A polémica está instalada. Esta quarta-feira, 11 de setembro, Lucília Gago, Procuradora-Geral da República, foi ouvida no parlamento, numa audição da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais. Quase no fim do seu mandato, a magistrada de 68 anos falou do uso de escutas, dos métodos do Ministério Público (MP) e de segredo de justiça, entre outros temas, mas foram as declarações sobre a falta de recursos humanos do MP que causaram desconforto, e já estão a ser amplamente partilhadas nas redes sociais.

Questionada pelos deputados presentes na audição sobre a mesma falta de recursos, Lucília Gago explicou que não há ainda um aumento líquido de procuradores, mas escolheu um fator particular para justificar os constrangimentos: o facto de 90% dos procuradores abaixo dos 30 anos serem mulheres.

Mulher obrigada a pesar-se na balança das malas antes de entrar no avião. Acusações de discriminação
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"Constituiu um fato de agravamento de constrangimentos em razão de situações de gravidez, incluindo de gravidez de risco", disse Lucília Gago, um argumento já considerado sexista e discriminatório.

A polémica explodiu, e é na rede social X (antigo Twitter) que surgem várias publicações a condenar a procuradora-geral. "Quando Lucília Gago nasceu, em 1956, as mulheres estavam impedidas de aceder à magistratura. Só com o 25 de Abril, a interdição acabou e Gago pôde entrar no MP em 1980. Para agora se queixar de mulheres a mais no MP, cuspindo na luta pela igualdade que a levou ao lugar onde está. Deplorável", escreveu a jornalista Fernanda Câncio.

"Lucília Gago não tem competências para liderar o MP. Tornou o MP numa organização ineficiente, que escuta dezenas de milhares de cidadãos por ano e durante anos a fio. E pior, não assume as falhas nem aprende com os erros. A culpa é das mães", salientou o utilizador Mário André Macedo.

Já no Instagram, a ativista e cronista Paula Cosme Pinto também condenou as palavras da magistrada. "Se decidimos parir somos um constrangimento. Se não queremos parir estamos a falhar ao País, à taxa de natalidade e ao nosso suposto propósito maior. No fundo, a culpa é sempre nossa (pelo menos é o que continuamente nos querem fazer acreditar). A sério que temos a própria Procuradora-Geral da República a fomentar publicamente uma narrativa enviesada, que tem o condão de normalizar a discriminação laboral feminina? (...) Constrangimento, diria eu, é refugiarem-se em argumentos deste tipo quando chega a altura de sacudir a água do capote."

No X, há também declarações que contrariam os argumentos de Lucília Gago. "O relatório mais recente divulgado pelo Ministério Público revela que apenas 25 mães estiveram de baixa de um total de 1700 magistrados. Colocar as culpas das graves falhas do Ministério Público nestas mulheres, como o fez Lucília Gago, é uma tremenda desonestidade", referiu a utilizadora Sofia Pereira.