudou a vida de uma família cabo-verdiana, fez grandes amigos e viajou só para fotografar sítios abandonados.

Quando é que começou a fotografar este tipo de locais?
Estávamos em abril de 2014. Na altura, descobri através do Facebook o blogue do Gastão Brito e Silva, o Ruin'Arte. Abri a página e vi aquelas fotografias todas de locais abandonados. Ele era uma referência em Portugal, e fiquei fascinado com a qualidade das suas fotos e das casas abandonados. Ainda nesse mês, desafiei o meu primo que estava cá (ele é brasileiro) a ir ver umas casas abandonadas comigo. Tirámos alguns locais abandonados do blogue do Gastão e lá fomos nós.

Já fotografava antes?
Não, só a "brincar". Fotografias casuais, nada de especial. Desde que entrei nos abandonados é que comecei a fotografar mais a sério.

Qual foi o primeiro sítio que visitou?
Se não estou em erro foi o Panorâmico de Monsanto, em Lisboa. Entrámos facilmente, o local estava abandonado mas cheio de buracos na rede à volta. Não era difícil entrar. Além disso, na altura o Panorâmico ainda não era muito conhecido. Estava praticamente vazio, mas em bom estado.

O que é que mudou nesse dia?
Fiquei fascinado. Foi aí que percebi o que é que era um local abandonado. São sítios especiais que pararam no tempo, têm um encanto especial. Quando cheguei a casa e comecei a ver as fotografias do Panorâmico de Monsanto, percebi que de facto eram imagens fora do normal, com uma beleza muito especial. A partir daí não larguei mais este pequeno vício, vamos chamar-lhe assim.

Desde então, já fotografou mais 419 locais abandonados. Qual foi o mais perigoso?
Tenho vários, mas vou-lhe contar este episódio porque é um bom exemplo. O Palácio de Benagazil, que fica às portas do Aeroporto de Lisboa, esteve abandonado durante muitos anos. Agora foi restaurado. Eu e dois amigos fomos ao palácio em fevereiro de 2015. O edifício estava completamente devoluto, e entrámos sem dificuldade. Subimos ao primeiro andar e de repente um dos meus amigos cai. A madeira cedeu, estava podre.

Caiu até ao rés do chão?
Não. Não foi parar lá abaixo porque ficou com o rabo entalado. Só as pernas é que foram para baixo [risos]. Lá está, é um dos grandes perigos dos locais abandonados, nós estamos a andar e não nos apercebemos da madeira podre. Basta meter o pé no sítio errado e pumba! Este Palácio de Benagazil é um bom exemplo dos abandonados mais perigosos que visitei.

Já se cruzou com pessoas enquanto visitava locais abandonados?
Sim. Há um chalé em Belas que visitei com o Gastão Brito e Silva em 2014. Estava completamente devoluto, mas vivia lá uma família de Cabo-verde. Uma mãe e dois filhos. Mais o cão. Entrámos no chalé e fomos muito bem-recebidos. "Podem entrar na casa e ver como é que nós vivemos", disse-nos. Parecia que ia abater a qualquer momento. Fotografámos a casa e a família.

O que é que aconteceu a essa família?
Depois de tirarmos as fotos ficámos a falar, a tentar perceber o que é que podíamos fazer para ajudar aquela família. Na altura o Gastão tinha muito mais experiência do que eu nesta vida dos abandonados, e disse que ia falar com a Câmara. Assim foi, a Câmara respondeu logo e enviou os técnicos ao chalé. A família foi realojada e o chalé fechado, para não entrar mais ninguém lá dentro. Foi uma história bonita. Conseguimos fazer alguma coisa.

Gonçalo Gouveia encontrou uma família cabo-verdiana a viver num chalé abandonado.
Gonçalo Gouveia encontrou uma família cabo-verdiana a viver num chalé abandonado.

O blogue do Gastão Brito e Silva inspirou-o a começar a fotografar locais abandonados. Mais tarde tornaram-se amigos?
Sim. Eu tive conhecimento do trabalho dele em 2014 e, ainda nessa altura, surge a página de Facebook Lugares Abandonados. Convidámos o Gastão a entrar e começámos a falar. Ele começou a apreciar também o nosso trabalho e a partir daí construímos uma amizade que dura até hoje. Eu saí muito com o Gastão, sobretudo em 2014 e 2015.

