Passaram cerca de 18 meses desde que fomos confrontados com uma pandemia que mudou a nossa forma de viver e conviver. Durante este tempo, muito se falou. Especialistas discutiram a melhor forma de controlar o vírus responsável pela COVID-19 e foram também muitos os que discordaram em vários aspetos, apresentando pontos de vista diferentes. Apesar de ter passado mais de um ano, as opiniões continuam a não ser consensuais.
Portugal entrou a 1 de outubro na terceira e última fase de desconfinamento, o que fez com que muitas das restrições com as quais tivemos de aprender a viver durante mais de um ano fossem levantadas. Entre elas, encontra-se o uso de máscara, que deixou de ser obrigatório em muitos dos locais onde, durante meses, ninguém andava sem este objeto de proteção facial.
Contudo, aquela que gerou (e continua a gerar) mais discórdia e indignação, principalmente por parte de vários pais, que chegaram até a criar um movimento, foi o facto de ser imposta a utilização de máscara em estabelecimentos de educação, de ensino e nas creches — por parte de pessoas com idade superior a 10 anos ou, no caso dos estabelecimentos de educação e ensino, os alunos do 2º ciclo do ensino básico, independentemente da idade, salvo nos espaços de recreio ao ar livre — e não em sítios como discotecas, por exemplo.
"Como é que explicamos aos nossos filhos que eles não podem partilhar, brincar livremente ou estabelecer relações próximas em ambiente escolar quando nós, adultos, podemos conviver em bares, discotecas, cinemas e casamentos?" ou "Como é que dizes aos teus filhos que têm de usar máscara nas escola, quando os adultos andam na rua ou nas esplanadas sem máscara?" são algumas das muitas questões colocadas por pais num vídeo intitulado de "A infância não se repete" que tem como objetivo fazer pensar sobre o levantamento das restrições.
Nos últimos tempos, muitos se têm questionado sobre qual o motivo que leva a haver uma distinção relativamente à obrigatoriedade do uso de máscaras em certos espaços fechados e noutros, onde o contacto é ainda maior, não.
Pediatra concorda com uso de máscara nas escolas
Para Alberto Caldas Afonso, coordenador da Unidade de Pediatria do Hospital Lusíadas Porto e professor catedrático de Pediatria na Universidade do Porto, faz sentido que se continue a usar máscara em espaços públicos fechados, incluindo escolas (mas também nas discotecas). "Locais em que há um espaço limitado e no qual as pessoas estão durante muito tempo, por exemplo numa sala de aula em que estarão, no mínimo, 45 minutos, é prudente fazê-lo", diz à MAGG.
Na opinião de Caldas Afonso, as novas diretrizes da DGS, que vieram retirar a exigência de utilização de máscara em recreios ao ar livre, mantendo a mesma nas salas de aula, não podiam estar melhor estipuladas.
"Acho que no recreio não se deve usar porque é ao ar livre e há mais distanciamento. Além disso, os nossos jovens estão também cada vez mais educados e sensibilizados para as medidas de proteção: nomeadamente os pré-adolescentes, que são muito ativistas no bom sentido. São muitas vezes eles que alertam os pais para o facto de as regras não estarem a ser cumpridas", diz, justificando ainda a opinião com o facto de esta ser uma parte da população que ainda tem baixas taxas de vacinação.
Virologista defende regresso à normalidade
Pedro Simas, virologista, que, no último, se tornou bastante conhecido por comentar a evolução da pandemia, considera que, do ponto de vista da virologia, não faz sentido continuar a usar-se máscara em espaços como escolas, salas de espetáculo, centros comerciais ou estádios.
Na opinião de Pedro Simas, o levantamento das restrições foi positivo, mas devia ter ido mais longe. "Nós temos de regressar à normalidade rapidamente. Eu penso que o desconfinamento devia ter sido iniciado há mais tempo, no início de julho. De todas as medidas que foram anunciadas, as situações em que eu manteria a máscara, numa fase transitória, seria nos hospitais e lares. Numa fase transitória, porque na normalidade nós nunca usámos máscara nos hospitais e nos lares em todas as situações", diz à MAGG.
