Na última década, os tribunais eclesiásticos portugueses receberam mais de 1820 pedidos de nulidade matrimonial. De 2013 a 2022, inclusive, 1164 casamentos foram declarados nulos, sendo que a falta de preparação, de maturidade e / ou de ponderação foram as causas mais comuns para justificar os pedidos, segundo os dados recolhidos junto das dioceses pelo “Jornal de Notícias”.

2017 foi o ano em que se registou um maior número de processos, 271, seguindo-se os anos de 2016 e 2018. Nestes três anos, houve perto de 750 pedidos no total, quase o dobro dos três anos anteriores. Este aumento ocorreu depois das novas regras impostas pelo Papa Francisco para a declaração de nulidade dos casamentos católicos entrarem em vigor, sendo que os processos tornaram-se mais rápidos e menos caros desde 2015. Contudo, o aumento foi travado pela pandemia COVID-19.

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“É mais fácil o acesso, mas não há facilitismos”, garante João Vergamota, especialista em Direito Canónico e presidente do Instituto Superior de Direito Canónico da Universidade Católica Portuguesa, acrescentando que “o rigor” na análise dos processos “é o mesmo”. “Antes, era preciso uma dupla sentença e, se estas fossem contraditórias, o processo tinha de ir a Roma”, explicou o sacerdote, que afirma que “a demora desmotivava as pessoas” a avançar.

Além de já não ser necessária uma dupla sentença, também foi criado o processo leve, decidido pelo bispo diocesano, para os casos em que as duas partes estejam de acordo e tenham provas documentais “irrefutáveis” da nulidade matrimonial.

Apesar de estes processos deverem durar no máximo 45 dias, às vezes chegam a demorar “seis meses”, segundo o padre Manuel Joaquim Rocha, o vigário-geral e judicial da diocese de Aveiro e também presidente da Associação Portuguesa de Canonistas. Já nos processos ditos normais “o prazo varia”, sendo que em Aveiro, “por norma, não ultrapassa um ano”.

Um dos principais motivos que faz com que os casais avancem com o pedido de anulação do casamento é o facto de poderem casar-se novamente pela Igreja. Contudo, “não é o único”, realça José Pereira de Almeida, da paróquia de Santa Isabel, em Lisboa. Para este, também existe quem inicie o processo na “procura da verdade” e de “reconciliação com o passado”, e casais para quem “o móbil é perceber o que se passou com a sua história”.

“O que que os move é o amor à verdade”, disse. “Nestes processos, declara-se a unidade do matrimónio, ou seja, para a Igreja aquele casamento nunca existiu, não houve vínculo”, explica João Vergamota, realçando que, nos divórcios, por outro lado, “termina-se algo que existiu”.

Para o padre Manuel Joaquim Rocha, “a Igreja não faz divórcios”, “anula casamentos com base no apuramento da verdade”. O sacerdote revelou ainda que a causa mais comum nos processos tem que ver com a “incapacidade de assumir as obrigações matrimoniais”, por imaturidade ou por natureza psíquica.

“Há um defeito de juízo. A pessoa fez um mau discernimento do que implica o casamento”, esclareceu João Vergamota. Além disso, a infidelidade, o recusar ter filhos e a violência doméstica também podem sustentar a nulidade do matrimónio, dado que há a “rejeição de princípios do casamento, como a fidelidade e o respeito do bem do cônjuge”.