Fale-me um bocadinho dessa página, Lugares Abandonados.
A página foi criada em maio de 2014 pelo João Kadosch. Eu não o conhecia. Ele criou a página e decidiu convidar um grupo de administradores. Eu faço parte dessa primeira vaga de administradores da página. Na altura convidou-me a mim e a mais três ou quatro pessoas. Criou-se um espírito de amizade, união e aventuras de, no fundo, explorar locais abandonados. Perdura até hoje.

E fotografam juntos?
Exatamente. Sobretudo ao fim de semana, que é quando temos disponibilidade. Cada um tem o seu emprego, e por acaso toda a gente trabalha durante a semana, de segunda a sexta-feira. Ao fim de semana é quando temos algum tempo para sair, e lá vamos nós. Pegamos nos carros, dividimos despesas e vamos.

Já conhecia alguém da página Lugares Abandonados quando entrou?
Não. Como disse comecei com o meu primo, e depois imediatamente no mês a seguir o João criou a página, viu as minhas fotos e convidou-me. Eu não conhecia o João nem os outros administradores, não conhecia absolutamente ninguém. Ele reuniu na altura os melhores fotógrafos de lugares abandonados, convidou toda a gente para a administração e foi assim.

Na altura estava a partilhar as fotos no seu Facebook?
Sim, no meu perfil pessoal. Quando entrei na página Lugares Abandonados comecei a partilhar as minhas fotografias lá. Mais tarde criei a página GG Photography.

Prefere fotografar sozinho ou acompanhado?
Acompanhado, até porque isto dos abandonados envolve alguns perigos. Já apanhei toxicodependentes. Podemos apanhar todo o tipo de pessoas, e se estivermos acompanhados é outra coisa. Mas também já fotografei sozinho, já cheguei a fazê-lo.

Como é que escolhe os locais abandonados que quer visitar?
No início a fonte foi praticamente o Gastão Brito e Silva, que já andava nisto há alguns anos e tinha um número considerável de locais abandonados. Na altura ele ajudou-nos e deu-nos alguns locais. Naturalmente, passado algum tempo fomos descobrindo mecanismos para nós próprios encontrarmos locais abandonados. Um dos principais motores é o Google Maps.

O Google Maps?
Sim, neste momento já temos uma vasta experiência a encontrar locais abandonados pelo Google Maps. E claro, também as pessoas que fazem parte do grupo. Pontualmente vêm falar connosco e dizem-nos: "Olha, está aqui uma casa abandonada na minha terra, passa cá". Essas são as mais fiáveis, porque são as próprias pessoas a dizer que o espaço está abandonado. Já sabemos à partida que é mesmo assim.

Outra coisa interessante é ver os contadores da água e da luz. Mais tarde ou mais cedo vai lá a EDP e a EPAL e retiram os contadores. Se uma casa não tem contadores, é praticamente certo que está abandonada."

Qual é a melhor forma de perceber se um local está abandonado?
Principalmente quando localizo casas no Google Maps, não há como ter 100 por cento certeza de que estão abandonadas. Deduzimos que sim, mas é preciso ir ao terreno. A melhor maneira para perceber se uma casa está devoluta é ver os sinais de abandono. Depois, se possível, tentar falar com algum vizinho que ande ali na rua.

De que sinais é que estamos a falar?
Há vários. Por exemplo, os terrenos da casa. Se estiverem cheios de ervas, sem qualquer tratamento, é um sinal de abandono. Outra coisa que tenho visto muito são os telhados a cair. Como não há manutenção, mais tarde ou mais cedo a madeira que está por dentro começa a apodrecer e o telhado abate. Outra coisa interessante é ver os contadores da água e da luz. Mais tarde ou mais cedo vai lá a EDP e a EPAL e retiram os contadores. Se uma casa não tem contadores, é praticamente certo de que está abandonada.

Qual foi o sítio que mais gostou de fotografar?
Eu gosto particularmente de casas senhoriais, sobretudo no Norte de Portugal. São casas muito antigas, muitas delas com capelas. Normalmente estão bem conservadas, e lá dentro está aquilo que nós gostamos mesmo de encontrar: mobílias antigas, pianos. Podemos ver como é que as pessoas viviam há 100 anos. Gosto muito destas casas. Têm uma beleza muito especial.

