
Uma estudante universitária foi condenada a 7 anos e nove meses de prisão efetiva por um dos mais graves casos de perseguição registados em Portugal. A decisão judicial representa a pena mais pesada de sempre aplicada pelo crime de stalking no país. A investigação da SIC teve acesso ao processo e revelou o impacto devastador das ações da arguida sobre a vítima e outras três pessoas injustamente envolvidas.
O caso remonta a 2019, quando a estudante universitária visada começou a ser alvo de uma perseguição digital brutal. O primeiro sinal surgiu a 20 de março desse ano, com a criação de uma conta falsa no Tinder utilizando a sua fotografia. No dia seguinte, seguiram-se tentativas de acesso às suas redes sociais e à plataforma Moodle da faculdade, seguido do primeiro de muitos e-mails anónimos com ameaças e insultos.
A perseguição tornou-se constante, com tentativas diárias de acesso a contas, pedidos de recuperação de senhas e novos e-mails anónimos. "Era uma coisa que acontecia com alguma frequência", afirmou Ricardo Ramos Pinto, presidente do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), onde ambas estudavam. As mensagens eram insultuosas e humilhantes: "Pareces uma palhaça quando te maquilhas", "Não passas de uma medíocre", "Coitados dos teus ex-namorados".
Entre março e maio de 2019, a vítima, que o canal confirma ser natural de uma região pequena e distante de Lisboa, reportou o caso à direção da faculdade. As queixas foram encaminhadas para a PSP e, posteriormente, o Ministério Público abriu um processo contra desconhecidos. No entanto, em vez de abrandar, a perseguição intensificou-se, tendo os colegas, amigos e família da jovem recebido um obituário e um convite para o funeral da jovem – falsos, atenção.
Pouco depois, a jovem também começou a receber encomendas que nunca tinha feito e confirmações de consultas médicas por cuja marcação não tinha sido responsável, indo de labioplastia a cardiologia. Como se isso não bastasse, fotografias suas alteradas com conteúdo sexual foram enviadas para amigos e partilhadas em sites de acompanhantes de luxo, diz a SIC Notícias.
A situação tornou-se tão grave que até a equipa de informática da faculdade tentou rastrear os IPs utilizados nos ataques, mas os acessos vinham de vários países, incluindo Alemanha, Estados Unidos e até Papua-Nova Guiné. A situação tornou-se insustentável para a vítima, que começou a apresentar sinais de instabilidade emocional – até que, em maio de 2020, surgiu um novo elemento na história.
Tratava-se de uma desconhecida, que contactou a jovem pelo Facebook, oferecendo ajuda. No entanto, a alegada benfeitora – que era, na verdade, a stalker – serviu apenas para introduzir pistas falsas, incriminando três estudantes inocentes. "Começa a utilizar outras vítimas, no fundo, para atingir aquela que ela entendia ser a vítima principal", explicou Paula Durão, advogada de uma das três jovens envolvidas.
A identificação da autora do crime surgiu através de análises linguísticas e perícias informáticas, bem como de um processo do qual a arguida já tinha sido protagonista, mas que fora arquivado, em 2015. A confirmação final veio a 13 de janeiro de 2020, num e-mail enviado pela própria estudante, onde confessava os crimes.
"Sim, fiz tudo, e sim, incriminei as outras três idiotas. E uma coisa é certa: tive a diversão da minha vida. Como é que fiz tanta coisa sozinha? Inteligência, um bocado de psicopatia à mistura e… eu sei o que faço. Agora já não existe piada nenhuma em continuar este jogo, e sinceramente, também tenho exames para estudar. O tempo está escasso... Portanto, é isto", lia-se, segundo a SIC.
Durante o julgamento, a estudante tentou fazer-se passar por vítima, mas os juízes foram claros: "Criou um ambiente de constante sobressalto e temor" e "agiu com o propósito de criar instabilidade". A prova documental recolhida foi extensa e decisiva para a condenação, que fez com esta fosse culpada de 18 crimes, incluindo perseguição, falsidade informática e denúncia caluniosa. Para além da pena de prisão, foi condenada a pagar mais 50 mil euros em indemnizações.