O medo de perder o emprego ou de ter um corte no salário tem levado pessoas a esconder a infeção com COVID-19 e a fazer as suas obrigações normais. Quem alerta para o risco é António Pais Lacerda, médico e diretor do serviço de Medicina Interna II do Hospital Santa Maria, em Lisboa, esta sexta-feira, 30 de outubro, de acordo com o jornal "Diário de Notícias", que cita a agência Lusa.
O especialista dá até alguns exemplos em que estas situações acontecem. "Há pais que estão em casa infetados e levam os filhos à escola e não dizem nada a ninguém” e “pessoas que continuam a ir para o seu trabalho com alguém em casa doente e não dizem, porque têm receio de ficar com menos salário ou menos capacidade de levar pão para casa”. António Pais Lacerda aponta que esta é “uma situação social gravíssima”, uma vez que potencia o aumento da rede de infeções com o novo coronavírus.
"Não é dizer 'eu estive com aquela pessoa que estava infetada, mas não vou fazer nada porque me sinto bem'. Isso é um disparate, porque é o que mantém a contaminação dos outros”, acrescenta. O médico de medicina interna destaca a importância de "tomar as devidas precauções”, referindo-se ao isolamento em casa no caso de um contacto com alguém infetado, e lembra que "ninguém tem culpa".
Contudo, é preciso que todos assumam a responsabilidade de modo a travar a pandemia. "Se não, dentro de pouco tempo, entram demasiados doentes nos hospitais", afirma António Pais Lacerda.
O alerta surge no mesmo dia em que é revelado que no último mês cerca de 50 das 60 camas de enfermaria para doentes COVID-19 do Hospital de Santa Maria têm estado ocupadas. "A grande diferença em relação à primeira vaga é o número de doentes que entram por dia e nós não nos podemos ver livres, entre aspas, dos doentes que já cá estão", afirma o diretor do Serviço de Medicina II.
Contudo, a nova norma da Direção-Geral de Saúde (DGS), que determina que os doentes sem sintomas podem ter alta após dez dias de isolamento mesmo sem teste negativo, tem permitido aliviar as unidades de saúde.
Ainda assim, esconder a doença em nada contribui para a resposta dos serviços de ação médica, uma vez que o aumento dos casos e a necessidade cuidados perante sintomas severos pode levar à sobrelotação dos hospitais. O médico António Pais Lacerda levanta até a hipótese de, a certa altura com o evoluir da segunda vaga, ser necessário recorrer a "camas de hospitais privados" ou fazer “tendas especiais para aumentar o número de camas mesmo fora dos locais normais dos hospitais”.
O especialista lembra que esta situação já acontece noutros países, exemplo que devemos ter em mente no sentido de ser evitado. É também preciso ter presente que a doença não afeta só os mais velhos.
"O nosso maior número de internamentos é a partir dos 70 anos, mas temos tido internamentos de pessoas à volta dos 30, 50 anos e nestes últimos tempos mais", refere. O médico defende que "as pessoas estão cansadas de ver números", precisando, por isso, de ver casos reais, principalmente os mais jovens.
Para António Pais Lacerda o travão da pandemia e da eventual sobrelotação dos hospitais está "nas mãos lavadas de cada um e na máscara de cada um”, diz.