Regra geral, não partilha a localização dos sítios que fotografa. Porquê?
Em 2014, éramos uns amadores e achávamos que eram todos boas pessoas, que só queriam tirar fotografias como nós. Rapidamente percebemos que não era bem assim. Tivemos conhecimento de uma casa que fotografámos e partilhámos no grupo, e que passado duas ou três semanas estava vazia, tiraram tudo o que lá estava dentro. Não sabemos se foi causa direta da nossa publicação ou não, não temos a certeza — descobrimos que a casa também estava no site Geocaching, com as coordenadas identificadas. Mas esse caso fez-nos acordar e a partir daí decidimos nunca mais revelar a localização das casas abandonadas.

Mas já lhe aconteceu partilhar fotografias não identificadas e ser contactado pelos proprietários. Conte-me essa história.

Na zona de Viseu havia um solar do século XVIII muito bonito. Nós chegámos à aldeia e percebemos que a casa estava abandonada. Falámos com as pessoas da aldeia, todas muito simpáticas, contaram-nos a história da casa e disseram-nos quem eram os proprietários, que já não viam há uma série de anos. Disseram-nos também quem era o caseiro da casa e nós fomos bater-lhe à porta. Era um senhor já bastante idoso, com mais de 70 anos certamente. Ele disse-nos que tinha as chaves de casa sim, e que estava abandonada porque não recebia a mensalidade há não sei quantos anos.

E o caseiro deixou-vos tirar fotos à casa.
Sim, nós perguntámos-lhe se podíamos ir e ele respondeu que sim, que já não queria saber daquilo para nada. Nós fomos, fotografámos a casa — espetacular, com aquela mobília antiga que nós gostamos — e publicámos na página Lugares Abandonados. Surpresa das surpresas, vieram falar comigo umas pessoas que se identificaram como os proprietários. "Nós somos os donos da casa. Como é que você entrou?". Eu expliquei a história toda.

Em 2014, o jornal britânico “The Guardian” divulgou que existiam mais de 11 milhões de casas abandonadas na Europa. Portugal ficou em 5.º lugar no ranking.

1. Espanha (3,4 milhões)
2. França (2,4 milhões)
3. Itália (2-2,7 milhões)
4. Alemanha (1,8 milhões)
5. Portugal (735 mil)
6. Reino Unido (700 mil)
7. Irlanda (400 mil)
8. Grécia (300 mil)

Eles estavam chateados?
No início sim, a casa deles estava na Internet. Chegámos a um acordo, eu disse que ia retirar as fotos do grupo. Foi o que eles pediram, e foi o que fiz. Ainda lhes ofereci o trabalho fotográfico todo e eles ficaram contentes porque a casa tinha ardido em outubro, depois de nós lá termos estado, durante a vaga de incêndios. Eles não tinham imagens da propriedade, por isso ficaram felizes com o trabalho. Aquilo que no início parecia um enorme problema resolveu-se. Neste momento a filha do proprietário é minha amiga no Facebook e até gosta dos meus trabalhos de abandonados.

A casa ardeu?
Sim. Se não estou em erro, ardeu a 15 de outubro. Era um solar espetacular.

Tenta sempre acompanhar a história das casas, antes e depois de as fotografar?
Sim, sim. Gosto de fotografar sobretudo casas em aldeias, porque são locais muito tranquilos, de fácil acesso, as pessoas normalmente são simpáticas. Por norma, gosto de saber a história da casa, por isso sempre que apanho alguém na rua pergunto logo. Depois, claro, gosto de acompanhar a evolução da casa. Como deve calcular, saber que casas que fotografei arderam é uma tristeza. Por norma não volto aos locais onde fotografei, mas gosto de saber o que é que aconteceu.

Qual foi o sítio mais esquisito que fotografou?
Lembro-me de um armazém de carros para os lados de Alenquer. Encontrámos 27 carros lá dentro. Achei extraordinário, não é todos os dias que isto acontece. Estava completamente vandalizado. Esse foi um sítio muito esquisito.

Já foi apanhado por seguranças nos locais abandonados?
Tenho uma história gira. No Norte de Portugal, encontrei com um grupo de amigos uma casa senhorial que calhou ficar mesmo ao lado do hotel onde estávamos alojados. À noite, depois do jantar, não tínhamos nada para fazer por isso decidimos ir ver a casa. Não tínhamos a certeza se estava abandonada ou não. Entrámos — os portões estavam abertos — e, de repente, encontramos o segurança de uma empresa privada. "O que é que estão aqui a fazer?". Com as máquinas fotográficas nas mãos, explicámos que tínhamos ido ali para fotografar.

