Stephen O'Regan atira-se a projetos sem grandes reflexões ou ponderações. Tem uma ideia e avança. Foi assim quando, em 2006, decidiu convidar artistas para darem concertos na varanda de sua casa, filmá-los e partilhar o momento numa então muito recente plataforma de vídeo, a que se deu o nome de Youtube. O conceito veio a revelar-se num enorme sucesso: a Balcony TV, nome que deu a este projeto, chegou a cem cidades (incluindo Lisboa) e transmitiu 20 mil concertos — com a atuação de nomes que se vieram a tornar-se verdadeiramente sonantes, como Ed Sheeran ou Mumford and Sons. Com equipas de produção espalhadas pelo mundo, ocupou assim os seguintes 12 anos da sua vida, até ao momento em que se viu forçado a afastar do projeto que tinha fundado. Mas isso são outros quinhentos, porque a história aqui é outra.

Natural de Dublin, o irlandês de 37 anos, formado em Cinema, chegou a Lisboa em junho. Estava a viver em Nova Iorque, mas com a pandemia, rumou ao país natal para perceber que também não era aí que queria estar. "Achei que era melhor ir para outro sítio bonito na Europa", conta à MAGG. Aterrou na veraneante capital portuguesa e encantou-se com o calor, com o sol, com as praias, com bares em terraços e com as pessoas na rua, aspeto que se torna particularmente valioso num mundo pandémico. "Em Nova Iorque o clima é de muito medo", relata, numa alusão à COVID-19.

Foi-se deixando ficar e é por cá que, desde junho, se tem dedicado a um novo projeto: chama-se People of Lisbon e, em vídeos criados pelo próprio, e imagens captadas pela fotógrafa Rita Ansone, natural da Letónia, pretende retratar as pessoas que vivem na cidade onde agora reside. Foi mais um daqueles rasgos: "Tive a ideia, fui a alguns grupos de Facebook e muito rapidamente conectei-me com uma fotógrafa", conta."Ela [Rita] conhece pessoas interessantes, sendo também ela uma criadora."

stephen
Stephen o'Regan e Rita Ansone

É por isso que nesta espécie de primeira série temos, sobretudo, pessoas com peculiaridades vincadas, características muito distintas, quase sempre ligadas ao meio artístico. Há dançarinos, cantores de ópera, fotógrafos de rua, comediantes. Mas não só.  Stephen e Rita passaram um dia com Telmo Rodrigues, vendedor de bolas de Berlim, numa praia da Costa da Caparica.

A "extravagante" figura não é de esquecer facilmente: "Era uma personagem. Não dá para descrever bem sequer, é mesmo preciso conhecê-lo. Era alto. Num momento dizia uma coisa super ofensiva, e noutro era absolutamente charmoso."

Também registaram Miguel Antunes, um poeta português. Mais tarde, voltaram a reencontrá-lo num outro dia de filmagens e, nesse momento, Stephen observou uma singularidade muito lisboeta: "Fez-me perceber o quão pequena é a cidade. É muito fácil encontrar alguém."

Também gravaram o surfista Andy Gomes, que lhes deu a oportunidade de sentir na pele o que é praticar um desporto que depende do estado da natureza — mesmo quando se está num dos mais famosos spots para o praticar: "Levou-nos a Peniche e teve o azar de ser o único dia em que não havia não ondas. Ficou engraçado em vídeo vê-lo pronto para surfar e a água completamente lisa."

Foi uma das situações em que tiveram de lidar com a imprevisibilidade e surpresa. Mas houve mais. "Estávamos com o fotógrafo de rua Nikita Stupin, que capta principalmente as paredes da cidade e os seus buracos quando, de repente, apareceu um tipo com uma máscara preta, com marcadores, assim com um ar intimidante, que deixou um tag na parede e se afastou."

"Fomos falar com ele, perguntámos se ele teria interesse em participar. Ele primeiro não aceitou, mas acabou por voltar para trás porque afinal queria. E depois esteve a falar connosco sobre como o graffiti e sobre como deixar a sua marca na parede tinha que ver com a liberdade e com o anti-fascismo."

Quanto às semelhanças com o americano Humans of New York, Stephen explica não tinha em mente este projeto quando criou o seu: "Eu vivi lá [em Nova Iorque], sabia que [o Humans of New York] existia, mas não era de todo isso que estava na minha cabeça. Sendo videógrafo, o meu conceito parte mais do vídeo."

A experiência, que inclui figuras portuguesas e estrangeiras a residir em Lisboa, tem sido muito positiva. "Ajuda-me a conhecer pessoas de subculturas e nichos diferentes da cidade", conta. Mas a ideia é expandir o portfólio: "Quando comecei queria, e ainda quero, fazer vídeos com pessoas ainda mais 'normais'".

O objetivo é publicar um vídeo e fotografias todas as semanas, no Youtube, Facebook e Instagram. Ao todo, somam-se já 13 — o 14.º será partilhado já na próxima semana. Se conhecer alguém e quiser recomendar, não perca tempo. Basta ir ao site e deixar uma mensagem.

Conheça 13 rostos de Lisboa, captados pela lente de Rita Ansone.