Para o especialista, estas medidas de prevenção faziam sentido quando grande parte da população não estava vacinada. "Nós temos 85% da população portuguesa vacinada seletivamente, por idades. O que significa que praticamente 100% dos grupos de risco estão vacinados e protegidos. Isso dá-nos proteção a nível individual e coletivo porque dá-nos uma imunidade de grupo que impede que o vírus agora se dissemine exponencialmente uma vez que a maioria da população está protegida", afirma.
Segundo Pedro Simas, passámos de uma pandemia para uma fase endémica. "O risco de desenvolvimento de doença grave e hospitalização é muito muito pequeno, é um risco igual àquele como o qual nós estamos habituados a lidar com os outros coronavírus que já afetavam a população humana", continua.
Quanto aos certificados digitais, Pedro Simas defende que apenas faz sentido continuar a exigir a sua apresentação para viagens internacionais. "É necessário certificado se a pessoa fizer viagens internacionais, porque há outros países que não estão no mesmo patamar, mas em Portugal já não faz sentido. Fazia sentido há uns meses", diz.
"Utilização de máscara de forma massiva faz com que percamos imunidade", diz Pedro Simas
"O essencial agora é regressar o mais rapidamente à normalidade porque foi para isso que vacinámos. Mesmo que não impeça a infeção, ela [a vacina] é protetora quanto à infeção e doença grave. Nós sempre vivemos com vírus que infetam as vias respiratórias: como o vírus da gripe, por exemplo", defende o virologista
Para Pedro Simas, devemo-nos comportar "normalmente" porque a "utilização de máscara de forma massiva faz com que percamos imunidade". "Basta reparar no que aconteceu com a gripe. Não houve praticamente gripe nos últimos dois invernos porque usámos máscaras. Não estou a advogar que uma pessoa infetada ande a infetar os outros, mas não faz muito sentido a partir de agora todos os outonos e invernos usarmos máscara. O que vai acontecer depois é que vamos começar a perder a imunidade todos os anos e criar situações mais graves."
Numa perspetiva oposta, o pediatra Caldas Afonso considera que devemos continuar a ter alguma prudência. "Nós, independentemente daquilo que é a taxa excecional de vacinação que temos, vamos ter um inverno que não gostaríamos de associar a casos graves de gripe. Felizmente, o ano passado não aconteceu, penso que muito pela questão das máscaras. Não tivemos aquela inundação no sistema nacional de saúde como costumamos ter devido à gripe e seguramente que as novas medidas de proteção, lavar as mãos, e usar as máscaras, tiveram um impacto muito importante no que aconteceu."
Pediatra não percebe dispensa de máscara em discotecas
No caso concreto das escolas, e regressando novamente à população mais jovem, o pediatra Caldas Afonso volta a frisar que grande parte desta população ainda não está vacinada e, por isso, é preciso continuar a ter "alguma prudência". "À luz do que se sabe" considera que a norma em vigor está correta.
"Muitas pessoas que temos internado é nessa faixa etária. Continuamos a internar. Isto não desapareceu. Além disso, esta faixa etária, independentemente da COVID-19, está também muito propensa a infeções respiratórias, e, portanto, na sala de aula, neste momento, faz todo o sentido."
Quanto à questão da não obrigatoriedade de utilização de máscara em discotecas, Caldas Afonso diz não encontrar uma justificação. "Penso que faria mais sentido se todos fizessem o teste para entrar na discoteca porque há sempre risco em ambientes super fechados, com contacto intenso, como é o caso de uma discoteca, a não ser que eles mudassem as regras, seria cauteloso usar máscara", remata.
Com o objetivo de tentar encontrar uma justificação concreta para o facto de ser exigido utilização de máscara em espaços fechados como as escolas e não ser exigido em discotecas e bares, a MAGG contactou o Ministério da Saúde e a Direção-Geral da Saúde, mas até à hora de publicação deste artigo não obteve resposta final.
Neste momento, aquilo que está estipulado é que não é obrigatório a utilização de máscara por parte de quem permanece num bar ou numa discoteca. Contudo, para ter acesso a estes locais, é exigido à entrada a apresentação de certificado digital que comprove que está vacinado ou teste negativo à COVID-19.