Lembro-me de ter amigas grávidas e pensar que tudo não passava de uma desculpa esfarrapada. Que qualquer erro que cometessem cabia dentro da caixa a que chamavam de "cérebro de grávida", como se de repente não houvesse outra justificação. No trabalho, nos programas que marcávamos, qualquer falha ou atraso era justificado com a frase: "Sabes como é, pregnancy brain."
Foi preciso engravidar, e começar a parecer muitas vezes uma barata tonta, para perceber aquilo por que elas passavam. Não sei se realmente se chama "cérebro de grávida" ou se há algo de científico sequer nesta expressão. O que sei é que realmente durante a minha primeira gravidez, e também agora na segunda, as minhas competências não são as mesmas.
Pego no telefone para fazer qualquer coisa e, assim que o ligo, já não me lembro daquilo que ia fazer. É uma constante. Ir ao quarto buscar uma coisa e não fazer ideia do que estou ali a fazer também acontece diariamente. Ir ao supermercado sem uma lista de compras (nem que esta tenha apenas três produtos), passou a ser impossível. Mas depois há situações ainda mais graves como perguntar uma coisa ao meu marido, ele responder, e passado menos de um minuto voltar a perguntar exatamente o mesmo. Sim, isto acontece. E a cara de descrença com que a outra pessoa fica, faz-nos sentir incompreendidas — para não dizer burras.
E não sou a única. Guga Mandacaru, de 29 anos, mãe de Matilde, de 2 anos e meio, e Jaime, 8 meses, conseguiu ter uma conversa ainda mais surreal. "Liguei à minha avó e perguntei se queria vir a minha casa ver a piscina. Mas eu não tenho piscina", partilha com a MAGG. A isto juntou-se ainda o facto de ter comprado um grande stock de fraldas para a filha do tamanho errado. "Acabei por usar no Jaime, mas consegui ficar um mês a usar o stock."
No caso de Samantha McMurray, de 33 anos, autora do blogue "Eat Love With Love", e mãe de Thomas, de 1 ano, e Charlotte, com menos de 1 mês, o "cérebro de grávida" levou-a a esquecer-se do bico do fogão ligado e, por isso, derreter uma panela. Também pôs um pacote de cereais dentro do frigorífico e chegou até a deitar loiça no lixo, em vez de a pôr dentro da máquina de lavar loiça.
Já Mariana Oliveira Costa, de 34 anos, mãe de Martim, de 3 anos, e Vera de 4 meses, garante que no trabalho foram várias as situações onde sentiu falta de concentração e de memória. "Trocava tudo. Trocava os nomes, ligava para as pessoas erradas, cheguei a perder o telemóvel três vezes no mesmo dia. E esquecia-me frequentemente dos sítios onde parava o carro. Uma vez estive 45 minutos no parque do Hospital da Luz para o encontrar. No Oeiras Park tive que ir de carrinho com os seguranças", conta à MAGG.
O "cérebro de grávida" é ou não real?
Apesar de este ser um tema recorrente entre mulheres grávidas, não o é entre médicos da área. "Há muito poucos estudos realmente representativos sobre o tema e posso dizer que ao longo de todo o meu internato e em exames, nunca foram abordadas estas questões das alterações cognitivas e da memória. O que é pena", explica à MAGG Paula Ambrósio, ginecologista obstetra no Hospital Lusíadas Lisboa.
Ainda assim, esta é uma questão que, enquanto médica e mãe, considera importante e real. "Todas as grávidas passam por isso. Não é nenhum mito. É uma queixa transversal a todas. Não é preciso dramatizar, mas acho que não se devia desvalorizar." É algo que vê que acontece muito, garante, principalmente entre os obstetras masculinos: "Os homens têm mais dificuldade em perceber e por isso desvalorizam, principalmente porque nunca passam por isso."
De acordo com um estudo publicado a dezembro de 2016 na Nature, que analisou mulheres antes, durante e depois da gravidez, através de ressonâncias magnéticas, há uma diminuição transitória da massa cinzenta, principalmente na zona da cognição social. Esta alteração no cérebro pode explicar então a falta de memória e dificuldade de concentração das mulheres grávidas. "Há uma alteração no hipocampo, pelo menos a nível imagiológico, e isso tem muito que ver com afetos e memória", explica.
Quando Paula Ambrósio tem uma nova grávida, gosta de alertar a mulher para aquilo com que se vai deparar. "Aviso logo desde o início que isso vai acontecer. A memória fica um caco." Quanto ao motivo que as leva a ficar assim, a obstetra refere sempre que há muito poucos estudos sobre o tema e que, por isso, não se sabe muito sobre o mesmo. No entanto, vê a privação de sono e os níveis de progesterona como as principais causas. "A progesterona tem a tendência de diminuir e atrasar tudo, por isso também deve fazê-lo a nível neuronal. Não dormir tão bem, também se reflete na diminuição da concentração."
Aliado a todas estas causas, está ainda o facto de a mulher se concentrar muito no bebé, ficando com menos capacidade para se focar noutras coisas.
Paula Ambrósio acredita que a única forma de minimizar este chamado "cérebro de grávida" e os seus efeitos, é reduzindo o cansaço. "O ideal é dormir oito horas e descansar duas horas por dia durante a gravidez. O que também pode ajudar é o café, porque aumenta a velocidade de transmissão entre neurónios. Até dois cafés por dia, não faz mal e ajuda a combater esta questão."
Escrever tudo aquilo que se considera mais importante é o melhor truque para que uma grávida não sinta tanto a consequência desta diminuição da massa cinzenta. "Não há que ter vergonha de nada. Escrever as coisas que não se quer esquecer ajuda a minimizar as consequências do que é incontornável. Não há nada de errado, é o ambiente hormonal", afirma.
Este truque pode ser utilizado em várias situações, como no trabalho, visto que esta é uma área que pode ser afetada com esta alteração neuronal das mulheres. A falta de concentração e a perda de memória podem sentir-se em algumas tarefas laborais e isso pode não ser bem-visto: "As entidades patronais já lidam mal com a gravidez e absentismo. Isto é mais uma coisa a não ajudar. O rendimento pode ser mais baixo do que o normal, mas não é preciso avisá-los."
E esse rendimento pode não subir só porque já não se está grávida. Depois de o bebé nascer, começa uma privação de sono ainda maior. Além disso, e segundo o estudo referido, a redução da massa cinzenta pode durar pelo menos até dois anos após a gestação.