Tem 9 anos, muita determinação e uma alegria contagiante. É como Mariana, mãe de Carmo Caramez, descreve a filha, que está neste momento com um projeto bastante solidário em mãos: vender o maior número de cartões possível para comprar o seu segundo aparelho auditivo. Com um ouvido completamente fechado e outro com uma grande incapacidade, esta menina quis lutar pelos seus sonhos e comprar vários acessórios que ajudassem numa melhor experiência de vida.
Carmo Caramez, além de outros problemas de saúde que não impactam a sua vida diariamente, como um fígado mal formado, nasceu com uma surdez, que lhe foi diagnosticada logo aos 5 meses. "Ela nesta altura meteu logo aparelho. Acho que quem está de fora não tem a mínima noção dos preços disto, porque eu também não tinha, e nunca na vida pensei que fosse mais do que três mil euros. Mas quando chego ao médico e me dão um orçamento de quase oito mil euros até me senti maldisposta", disse Mariana à MAGG.
No entanto, não existia outra opção. Assim, Carmo, com 9 meses, já tinha uns tubos nas orelhas para se tentar perceber qual o tipo de surdez que tinha, e como esta poderia ser tratada. "Descobrimos que ela perdeu a audição toda num ouvido e que o outro melhorou imenso". Ainda assim, aos 18 meses, altura em que já é possível meter um implante coclear, o médico descobriu que o ouvido que não ouvia estava todo calcificado.
"Foram seis horas de cirurgia e já estava tudo desorientado porque não havia autorização para tantas horas por causa do fígado dela. O médico quis furar até à última volta e conseguiu, mas disse-nos que continuar só para fazer barulho não era a melhor abordagem, então acabou por fechar aquele ouvido e o ouvido acabou por ir, salvo seja, para o lixo", contou Mariana. "Nos primeiros anos da Carmo íamos todas as semanas ao médico para tentar perceber se o outro ouvido ia ficar da mesma maneira", acrescentou.
Assim, no ouvido que ainda tinha audição, Carmo ficou com um aparelho, e no outro acabou por meter um acessório esteticamente parecido que capta os sons e os transmite para o outro lado.
No entanto, Mariana refere que com o passar dos anos a preocupação foi diminuindo, uma vez que Carmo expressava sempre se algo lhe doía ou não. Além disso, a forma como abordavam a situação também ajudava, uma vez que Mariana e Miguel sempre quiseram deixar as pessoas à vontade com este assunto.
"Para nós, sempre foi uma grande não-questão, é uma surdez como poderiam ser uns óculos. Sempre deixámos as pessoas à vontade para falarem connosco e sempre nos fizemos à vontade", explicou Mariana, dizendo, por exemplo, que era sempre a primeira a fazer um rabo de cavalo a Carmo para as pessoas no parque verem o seu aparelho e não pensarem que a filha era mal-educada.
Já na escola, a menina era quase como uma estrela: os seus aparelhos com pins da Minnie e do Toy Story deixavam todas as crianças maravilhadas, algumas delas chegando até a perguntar aos pais se não podiam ter uns iguais. "Quando ela era pequena nós comprávamos os pins das Crocs e as senhoras da Chicco davam-nos as molas dos cabides e nós fazíamos uma espécie de um suporte para os aparelhos não caírem e para não se perderem", disse a mãe da menina. "Então aquilo tinha sempre imensos desenhos e as crianças adoravam. Nunca escondamos nada", acrescentou.
Quanto a Carmo, esta sempre lidou bem com a situação, com exceção das primeiras aulas de inglês. "A primeira vez que senti frustração da parte da Carmo foi agora quando começou a ter aulas de inglês, mas acredito que vá passar. De resto ela não se acha diferente, faz tudo igual. Ela luta judo, faz as provas e quando as tem tira os aparelhos, vai para a frente da sala quando estão a ler histórias para conseguir ler os lábios da professora e tudo mais. Tem estratégias, apenas", explicou Mariana.