O segurança acreditou?
Ele estava desconfiado, achou que queríamos roubar. Telefonou ao caseiro e o caseiro, sem meias medidas, telefonou à GNR. Apareceu a GNR, depois o caseiro. Nós estávamos descansados, não tínhamos roubado nem vandalizado nada. Explicámos que nos tinham dito que a casa estava abandonada e, 15 ou 20 minutos de conversa depois, já éramos grandes amigos. Agora vem a melhor parte. Ao fim desse tempo de conversa, o caseiro vira-se e diz: "Já vi que vocês são bons rapazes. Apareçam aqui amanhã às 9 horas que eu mostro-vos o interior da casa." Obviamente, na manhã seguinte estávamos lá às nove da manhã para fotografar a casa [risos].

Foi a primeira e única vez que chamaram a polícia?
Sim, chamar mesmo a polícia sim, foi a única vez. Tive outra situação com polícias, curiosamente no Panorâmico de Monsanto. Na segunda ou terceira vez que fui fotografar apareceu a PSP. Chegaram ao pé de mim e perguntaram: "O que é que o meu amigo está aqui a fazer?". Eu respondi: "Vim ver a vista de Lisboa e tirar umas fotografias." "Isto aqui não oferece condições de segurança, vai ter de se retirar". Foi só isso.

Também já viajou para fora para fotografar locais abandonados.
Sim, Chernobyl. Foi uma viagem muito especial para mim. Estive lá três dias e foi uma experiência fantástica. Quem gosta de locais abandonados gosta de Chernobyl porque aquilo está tudo ao abandono. Nessa mesma viagem também fui à Bélgica, que é um dos países com mais locais abandonados do mundo. Confirmou-se, tem de facto muitos.

Na Bélgica fotografou o quê?
Foi tudo: casas, fábricas, de tudo um pouco como faço em Portugal. Levava uma lista de locais abandonados, porque conheço muitos rapazes estrangeiros que fotografam a Europa Central. Falei com eles e eles passaram-me uma lista de locais abandonados.

Como é que conhece fotógrafos estrangeiros?
A página Lugares Abandonados está com mais de 50 mil pessoas, e uma boa parte deles são estrangeiros. Acabamos por estar todos interligados, partilhamos alguns locais abandonados. Por acaso também tive uma história gira na Bélgica.

De repente vai direto ao carro, destrava-o e empurra-o pela ribanceira abaixo. Nós nem queríamos acreditar. Saímos disparados e conseguimos evitar que fosse pela ribanceira abaixo."

Conte-me.
Nós chegámos a uma casa abandonada mas desconhecíamos que vivia lá um sem-abrigo. Chegámos, o sem-abrigo não estava lá e nós começámos a fotografar, descansados. De repente começámos a vê-lo aproximar-se da casa. Tínhamos o carro alugado parado em frente à casa, e vêmo-lo a aproximar-se, a aproximar-se.

Foi na direção do carro?
Sim. De repente vai direto ao carro, destrava-o e empurra-o pela ribanceira abaixo. Nós nem queríamos acreditar. Saímos disparados e conseguimos evitar que fosse pela ribanceira abaixo. Ficámos furiosos, fomos logo direitos a ele. Não partimos para a violência obviamente, mas dissemos-lhe: "Mas você é maluco?". Percebemos que ele era um sem-abrigo, mal sabia falar. Só dizia: "My home, my home". Foi uma situação desagradável, porque de facto podíamos ter ficado sem o carro.

Qual é a história mais engraçada por que passou?
Uma casa em Sintra. Foi possivelmente a história mais caricata. Estava com os meus amigos e, a passar de carro, vimos uma moradia dos anos 40 ou 50 completamente degradada. O terreno sem tratamento, as paredes com a tinta a cair. Era o típico abandonado, estávamos completamente convencidos disso. Entrámos pelo portão que estava aberto e chegámos à porta, que também estava encostada. Pensámos: "Olha que maravilha, está aqui uma casa abandonada." Surpresa das surpresas, entrámos na casa e estava lá sentado um senhor sentado a ver televisão.

O senhor viu-vos?
Sim, ficou surpreendido com a nossa presença. Eu disse: "Desculpe lá, enganámo-nos na casa". Ele ficou a olhar para nós sem dizer nada e nós fomo-nos embora. Acho que foi o episódio mais caricato que tive a fotografar abandonados. Passámos a tarde a rir.