No entanto, há um problema que, na verdade, também atinge muitas pessoas com boa audição: os auscultadores - e foi a partir daqui que Carmo teve a ideia de começar a vender cartões. Com o nome de Comdex, uma espécie de colar que transmite os sons de televisões e de telemóveis através do bluetooth diretamente para o aparelho auditivo, Carmo queria conseguir comprar este dispositivo para não precisar mais de usar fones, uma vez que estes aleijavam nas orelhas.
E foi depois de a mãe lhe dizer que só conseguiam comprar depois do regresso às aulas, já que o dispositivo custava 250€, que a menina determinada decidiu começar o seu próprio negócio.
"Passou uns 15 dias atrás de mim com uns cartões e com uma folha cheia de frases escritas a perguntar se eu podia vender no Instagram, e quando fomos de férias eu pensei 'nem é tarde nem é cedo, ela faz aqui uma brincadeira e consegue uns trocos e depois nós metemos o resto do dinheiro'", disse Mariana. Contudo, a ajuda foi maior do que esperavam. "Entre família e amigos, só nessa noite, conseguimos reunir mais de 700€. Ficámos estupefatos. Aproveitei para falar com as pessoas que tinham dado valores maiores e perguntei se não se importavam que comprássemos também um microfone, um aparelho estilo lapela que se mete no professor e o som vai diretamente para o Comdex, e como rondavam os 500€, 600€ avançámos logo para comprar as duas coisas."
Mas foi aí que tudo começou a desmoronar. Quando um amigo da família foi tentar comprar os dois dispositivos, a senhora explicou que o microfone tinha sido descontinuado, explicando ainda que se o aparelho auditivo de Carmo tinha mais de sete anos, o melhor seria falar com o médico porque, muito provavelmente, teria de ser trocado. "Ficámos sem reação. Trouxemos o Comdex na mesma porque ela continuava a pedir muito, e tentei logo falar com o médico sobre o aparelho. Ele confirmou", explicou Mariana.
"O tempo de vida útil de um aparelho não pode ir mais do que oito anos, e já íamos tão lançados com a compra de dispositivos que pensámos 'porque não?'. Fomos totalmente embrulhados quando nos deram uma base do valor, e então falámos com a Carmo e ela quis continuar com os cartões, e nós claro que não lhe íamos tirar isso", confessou. Ao todo, e já com um grande desconto, o novo aparelho auditivo de Carmo e o pequeno transmissor do outro ouvido vão custar à família 4.000€.
Assim, desde o dia 3 de agosto que este projeto pensado por Carmo continua a ter vida, e mesmo de férias Mariana e Miguel continuaram o sonho da filha. "Estávamos num parque de campismo e de manhã, quando as pessoas saíam, já lá estávamos nós na mesa a tratar dos cartões. Às tantas já todos pintávamos e cortávamos cartolina", relembrou Mariana. "Fizemos 1000 cartões numa semana e meia. Foi muito duro, mas as pessoas têm sido umas queridas, e só por isso já valeu a pena", acrescentou.
No Instagram, Mariana documentou todo o trajeto da filha, e na passada quinta-feira, 22 de agosto, revelou a todos os seguidores de Carmo que, com a sua ajuda, apenas faltavam 500€ para o grande objetivo de comprar o aparelho auditivo. "Este número já sei escrever melhor porque é mais pequenino, já não precisei que a mãe contasse os zeros. E quer dizer que estou quase a conseguir! Ainda temos muitos cartões para conseguir o resto dos dinheirinhos. Compram todos? Se não comprarem a mãe diz que é o que toda a gente vai receber de presente de Natal, por isso acho melhor comprarem!", lê-se na publicação.
As frases dos cartões são todas feitas por Carmo, e são "o espelho da vida dela", como disse Mariana. "Ela passa a vida a dizer estas coisas, há montes e montes de frases ainda guardadas na lista dela que são muito engraçadas. O bonito disto tudo é que ela está a ser ela própria, e isto mostra essencialmente que estamos a fazer o que é certo", finalizou a mãe. Assim, para fazer uma encomenda e ajudar Carmo a atingir o seu objetivo, basta mandar uma mensagem para o seu Instagram e, como a própria diz, comprar "dois em par" por 3€, sendo que os portes ficam ao encargo da família.